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Gaslighting: o sutíl e destrutivo abuso psicológico

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Gaslighting: imagine um relacionamento em que uma das partes envolvidas confessa à outra que durante uma conversa passada se sentiu magoado com determinados comentários. Porém, a resposta do segundo integrante é desconcertante: ele nega categoricamente ter dito qualquer coisa que tenha causado aquela dor, sugerindo até que a pessoa está inventando tudo.

Naquele momento, e de forma inesperada, um componente foi semeado na dinâmica do relacionamento: a semente da dúvida. Nesse jogo sutil de manipulação emocional, o gaslighting fez sua entrada. Após sua aparição, uma potencial vítima confusa questiona sua própria percepção da realidade. Analisamos em profundidade o que é gaslighting, como reconhecê-lo e o que fazer em tal situação.

O que é gaslighting?

De acordo com a Associação Psicológica Norte-Americana (APA), o gaslighting é uma estratégia manipulativa para fazer com que uma pessoa duvide de suas percepções, experiências ou compreensão dos eventos. É uma forma de abuso psicológico que se distingue de outros tipos de manipulação porque é mais difícil de distinguir.

É pertinente esclarecer a partir de agora o que não é gaslighting. Como alerta um trabalho recente publicado naFrontiers in Psychology, o é diferente dos seguintes fenômenos:

  • Ghosting (cessação da comunicação e contato com uma pessoa).
  • Bullying (uso de força, provocações ou ameaças de abusar, dominar ou intimidar um indivíduo).
  • Chantagem (pressão ou ameaça colocada sobre alguém para agir de determinada forma, quase sempre relacionada com a divulgação de informações pessoais).
  • Insultos (ofensas ou provocações com palavras ou ações com objetivo de irritar).
  • As divergências, as intimidações e as mentiras.

Ao contrário de tudo isso, o gaslighting é mais sutil. Claro, pode incluir elementos do acima exposto, mas sempre de forma quase imperceptível. Como consequência, quem recebe a manipulação assimila todas as acusações sem perceber que está brincando com a sua mente de forma maliciosa.

Embora muitos pensem que se trata de um termo acadêmico, na realidade seu uso é coloquial. Na verdade, os profissionais da psicologia e de outras ciências sociais evitam-no, em princípio, devido à sua ambiguidade.

Origem do gaslighting

O termo foi usado pela primeira vez em uma peça britânica de 1938 chamada Gas Light. Essa obra foi adaptada para um filme de 1944, tendo Ingrid Bergman e Charles Boyer como protagonistas. A versão cinematográfica é aquela utilizada como referência para a descrição e categorização do fenômeno.

A trama é muito simples: um homem aparentemente gentil usa mentiras e manipulação para isolar sua esposa e convencê-la de que está enlouquecendo para poder roubar sua riqueza recém-herdada.

Somente no início da década de 1950 o nome do filme passou a ser usado como verbo: gaslighting. A partir da década de 1960, passou a ser utilizado como alusão a um tipo de manipulação. Nos últimos anos ganhou relevância, principalmente nas redes sociais e na internet. Tanto que em 2018 a Oxford University Press a incluiu em sua lista das palavras mais populares daquele ano.

Características do gaslighting

Embora na prática o fenômeno seja muito variável, o gaslighting geralmente segue um padrão de três estágios:

  1. No início, a vítima confronta o manipulador.
  2. Então, ela começa a duvidar de suas próprias certezas.
  3. Por fim, adota a versão do agressor como verdade.

As características ou táticas que o gaslighting pode envolver são as seguintes:

Distrair com conversas

Na fase inicial, quando a vítima o confronta, o agressor opta por mudar de assunto ou redirecionar a conversa para outros temas. Ele faz isso para fugir de uma acusação, para minimizá-la ou para neutralizá-la.

Negação constante da realidade

O manipulador nega repetidamente os fatos ou ações da vítima. Assim, semeia nela a dúvida sobre a sua própria percepção da realidade.

Desvalorização de sentimentos e emoções

O gaslighter escolhe desprezar ou minimizar os sentimentos da vítima. Ele a faz sentir que suas preocupações e emoções são inúteis.

Convicção gradual

O agressor utiliza diversas estratégias, como perguntas ou frases gaslighting, cuja intenção é modificar a impressão que sua vítima tem dos acontecimentos. Ele faz isso gradualmente, sutilmente e com perspicácia. Como a manipulação é gradual, quem a recebe não percebe a rede que está sendo tecida ao seu redor.

Deturpação da realidade

Os manipuladores distorcem a verdade apresentando fatos fora do contexto ou interpretando mal os resultados. Isso leva a vítima a questionar sua própria memória e percepção. Para fazer isso, eles costumam usar mentiras descaradas.

Intimidação sutil

Embora raramente envolva violência física, o gaslighting é muitas vezes acompanhado de intimidação psicológica, dificultando a defesa da vítima.

Escondendo objetos ou simulando eventos

Em casos extremos, o agressor pode esconder objetos ou criar situações que façam com que a vítima duvide do que fez ou viveu. Através dessa tática, ele convence a pessoa de que é ele quem está certo.

De acordo com a American Sociological Review, essas tácticas se baseiam em estereótipos baseados no gênero e nas desigualdades estruturais e institucionais das vítimas. Mulheres, imigrantes, gays e outros correm maior risco de serem alvos.

7 consequências do gaslighting nas vítimas

O gaslighting é uma forma de violência psicológica que, segundo resenha da Uaricha Revista de Psicología, pode trazer uma série de consequências graves para a vítima. Compilamos os mais importantes:

1. Erosão da autoestima

O fato de o agressor fazer com que a vítima duvide das suas próprias percepções, fatos e ações traduz-se num impacto direto na autoestima. Afinal, parte disso se baseia na autoavaliação das próprias capacidades. Se isso for questionado, a autoestima também será.

2. Culpa e exaustão emocional

Ao duvidar constantemente de si mesma, a vítima pode começar a se culpar e sofrer um esgotamento emocional que perpetua o ciclo de violência psicológica.

3. Confusão mental

A vítima pode se sentir confusa e desorientada, o que pode levar a problemas na tomada de decisões e na capacidade de discernir a verdade.

4. Isolamento social

É comum que a pessoa que recebe a manipulação se isole dos outros. A vítima pode se sentir cada vez mais sozinha e vulnerável. Por mais paradoxal que possa parecer, ela encontra no seu agressor o apoio e conforto disponível.

5. Insegurança nos relacionamentos

Após uma experiência de gaslighting, a vítima pode ter dificuldade em se relacionar com outras pessoas e em estabelecer relacionamentos saudáveis. Em parte porque a sua percepção da realidade pode permanecer alterada; em parte porque teme ser alvo de episódios semelhantes.

6. Transtornos mentais

A manipulação constante e a sensação de estar preso a uma realidade distorcida podem desencadear transtornos mentais como ansiedade, depressão ou transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O trauma psicológico não é menor, embora as consequências dependam muito das características de cada manipulação recebida.

7. Impacto na vida diária

Por exemplo, no trabalho a pessoa pode ter dificuldades para se concentrar e ter um desempenho eficaz. Além de enfraquecer sua funcionalidade, vitalidade e bem-estar nas atividades do dia a dia.

É importante notar que todas as consequências variam dependendo da duração e intensidade do abuso. Reconhecer os sinais e buscar apoio profissional é fundamental.

Perfil dos envolvidos em gaslighting

Em geral, quem recorre a essa técnica não o faz próprio ato de manipular. Pelo contrário, o que a pessoa deseja é exercer poder e controle sobre alguém que considera inferior. No processo, procura a participação ou cooperação da vítima. Com isso, ela não sente que essa pessoa exerce controle.

Características do agressor

Como já foi dito, o termo não é utilizado em contextos acadêmicos porque dá origem a confusão. Apesar disso, alguns pesquisadores identificaram táticas de gaslighting dentro do modus operandi de certos transtornos.

Por exemplo, e segundo um trabalho publicado no Journal of Autoethnography, o procedimento está frequentemente inserido na coerção e manipulação realizadas por pessoas narcisistas.

No entanto, também tem sido associado a psicopatia, sociopatia, transtorno de personalidade limítrofe, transtorno de personalidade antissocial e assim por diante. Portanto, o perfil de quem pratica gaslighting pode ser ajustado da seguinte forma:

  • Insegurança: embora em público manifestem autoconfiança e arrogância, no fundo são indivíduos inseguros que manifestam um modo de ser distante do que realmente possuem.
  • Bondade aparente: tendem a se apresentar como pessoas cordiais e gentis. Essa torna difícil para a vítima detectar suas táticas manipulativas.
  • Fantasias de controle e poder: e não apenas ligadas ao sucesso de determinados objetivos de vida, mas também a fantasias que se materializam em relação aos que estão ao seu redor.
  • Sentimentos de superioridade: que podem ou não ser justificados. Em geral, tendem a subestimar seu real valor em relação às ações ou habilidades que possuem (sua beleza, sua importância, suas conquistas, etc.).
  • Empatia reduzida: tendem a não compreender as emoções e sentimentos dos outros e também carecem de inteligência emocional.
  • Alteração das ideias éticas e morais da sociedade: em relação ao aspecto anterior, muitos dos que realizam a manipulação do gaslighting têm uma ética e uma moral que não correspondem às da sociedade em que vivem. Ou seja, praticam suas próprias ideias sobre o assunto.

Claro, este é um perfil geral. Na prática, pode diferir do comportamento do manipulador. Não é incomum que exista um histórico de mentiras, enganos, fraudes ou outras coisas relacionadas às suas relações interpessoais (trabalho, família, amigos e sociedade em geral).

Características das vítimas

Existem características de personalidade que tornam uma pessoa mais suscetível ao gaslighting. Confira alguns:

  • Falta de afeto: isso ocorre porque essas pessoas tendem a idealizar o manipulador, interpretando suas ações como genuínas demonstrações de afeto.
  • Insegurança e baixa autoestima: como o componente central dessa manipulação é a dúvida, quem já tem certas dúvidas sobre si mesmo fica mais vulnerável a ela.
  • Necessidade de aprovação: essa vulnerabilidade emocional pode levar as vítimas a ceder a manipulações gaslighting, mesmo ao custo de questionar a sua própria percepção e realidade. Além disso, a baixa autoestima associada a essa necessidade pode contribuir para que as pessoas duvidem de si mesmas e aceitem as afirmações do manipulador como verdade.

Além de tudo isso, é possível que a pessoa em questão já tenha sofrido manipulações desse tipo no passado. Por exemplo, na dinâmica familiar. Assim, a tendência de coexistência com as táticas e estratégias acima mencionadas pode ser um hábito que pode ser rastreado até o lar.

Em que contextos aparece o gaslighting?

Seja consciente ou inconscientemente, essa técnica de manipulação aparece em diversos contextos. Deixamos três exemplos que ilustram muito bem por que é uma forma de abuso psicológico silencioso.

Em relacionamentos de casal

Dado o nível de intimidade e confiança, o gaslighting é comum nos relacionamentos. Com base nisso, um indivíduo prejudica a confiança e a percepção da realidade de seu parceiro. Frequentemente, usa deturpação de fatos e negação constante. Essa negação pode encobrir problemas como infidelidade ou violência éstica.

Nas relações parentais

Como já mencionamos, o gaslighting também ocorre nas relações parentais. Pode manifestar-se em áreas como o desempenho escolar, a identidade de gênero e o respeito pelas regras familiares. Seja como for, os pais que usam essa manipulação psicológica o fazem para invalidar emoções, duvidar do valor dos seus filhos ou tentar modificar as crenças dos seus filhos.

Em ambientes institucionais

Pode ser usado para ocultar informações ou recriminar trabalhadores e, além disso, para reduzir a opinião ou os direitos de quem usufrui de um serviço. Por exemplo, e de acordo com um estudo publicado na Social Science & Medicine, é um tipo comum de manipulação em obstetrícia negar a realidade das mães.

Paralelamente aos contextos anteriores, existe uma manifestação diferente desse abuso emocional: autogaslighting ou self gaslighting. Ocorre quando o autor é a própria pessoa, o que resulta numa dinâmica circular que deteriora o bem-estar. Muitas vezes isso acontece porque estamos tão acostumados a lidar com o fenômeno que assimilamos inconscientemente suas estratégias.

O que você pode fazer em relação ao gaslighting?

Para combater o gaslighting, a primeira coisa que você precisa fazer é identificar que alguém está impondo esse abuso e manipulação psicológica a você. Os sinais que indicamos até agora servirão de referência, assim como este guia para saber se você é vítima de gaslighting. Dito isso, confira algumas ideias para agir em relação a esse fenômeno:

  • Confie na sua intuição: se algo parecer estranho, não ignore. Ouça sua voz interior.
  • Mantenha limites firmes: não deixe o suposto manipulador ultrapassar seus limites. Expresse-se claramente se sentir que ele está fazendo isso.
  • Converse com familiares e amigos: converse com as pessoas sobre os acontecimentos e conversas em que fizeram você sentir que enlouqueceu. Ouça o que eles têm a dizer e valorize seus conselhos e recomendações.
  • Colete evidências: isso pode parecer estranho, mas tudo isso o ajudará a provar que está sendo manipulado. Fotos, capturas de tela de conversas, datas, gravações e muito mais lhe darão uma indicação objetiva de que as coisas aconteceram como você realmente pensa.
  • Concentre-se no seu autocuidado: o esgotamento psicológico pode causar sintomas de ansiedade, depressão e estresse crônico. Crie um espaço na sua agenda para cuidar do seu bem-estar: faça exercícios, saia com os amigos, escreva um diário emocional, pratique ioga e meditação e tudo que alivie sua mente.
  • Consulta com profissional: a consulta com psicólogo pode trazer benefícios incalculáveis durante e após a manipulação. Portanto, não feche a porta para essa opção.

Afastar-se de pessoas manipuladoras é essencial para recuperar a perspectiva e curar. Em muitos casos, é a única opção possível para sair do ciclo vicioso do abuso. Portanto, considere dar um passo atrás e passar algum tempo longe da pessoa se o comportamento dela continuar a prejudicar sua saúde física e emocional.

Fonte: amenteemaravilhosa

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