Sophia @princesinhamt
Economia

Os magnatas da energia: líderes do setor elétrico que são verdadeiros Midas

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O último capítulo da batalha da Âmbar Energia contra os diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) — apelidada pelos especialistas de mercado de drama Aneelflix — pode parecer um anticlímax. Conforme já se tornou comum no Brasil, o que deveria ser uma decisão técnica foi judicializada. Assim, Sandoval Feitosa, o do órgão, não teve outra alternativa a não ser aprovar a transferência da concessionária sub judice no dia 7 de outubro. O mais interessante dessa história não está nesse final, mas, sim, em seu início sui generis. O que transformou em lucro um negócio falido.

A saga começou em junho de 2024, quando a J&F Investimentos, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, concordou em pagar R$ 4,7 bilhões pelas térmicas da Eletrobras que geram a eletricidade distribuída pela Amazonas Energia, uma distribuidora em situação financeira precária. A J&F Investimentos foi ainda mais ousada. Manifestou também à Aneel o desejo de assumir a concessão da empresa praticamente quebrada. Ninguém do mercado elétrico entendeu, na ocasião, a lógica de um negócio como aquele.

Não entenderam por pouco tempo. Dias depois da aquisição, o governo federal publicou uma (MP) que incluía essas térmicas no de energia de reserva, aquelas usinas mantidas para entrar em operação caso a demanda por megawatts seja maior do que a oferta regular das hidrelétricas, eólicas e fotovoltaicas. Na prática, isso anula a maior linha de custo da Amazonas Energia e repassa a conta para os consumidores de todo o Brasil. Em outras , a J&F Investimentos teria a garantia de pagamento da eletricidade produzida por suas usinas recém-adquiridas.

Segundo o mercado, dois grupos empresariais não gostaram nada da situação. O BTG Pactual, que controla a Eneva, bem como a Termogás, do empresário Carlos Suarez, um dos maiores investidores de gás do país. Afinal, ambos teriam certamente olhado as térmicas da Eletrobras com outros olhos se soubessem da MP favorável que estava a caminho por parte do governo. A verdade é que o maior negócio era a concessão da Amazonas Energia. Só que, nesse ponto, tal qual na poesia, os irmãos Batista toparam com uma pedra no meio do caminho.

O nome dessa pedra era Aneel. A agência não chegava a um consenso entre seus diretores sobre apoiar ou não o negócio. O problema é que o órgão precisava aprovar a transação até 10 de outubro, data em que expiraria a MP que permitia a transferência de controle. No centro da questão, estava o chamado custo de flexibilização, ou seja, quanto a Amazonas Energia poderia repassar de perdas para a tarifa do consumidor brasileiro. A Âmbar dizia que precisava repassar R$ 15,8 bilhões nos próximos 15 anos.

Na primeira votação da Aneel, houve um empate. Os diretores Ricardo Tili, que era relator do processo, e Fernando Mosna votaram para negar a transferência nos termos propostos pela J&F e aprovar apenas com um valor de R$ 8 bilhões. Já os diretores Sandoval Feitosa e Agnes Costa votaram por aprovar a transferência com flexibilizações de R$ 14 bilhões. A Âmbar acatou essa segunda proposta e fez uma nova oferta com esse montante.

Em 25 de setembro, quando ainda prevalecia o impasse, a Justiça fez algo até então inusitado no setor elétrico brasileiro. Intimou a Aneel e deu 48 horas para a agência concluir a transferência da Amazonas Energia para a Âmbar. A ordem exigia que a transferência fosse feita nos termos em que os compradores propuseram, sem margem para um julgamento técnico. No dia seguinte, a Aneel recorreu da liminar, com o argumento repisado — e ultimamente pouco acatado — de que a decisão contrariava a separação de Poderes.

Segundo a análise técnica feita pela Aneel, o plano de transferência feito pela J&F mostrava uma série de questões. Uma delas, por exemplo, seria que as trajetórias de flexibilização formuladas para perdas não-técnicas, custos operacionais e receitas irrecuperáveis não seriam as mais adequadas. Em 27 de setembro, a Amazonas Energia ajuizou uma ação pedindo que Sandoval Feitosa aprovasse a transferência de controle, por meio de um voto de desempate. A companhia exigiu ainda que, caso o diretor não cumprisse a nova ordem, os agentes envolvidos fossem afastados e presos. Outro pedido: que o Ministério de Minas e Energia instaurasse um interventor na Aneel para cumprir as determinações.

Na sequência, ocorre um fato também inusitado naquele processo. O Feitosa decidiu acompanhar o entendimento do relator Ricardo Tili. Ou seja, de que as flexibilizações tinham de ser limitadas a R$ 8 bilhões. Pela primeira vez, formou-se uma maioria no processo. A decisão, naturalmente, não agradou à Âmbar. A empresa ameaçou desistir de assumir a concessão. Isso deixaria o governo com um grande problema: a necessidade de intervenção na Amazonas Energia. Nesse caso, a conta não ficaria exclusivamente com os consumidores de energia e, sim, com o contribuinte, dado que o Tesouro teria de aportar recursos na empresa. Isso explica a razão do Alexandre Silveira, da pasta das Minas e Energia, ter pegado mais pesado: disse que a Aneel trabalhava contra o país.

Deixar de assumir a concessão da distribuidora amazonense também seria uma bomba para os irmãos Batista. A J&F correria um grande risco financeiro. O processo sobre a compra das térmicas — que as transforma em “energia de reserva”, fazendo o consumidor brasileiro pagar por esses megawatts — também está empatado em 2 a 2 na Aneel. Se a Âmbar perder essa parada, as térmicas que já foram da Eletrobras se tornam um pesadelo contábil. Afinal, os irmãos Batista teriam nas mãos um negócio cujo cliente — a Amazonas Energia — simplesmente não teria como pagar a conta. A verdade é que os irmãos Batista provaram mais uma vez que são os reis Midas do setor elétrico brasileiro. Com a concessão assumida da Amazonas Energia e uma garantia de faturamento inicial de R$ 15,8 bilhões nos próximos 15 anos, o negócio fracassado já se tornou um sucesso financeiro graças à decisão imposta pela Justiça. Se as térmicas também tiverem garantia de receita do governo, o acordo poderia até ser chamado de um “negócio da China”. Não fosse uma realização estritamente brasileira nos termos que Celso Furtado cunhou na história econômica do país: a privatização dos lucros e a socialização das perdas.

Fonte: revistaoeste

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