Cenário global de incertezas e riscos para o agronegócio
A recente decisão dos Estados Unidos de aplicar tarifas recíprocas a seus parceiros comerciais reacendeu incertezas no cenário econômico global. Anunciadas no início de março e efetivadas no início de abril de 2025, essas medidas provocaram instabilidade nos mercados, intensificaram temores de recessão mundial e impactaram negativamente os preços de diversos ativos.
Nas duas primeiras semanas de abril, as preocupações com uma desaceleração econômica global ganharam força, especialmente para o setor agroexportador. Commodities como café, suco de laranja e algodão são as mais suscetíveis à retração da demanda em cenários de crise. Embora os EUA tenham anunciado um adiamento das tarifas por 90 dias, o risco de impacto sobre o comércio internacional permanece.
Oportunidades comerciais para o Brasil
Apesar do ambiente volátil, um cenário intermediário — com tarifas moderadas e sem recessão — abre possibilidades para o Brasil ampliar sua presença em mercados internacionais. Produtos agrícolas brasileiros podem ganhar competitividade frente aos concorrentes norte-americanos, especialmente em países como México, Canadá, China, Coreia do Sul e na União Europeia.
O Brasil já exporta uma gama relevante de produtos para os EUA, com destaque para café verde, celulose, suco de laranja e carne bovina. O país também é fornecedor importante de madeira, carne bovina industrializada e sebo.
Desempenho por produto: impactos e oportunidades
Café
Com os EUA sendo o maior consumidor mundial da bebida, o café brasileiro mantém competitividade, especialmente frente aos concorrentes asiáticos que foram mais penalizados pelas novas tarifas. Enquanto países como Vietnã, Indonésia e Índia enfrentam taxas de até 46%, o Brasil, Colômbia e Honduras foram taxados em 10%.
Em 2024, os EUA importaram 24,6 milhões de sacas de café verde, sendo 31% de origem brasileira. A substituição do arábica brasileiro seria difícil devido ao seu volume e qualidade. Mesmo com a expectativa de uma safra brasileira um pouco menor em 2025/26, o país deve seguir como principal fornecedor, em especial pela vantagem tarifária frente ao robusta asiático.
Suco de laranja
A aplicação de uma tarifa de 10%, somada à taxa atual de US$ 415 por tonelada, tende a tornar o suco brasileiro menos competitivo nos EUA, que hoje respondem por 35% das exportações brasileiras do produto. A elevação de preços ao consumidor pode acelerar a tendência de queda no consumo global.
Nesse cenário, o Brasil pode redirecionar parte de sua produção para a União Europeia (que já absorve 51% dos embarques, somando Bélgica e Holanda) e mercados menores, como China e Japão. Apesar da vantagem mexicana — que pode manter isenção tarifária —, é improvável que o país consiga substituir integralmente o volume brasileiro, que representou 70% das importações americanas em 2024.
Proteínas animais
O Brasil vê oportunidade de ampliar sua fatia de mercado em países que tradicionalmente importam grandes volumes de carne dos EUA. Em carne bovina, o Brasil ainda é praticamente ausente no Japão e Coreia do Sul. Em carne suína, possui participação modesta no México, Canadá e Colômbia. Em carne de frango, mercados como Vietnã, Cuba, Guatemala e Taiwan ainda oferecem espaço para expansão.
A estimativa do USDA é de que a produção de carne bovina dos EUA sofra retração de 1,1% em 2025, o que pode forçar o país a manter importações para evitar pressão sobre os preços domésticos. Com concorrentes como Austrália e Argentina também sendo taxados em 10%, o Brasil segue competitivo na carne bovina.
Soja
A soja brasileira já vem se beneficiando de prêmios de exportação mais elevados. Com o aumento das tensões entre EUA e China, e a imposição de tarifas de até 145% sobre o grão americano, o Brasil tende a reforçar ainda mais sua posição no mercado chinês.
Mesmo com a postergação de tarifas generalizadas por 90 dias, o endurecimento das relações entre as duas potências cria um ambiente favorável à soja brasileira, especialmente na entressafra norte-americana, quando o Brasil assume protagonismo nos embarques.
Algodão
Seguindo lógica semelhante à da soja, o algodão brasileiro pode ganhar espaço na China. Embora a demanda chinesa deva ser menor em 2025, por conta da safra doméstica elevada e estoques maiores, os EUA ainda são um dos principais fornecedores — com 760 mil toneladas embarcadas à China no último ano.
O Brasil, que caminha para mais uma safra recorde graças ao aumento da área plantada, surge como principal alternativa ao produto americano, reforçando sua presença no mercado chinês.
Acordo EUA-China pode mudar o cenário
Apesar do ambiente aparentemente favorável ao Brasil, uma possível reaproximação entre EUA e China pode neutralizar esses ganhos. Um eventual acordo comercial — como o firmado na chamada “fase um” em 2020 — poderia derrubar tarifas e elevar novamente as compras chinesas de produtos americanos, especialmente soja, em função do calendário de safra distinto entre os dois países.
No entanto, a imprevisibilidade dos desdobramentos atuais e a velocidade com que as tarifas estão sendo implementadas dificultam qualquer projeção concreta. No passado, a China não cumpriu integralmente os compromissos assumidos com os EUA, o que reforça a necessidade de cautela.
Conclusão: riscos e oportunidades para o Brasil
Para o agronegócio brasileiro, os desdobramentos do “tarifaço” americano, até meados de abril de 2025, são majoritariamente positivos. O país pode ampliar sua participação no comércio global, sobretudo em commodities agropecuárias. Contudo, esse cenário otimista depende da não intensificação das tensões geopolíticas e da manutenção das tarifas que favorecem os produtos brasileiros.
Os termos de um eventual acordo entre EUA e China, bem como a evolução das relações comerciais entre esses países e a União Europeia, serão decisivos para o futuro das exportações do agronegócio nacional. A atenção do setor segue voltada para os próximos passos na arena internacional.
Fonte: portaldoagronegocio