Em mais um episódio do noticiário de tecnologia saído diretamente de um filme de ficção científica, um grupo de pesquisadores usou um pequeno bolo de neurônios humanos cultivados em laboratório (o que se chama informalmente de “minicérebro”) para auxiliar o processamento de um computador que estava rodando uma inteligência artificial. E deu certo.
Essa façanha cyberpunk, relatada no periódico especializado Nature Electronics, é fruto do trabalho de pesquisadores de três universidades americanas: a Universidade de Indiana, a Universidade de Cincinnati e a Universidade da Flórida.
O que são os minicerebros
Aglomerados de neurônios criados em laboratório não são exatamente algo novo – pesquisas com esse modelos são realizadas desde 2013. Chamadas corretamente de organoides cerebrais, essas traquitanas são bons atalhos para compreender o cérebro humano, porque é possível submetê-las a todo tipo de experimento sem as restrições éticas de abrir a cabeça de alguém.
Os organoides são criados utilizando células-tronco, aquelas presentes nos momentos iniciais de formação do embrião, que tem a capacidade de se diferenciar em qualquer tipo de célula. Os cientistas pegam células adultas e as revertem até o ponto de se tornarem células-tronco novamente. Depois, eles expõem essas células a proteínas que servem de gatilho bioquímico para que elas se transformem em células cerebrais.
É claro que os minicérebros não possuem a mesma capacidade de processamento que os cérebros naturais. Afinal, eles têm uma fração de seu tamanho: meio centímetro, aproximadamente. Qualquer estrutura maior precisaria de um sistema de irrigação sanguínea para se nutrir. Mas tudo bem: à medida que vão crescendo no laboratório, esses organoides vão desenvolvendo algumas características e funções similares a de um cérebro humano. O que já é de arrepiar.
Como a pesquisa foi feita
Existe um jeito de rodar uma inteligência artificial em um computador, a computação de reservatório, que depende de algo chamado rede neural para servir como o tal reservatório de informação. Muitos outros frameworks de inteligência artificial também usam redes neurais – que são softwares desenhos para processar informação de maneira inspirada no cérebro humano.
A sacada do estudo foi pular a parte do “inspirado” e usar um cérebro humano de verdade.
Utilizando eletrodos – parecidos com aqueles que são aderidos às nossas cabeças em um eletroencefalograma –, os minicérebros foram conectados ao computador. Cérebros são máquinas eletroquímicas; a duração e a localização dos pulsos elétricos que os alcançam são interpretados como informação pelos neurônios.
“Basicamente, podemos codificar a informação — algo como uma imagem ou informação de áudio — no padrão temporal-espacial da estimulação elétrica”, disse à Live Science, Feng Guo, um dos autores do estudo e professor associado de engenharia de sistemas inteligentes na Universidade de Indiana.
Para testar o funcionamento dessa simbiose tecnológica, eles testaram a capacidade do software de resolver uma equação matemática e a de reconhecer um idioma. Os resultados mostraram que os modelos tradicionais de aprendizagem de máquina ainda levam vantagem na questão de resolução de problemas matemáticos. Mas o experimento ciborgue obteve uma precisão de até 78% no teste de reconhecer sons e vogais do japonês.
Apesar de ser um pequeno passo (e é bom mesmo ir com calma, porque as implicações éticas desse estudo são imensas), a criação de biocomputadores como esse tem o potencial de revolucionar os estudos relacionados ao funcionamento do cérebro humano, bem como o tratamento de doenças como o Alzheimer. Máquinas híbridas podem representar também uma vantagem no campo energético, já que o nosso cérebro consome muito menos calorias do que os servidores do Vale do Silício.
Fonte: abril