Cenário Agro

Safra recorde revela desafios de armazenagem e impacta mercado de grãos

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Produção cresce mais rápido que a infraestrutura e transforma a base no principal fator de volatilidade dos preços

A produção brasileira de grãos segue em forte expansão e já ultrapassa 320 milhões de toneladas, com expectativa de um novo recorde no ciclo 2025/26. Esse avanço, no entanto, não tem sido acompanhado pela ampliação da infraestrutura de armazenagem, criando um descompasso que influencia diretamente o mercado físico e a formação dos preços no país.

Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que a capacidade estática de armazenagem no Brasil varia entre 200 e 230 milhões de toneladas, volume suficiente para estocar cerca de dois terços da produção anual. Na prática, esse déficit se torna mais evidente durante os períodos de pico da colheita, quando grandes volumes entram simultaneamente no sistema logístico.

Para a analista de inteligência e estratégia da Biond Agro, Yedda Monteiro, a armazenagem vai além de uma questão estrutural. “A armazenagem não é apenas infraestrutura física. Ela representa tempo de decisão, e tempo é o ativo mais valioso no mercado de grãos. Quando a oferta entra de forma concentrada no sistema, quem não consegue esperar acaba vendendo sob pressão”, afirma.

Gargalo regional e sazonal pressiona o produtor

Apesar de os números nacionais sugerirem relativa suficiência, a realidade operacional no campo é diferente. A produção brasileira se concentra em janelas curtas, especialmente entre março e junho, quando a colheita da soja se sobrepõe ao avanço do milho segunda safra. Nesse intervalo, armazéns já ocupados, gargalos logísticos e limitações operacionais reduzem drasticamente a capacidade efetivamente disponível.

“O déficit de armazenagem não aparece como ausência total de espaço, mas como incapacidade funcional de absorver volumes no momento crítico. É justamente nesse período que o mercado físico ajusta preços de forma mais agressiva”, explica a analista.

Em regiões altamente produtivas, como Mato Grosso, a relação entre produção e capacidade de armazenagem pode cair para cerca de 60% ou menos no pico da colheita. Além disso, cerca de 83% da armazenagem brasileira está fora das propriedades rurais, concentrada em cooperativas, tradings e grandes operadores, criando uma assimetria estrutural de poder na cadeia.

Diferencial de base vira termômetro real do mercado

Enquanto a Bolsa de Chicago reflete expectativas globais, política monetária e fluxo financeiro, é o diferencial de base — conhecido como basis — que traduz a realidade do mercado físico brasileiro. Volume disponível, logística, necessidade de caixa e capacidade de armazenagem se refletem diretamente no preço pago ao produtor.

“No Brasil, é o basis que mostra onde o mercado realmente acontece. Em momentos de excesso de oferta, a deterioração da base funciona como um mecanismo de ajuste, forçando a saída de volume”, observa Yedda Monteiro.

Durante o pico da colheita, essa deterioração pode superar facilmente entre R$ 15 e R$ 25 por saca. Em comparação, o custo médio de armazenagem gira entre R$ 2,50 e R$ 4,00 por saca ao mês, evidenciando que a venda forçada transfere margem ao longo da cadeia e penaliza o produtor que não possui estrutura própria.

“A armazenagem não cria preço, mas define quem consegue esperar. Quem tem estrutura transforma um custo fixo em preservação de margem; quem não tem, paga esse custo todos os anos, mesmo sem perceber”, completa.

Armazenagem vira ativo estratégico em cenário de crédito caro

Com juros elevados e maior seletividade no crédito rural, a capacidade de armazenagem passa a ter também um papel financeiro estratégico. Ao reduzir a necessidade de vendas imediatas para geração de caixa, o produtor ganha flexibilidade para planejar a comercialização ao longo do ano.

Essa estratégia permite combinar vendas físicas, travas financeiras e operações de hedge, reduzindo a exposição a oscilações bruscas do mercado.

“A armazenagem não elimina os riscos do mercado, mas reduz sua intensidade e torna os resultados menos sensíveis a choques pontuais”, conclui a analista.

Em um cenário no qual a produção cresce mais rápido do que a infraestrutura disponível, a armazenagem deixa de ser apenas um suporte operacional e passa a ocupar posição central no gerenciamento de risco. Quem controla o tempo da venda tende a capturar melhores preços e preservar margem, mesmo em ambientes de maior volatilidade.

Fonte: cenariomt

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