Recentemente publiquei um texto (bit.ly/3wv5DiQ) que remetia a diversas restrições que estão sendo apostas pela União Europeia, para importações de outros países. Uma delas é a EUDR (Deforestation-free Regulation), que veda o acesso ao mercado europeu de produtos agrícolas, se forem obtidos em áreas desmatadas. No caso do Brasil, a regra se aplica mesmo que o desmatamento seja legal, de acordo com o nosso Código Florestal.
No texto referido acima pontuei: “Para atender a nova legislação, o crescimento da produção agrícola brasileira deverá ocorrer com o agricultor valendo-se de aumentos sustentáveis de produtividade, utilização da mesma área para duas ou três safras, reincorporação de áreas degradadas, aproveitamento de áreas liberadas de pastagens, integração lavoura-pecuária, entre outros meios que não impliquem em desmatamento.”
Alternativas
Vamos abordar essa temática em pormenores. Iniciemos pelas mais fáceis. Devido às melhorias dos índices zootécnicos e, também, da qualidade nutricional das pastagens, tem sido requerida menos área para o mesmo rebanho. De acordo com os Censos Agropecuários (IBGE), a área de pastagens no Brasil reduziu de 177,93 Mha (1996) para 149,67 Mha (2017). Corolário: não há necessidade de desmatamento, para abrir novas áreas de pastagens. E, as áreas liberadas podem ser convertidas de imediato, para lavouras, sem necessidade de desmatamento.
A integração lavoura-pecuária-floresta permite o uso do solo para diversas finalidades, durante o mesmo ano agrícola. De acordo com a Rede ILPF (redeilpf.org.br/) “…pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades. Essa forma de sistema integrado busca otimizar o uso da terra, elevando os patamares de produtividade, diversificando a produção e gerando produtos de qualidade. Com isso reduz a pressão para a abertura de novas áreas.” Ou seja, o uso do ILPF permite obter “área adicional” sem necessidade de desmatamento.
Na mesma linha, o uso de dois ou mais cultivos, na mesma área e na mesma safra (podendo ser dois cultivos sequenciais e uma pastagem), implica em não necessidade de abertura de novas áreas para os cultivos de segunda safra, normalmente milho e algodão, bem como permitindo área adicional para pastoreio após a colheita da segunda safra.
Produtividade
Tomemos a soja como exemplo, o que pode ser expandido para outros cultivos com a mesma lógica. O CESB (Comitê Estratégico Soja Brasil – cesbrasil.org.br) conduz, anualmente, o Desafio de Máxima Produtividade de Soja, que lhe permitiu construir a mais completa base de dados sobre produtividade de soja no Brasil, elaborada ao longo dos últimos 15 anos. O atual recorde de produtividade foi obtido na safra 2016/2017, com quase 9.000 kg/ha, enquanto, na mesma safra, a produtividade média do Brasil foi de 3.240 kg/ha, de acordo com a Conab. Naquela safra, a média dos dez produtores com mais alta produtividade no Desafio foi superior a 6.000 kg/ha.
As regras para participar do Desafio do CESB vão além de um sistema de produção composto de tecnologias que permitam alcançar elevada produtividade. Em linha com as exigências da EUDR, as regras do Desafio do CESB exigem que a produtividade seja obtida em condições sustentáveis, com rentabilidade para o produtor, em obediência às legislações trabalhista e ambiental e em respeito às regras de boa governança, ao abrigo dos conceitos de ESG.
Para tanto, o CESB criou um índice de ecoeficiência que leva em consideração os seguintes parâmetros: baixas emissões, menor uso de água, menor eutrofização da água marinha ou fluvial, baixa acidificação, menor demanda por recursos renováveis, menor geração de ozônio fotoquímico, baixa toxicidade para os seres humanos, menor impacto na biodiversidade e menor uso da terra.
Não vemos como factível que a média de produtividade de soja no Brasil alcance o recorde obtido no Desafio do CESB, mesmo no médio prazo. Mas entendemos como razoável que, ao final da presente década, possamos superar a média de 4.200 kg/ha, caso seja mantida a média geométrica de incremento de produtividade dos últimos 33 anos (2,2 %/ano). Apenas esse incremento de produtividade equivale a um aumento de 16% da produção de soja, reduzindo a pressão por expansão de área.
Aproveitamento de áreas degradadas
Estudo coordenado pelo Dr. Edson Luiz Bolfe, da Embrapa Agricultura Digital, demonstrou a existência de, aproximadamente, 17,5 Mha de pastagens com grau de degradação intermediário e 10,5 Mha com degradação severa, ambas com potencial de aproveitamento para cultivo agrícola (bit.ly/3I3fn66). Importante referir que o plano ABC+ (bit.ly/3OQTVFj) prevê a reincorporação à agricultura de 30 Mha de pastagens degradadas, evitando 113,7 Mt de emissões de CO2 equivalente.
Para chegar às conclusões, os autores do estudo excluíram da análise as terras indígenas, unidades de conservação, assentamentos rurais e comunidades quilombolas e também aquelas áreas indicadas pelo Ministério do Meio Ambiente como de alta prioridade para conservação da biodiversidade. Os autores também consideraram como critérios, para seleção das áreas, o acesso à infraestrutura rural e a aptidão climática (Zoneamento Agrícola de Risco Climático – ZARC).
Assim, os resultados do ZARC (bit.ly/48nqstq) indicaram os cultivos e sistemas de produção adequados, além do que foi avaliada a infraestrutura já existente, como capacidade de estocagem e a existência de rodovias estaduais e federais num raio de 20 km até 100 km. Assim procedendo, os autores concluíram que 89 % das áreas de pastagem degradada consideradas situam-se a uma distância de até 20 km de rodovias, ao tempo em que 54% delas localizam-se a 20 km ou menos de armazéns.
Pela digressão acima, permitimo-nos concluir este texto com a mesma frase utilizada naquele que analisou a EUDR e outras regras e normas da União Europeia, que afetam o comércio agrícola internacional: “O agricultor brasileiro tem plenas condições de atender essa normativa, apesar de ela desconsiderar a nossa severa legislação florestal, vez que mesmo o desmatamento legal (pela lei brasileira) será ilegal perante a legislação europeia. Lembrando sempre que o Brasil preserva mais de 60% das suas matas nativas – mas isso não tem qualquer importância perante a normativa.”
Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro-agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica
Fonte: portaldoagronegocio