As tarifas “recíprocas” impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a dezenas de países entraram em vigor nesta quarta-feira (9), incluindo uma taxa expressiva de 104% sobre produtos chineses. Em resposta, a União Europeia articula contramedidas, intensificando o cenário de guerra comercial global.
As medidas punitivas implementadas por Trump abalaram a ordem comercial internacional vigente há décadas, aumentaram o temor de uma recessão global e eliminaram trilhões de dólares em valor de mercado de grandes corporações. Desde o anúncio das tarifas, feito na última quarta-feira, o índice S&P 500 (.SPX) sofreu sua pior desvalorização desde a criação do benchmark, na década de 1950, aproximando-se de um “bear market” — situação caracterizada por uma queda superior a 20% em relação ao pico mais recente.
Nem mesmo os ativos tradicionalmente considerados seguros escaparam da instabilidade. Os títulos do Tesouro norte-americano registraram perdas significativas, enquanto o dólar perdeu força frente às principais moedas globais.
As bolsas europeias encerraram o pregão em queda, e os contratos futuros dos índices acionários dos EUA indicavam novas dificuldades, após um desempenho fraco nas principais praças asiáticas. A exceção foi o mercado acionário chinês, que teve desempenho positivo impulsionado por ações estatais de suporte.
União Europeia prepara retaliação
Os países da União Europeia devem aprovar, ainda nesta quarta-feira, as primeiras medidas de retaliação contra as tarifas norte-americanas, juntando-se a China e Canadá. A Comissão Europeia propôs sobretaxas — a maioria de 25% — sobre uma ampla gama de produtos dos Estados Unidos, incluindo motocicletas, aves, frutas, madeira, vestuário e até fio dental, conforme documento obtido pela agência Reuters.
A entrada em vigor das medidas retaliatórias será escalonada: em 15 de abril, 16 de maio e 1º de dezembro. Segundo fontes ouvidas pela Reuters, essas tarifas podem ter um impacto mais expressivo no crescimento econômico da zona do euro do que o inicialmente previsto pelo Banco Central Europeu (BCE), embora a inflação possa apresentar queda no curto prazo.
O BCE, por sua vez, está preparado para garantir financiamento sólido e preservar a estabilidade financeira na região, afirmou o conselheiro francês da instituição, François Villeroy de Galhau.
China promete resistir ao que chama de “intimidação”
Os principais líderes chineses também se reunirão nesta quarta-feira para definir novas medidas de estímulo à economia e de estabilização dos mercados financeiros, conforme revelaram fontes próximas ao governo.
Trump quase dobrou as tarifas sobre importações chinesas — que já estavam em 54% na semana passada — em resposta às medidas retaliatórias de Pequim. A China, por sua vez, prometeu reagir. “Os Estados Unidos continuam abusando de tarifas para pressionar a China. Nos opomos firmemente a essa postura e jamais aceitaremos esse tipo de intimidação”, afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Lin Jian, em coletiva de imprensa.
O yuan offshore vem sofrendo forte desvalorização em meio à escalada tarifária. No entanto, o banco central chinês orientou os grandes bancos estatais a reduzirem a compra de dólares americanos, sinalizando que não permitirá uma queda abrupta da moeda local.
Com a deterioração do cenário global, os bancos centrais da Nova Zelândia e da Índia decidiram cortar suas taxas de juros nesta quarta-feira. A decisão pode antecipar movimentos semelhantes por parte de outras autoridades monetárias ao redor do mundo, em uma tentativa de suavizar os impactos das tarifas. Na Polônia, o argumento das tarifas também ganhou força no debate sobre corte de juros, conforme afirmou o membro do banco central Ludwik Kotecki.
Impactos nos EUA e incertezas no horizonte
Apesar da forte reação negativa do mercado, o presidente Trump minimizou os efeitos das tarifas, adotando um discurso ambíguo. Em declarações recentes, classificou as medidas como “permanentes”, mas também comemorou a pressão exercida sobre líderes estrangeiros para a retomada das negociações comerciais.
Economistas alertam, no entanto, que os consumidores norte-americanos devem sentir os efeitos diretos da guerra comercial por meio do aumento nos preços de diversos itens do cotidiano, como calçados esportivos e bebidas alcoólicas. Uma pesquisa da Reuters/Ipsos revelou que cerca de 75% dos norte-americanos esperam elevação nos preços nos próximos seis meses.
A fabricante dinamarquesa de produtos de áudio de luxo Bang & Olufsen anunciou nesta quarta-feira que elevará os preços de determinados produtos já no próximo mês, como forma de compensar os custos adicionais gerados pelas tarifas.
O impacto pleno das novas medidas ainda levará um tempo para ser sentido. Produtos que já estavam em trânsito até a meia-noite de terça-feira estarão isentos das tarifas, desde que desembarquem em território norte-americano até 27 de maio.
As tarifas, que passaram a valer às 00h01 (horário da costa leste dos EUA, ou 04h01 GMT), foram justificadas por Trump como uma forma de responder a práticas comerciais que, segundo ele, “roubam” os Estados Unidos. A lista inclui até mesmo aliados históricos, como a União Europeia, que foi atingida por uma tarifa de 20%, além de taxas específicas aplicadas a determinados setores.
Segundo o governo norte-americano, as tarifas visam combater barreiras comerciais contra produtos dos EUA e corrigir desequilíbrios persistentes na balança comercial. Trump já sinalizou que outras medidas estão sendo consideradas, incluindo tarifas sobre medicamentos importados.
Ao mesmo tempo, o governo avalia suavizar propostas anteriores, como a taxação de navios ligados à China que operam em portos norte-americanos. A medida enfrenta forte oposição de setores industriais. “Até agora, a maioria dos importadores tem evitado assumir o risco de trazer mercadorias dos Estados Unidos”, afirmou um operador de Cingapura, que atua no comércio de grãos e oleaginosas com origem nos EUA.
Fonte: portaldoagronegocio