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Ciência & Saúde

A infectologia de The Last of Us: as diferenças entre ficção e realidade

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Produções de tem esse nome por um motivo. A palavra serve para afastar a obra da pura e, muitas vezes, permitir que ela burle algumas leis da física ou princípios biológicos sem ser questionada. Não existem capacitores de fluxo como em De Volta Para o Futuro (1985), mas você aceita que é por causa dele que a viagem no tempo é possível; assim como não existem írus que transformem as pessoas em , mas você não critica The Walking Dead (2010) pela falta de realismo.

Em , para PlayStation lançado pela desenvolvedora Naughty Dog em 2013, a história é um pouco diferente. Na trama, o mundo foi destruído por um bizarro, que infecta as pessoas e as transforma em hospedeiros agressivos e irracionais – de certa forma, semelhantes a . Você acompanha Joel e Ellie, um homem e uma garota que atravessam os Estados Unidos em meio a esse apocalipse. Podem até existir alguns desvios ficcionais, mas grande parte da narrativa tem embasamento científico.

O responsável por dizimar 60% do planeta na ficção é do gênero , um tipo de fungo que, na vida real, também controla suas vítimas – mas, felizmente, só atingem . Neil Druckmann, criador do jogo, teve a ideia para a ameaça fúngica enquanto assistia a um episódio do documentário de 2006, “Planeta Terra”, da BBC (exibido pelo Fantástico no Brasil). O trecho abaixo mostra o fungo agindo em uma formiga da espécie Paraponera clavata. 

A equipe de desenvolvimento do jogo buscou se inspirar na bizarrice real para criar seu fungo mortífero. A preocupação com a fidelidade foi tanta que eles chamaram o biólogo David Hughes, pesquisador especializado na relação do Cordyceps com formigas, para servir de consultor no processo criativo.

Agora, com a recente adaptação do primeiro para uma da HBO, a infecção pelo Cordyceps ficou mais famosa do que nunca: as pesquisas no Google relacionadas ao fungo e à série aumentaram drasticamente desde o primeiro episódio, no dia 15 de janeiro. Confira algumas das semelhanças e diferenças entre o Cordyceps da vida real e da .

Infecção

No jogo, as principais formas de infecção são pela inalação de esporos ou pela mordida de um infectado. Leva cerca de um a dois dias para que o fungo tome controle do .

Na série, os produtores acharam não incluir esporos; tanto por questões técnicas quanto criativas.

“No mundo que estamos criando, se colocarmos esporos no ar, ficaria bem claro que eles se espalhariam por toda parte e todos teriam que usar uma máscara o tempo todo e provavelmente todos estariam completamente infectados a essa altura. Então, nos desafiamos a criar uma nova forma interessante de propagação do fungo”, comenta Craig Mazin, co-criador da série.

Sendo assim, na adaptação, a principal forma de infecção é a mordida. Apesar de fungos não morderem, essa forma de contaminação também não é tão viajada: a esporotricose humana é um tipo de micose subcutânea que surge quando o fungo do gênero Sporothrix entra no organismo – geralmente através de pequenos cortes e arranhões de espinhos de plantas contaminadas. Não é a mesma coisa que uma dentada, mas é o mais perto de um rasgo na pele humana.

Na realidade, os esporos são indispensáveis. Ao atravessar uma área contaminada, os esporos exercem uma combinação de pressão mecânica e ação enzimática (de enzimas como a quitinase, lipase e protease) para atravessar o exoesqueleto do inseto. Cada tipo de Ophiocordyceps ataca e parasita um inseto em específico. 24 horas depois do contato, a já está infectada.

Quadro ilustrado comparando a infecção vista no jogo The Last Of Us e na realidade.
Leonardo Caparroz/Natalia Sayuri Lara/Superinteressante

Desenvolvimento

Dois dias após a infecção, o hospedeiro humano perde suas funções cerebrais superiores; entre elas, a capacidade de pensar, lembrar e raciocinar. Sem pensar e agir racionalmente, torna-se hiper agressivo. Dentro de duas semanas, a visão do hospedeiro começa a ser comprometida devido a corrupção do córtex visual – uma área do cérebro que processa a informação visual, localizado no lobo occipital.

Após um ano de infecção, o fungo já tomou controle completo do corpo hospedeiro e, desfigurando totalmente o seu rosto, o deixa completamente cego. Sendo assim, o hospedeiro desenvolve uma audição aguçada e forma primitiva de para compensar a falta de visão. Muito famosa em morcegos, a ecolocalização consiste em emitir um ruído e usar essas ondas sonoras para criar uma espécie de reconstrução do ambiente. As ondas batem nos objetos ao redor e voltam como ecos; se algo está longe, seu eco demora para voltar e se está perto, não. Infectados nesse estágio produzem um som característico, semelhante a um estalo – daí vem o seu apelido de “estaladores” – essa etapa da “doença” aparece no segundo episódio da série da HBO.

Se sobreviver por mais de uma década, o fungo se espalha pela superfície da pele e o hospedeiro desenvolve placas fúngicas endurecidas na maior parte do corpo. São extremamente fortes e pesados – porém, bem menos ágeis do que nos estágios anteriores.

Na uma formiga não dura muito tempo infectada. Diferente do jogo, o Cordyceps real não contamina o cérebro dos insetos, controlando apenas o corpo dela. Segundo uma pesquisa de 2017, as células do fungo estavam por toda a parte do corpo da , praticamente como se ele tomasse conta da carcaça dela. Contudo, elas não invadiram o cérebro.

“Normalmente, o comportamento em animais é controlado pelo cérebro enviando sinais para os músculos, mas nossos resultados sugerem que o parasita está controlando o comportamento do hospedeiro perifericamente”, afirma David Hughes, biólogo consultor do jogo e principal autor do estudo. “Quase como um ventríloquo puxa as cordas para fazer um de marionete, o fungo controla os músculos da formiga para manipular as pernas e mandíbulas do hospedeiro”.

Depois de dois dias, a deixa a colônia de forma desengonçada e sobe até um lugar em que a umidade e a temperatura sejam favoráveis para o crescimento do fungo – a uma altura de aproximadamente 26 cm acima do solo da floresta, em ambiente com 94 a 95% de umidade e temperaturas entre 20 e 30 °C.

No fim da escalada, a formiga infectada trava suas mandíbulas em uma com força suficiente para impedi-la de cair e prendê-la firmemente no lugar. Isso é resultado da atrofia dos músculos mandibulares da formiga causada pela secreção de compostos pelo fungo. Uma hipótese comum entre os pesquisadores é que as células fúngicas se infiltrem entre as fibras musculares e então secretem substâncias químicas que causem a atrofia muscular, fixando a mandíbula da formiga na folha. Esse comportamento é chamado em inglês de “death grip”, ou “aperto da morte”; e é isso que acontece, ela morre pendurada de cabeça para baixo, permitindo o crescimento adequado do corpo frutífero do fungo. 

Morte

Quando está perto do fim, um humano infectado, seja lá em qual estágio de desenvolvimento estiver, encontrará cantos escuros e úmidos para morrer. Por causa disso, as regiões com maior quantidade de esporos são os esgotos, túneis e casas abandonadas. O fungo também parece ter dificuldade para se espalhar em áreas abertas e campos. Embora isso signifique o fim para o hospedeiro, o fungo continua a crescer e se espalhar até estar pronto para liberar os próprios esporos.

Já as formigas morrem depois de algumas horas da sua mordida final. Mesmo assim, o fungo continua a crescer, invadindo tecidos, se alimentando do interior do defunto e fortalecendo estruturalmente o exoesqueleto da formiga. Micélios, vários ramos de hifas emaranhadas, brotam do inseto, prendendo ele à planta e secretando substâncias antimicrobianas para proteger o cadáver da decomposição. Quando o fungo está pronto para se reproduzir, seus corpos frutíferos crescem da cabeça da formiga; e quando estão maduros, eles se rompem, liberando os esporos. Formigas mortas costumam ser encontradas em “cemitérios” contendo altas densidades de outras vítimas do mesmo fungo que também tiveram a infelicidade de cruzar com os esporos do Cordyceps.

Fonte: abril

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