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Política

A desorganização institucional do STF gera consequências trágicas: a trágica morte de Clezão

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(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 22 de novembro de 2023)

A morte de Cleriston Pereira da Cunha, um dos presos nos tumultos do dia 8 de janeiro em Brasília, é o sinal mais alarmante da situação de desordem que o STF criou no país com sua decisão de tornar-se um braço da Justiça Penal, delegacia de polícia e guarda penitenciária, tudo ao mesmo tempo.

Cleriston estava preso havia quase 11 meses no Presídio da Papuda, sem julgamento, por força de uma prisão preventiva que nunca foi encerrada. Precisava de cuidados médicos urgentes, com internação em hospital, pelo menos desde o fim de fevereiro; uma médica de Brasília, em laudo oficial, informou à autoridade, no dia 27 daquele mês, que o preso corria “risco de morte” se continuasse na prisão. Seu advogado, com base nesse atestado, pediu que fosse liberado para fazer tratamento urgente de saúde. O próprio Ministério Público, enfim, pediu no dia 1º de setembro a soltura de Cleriston, alarmado com a deterioração do seu estado de saúde.

O relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes, ignorou o laudo, o pedido da defesa e a solicitação do MP. Na última segunda-feira, aos 45 anos de idade e com duas filhas, Cleriston morreu no pátio da Papuda.

Existe algo profundamente errado numa sociedade quando um cidadão morre num cárcere da Suprema Corte de Justiça. Ela não poderia ter cárcere nenhum, nem estar envolvida, nunca, num episódio como esse. Mas o STF se tornou responsável pela gestão do Código Penal, comanda o processo de cidadãos que legalmente não pode processar e decide se um preso tem ou não tem problemas de saúde — ou se deve ou não ir para o hospital. Fica também responsável, aí, pela sobrevivência física dos seus presos, como se fosse uma diretoria de presídio.

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As digitais do STF na morte de Clezão

Como poderia ser diferente? A única pessoa no mundo que pode tomar qualquer decisão sobre os mais de mil réus do quebra-quebra de janeiro, transformado pelo STF em “tentativa de golpe de Estado”, é o ministro Alexandre de Moraes — nem o papa Francisco pode fazer alguma coisa a respeito. O resultado obrigatório de uma situação dessas é que a culpa por tudo o que acontecer de errado com qualquer pessoa sob a sua custódia vai ser unicamente do STF, sempre. É uma aberração — a mais chocante que o Poder Judiciário já impôs ao Brasil.

A tentativa de defesa do STF neste caso é mais um rompimento flagrante com o raciocínio lógico — algo que se tornou comum, aliás, no julgamento das perturbações que o Supremo vem causando há anos na ordem do país. Os argumentos, basicamente, se resumem a sustentar que a culpa pela morte de Cleriston é do próprio Cleriston. Ao participar dos “atos golpistas” — coisa jamais demonstrada, pois ele nunca chegou a ser julgado — a vítima “assumiu os riscos” de morrer na prisão.

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Como assim? Cleriston não morreu por ter sido acusado de tomar parte na baderna de Brasília, ou porque foi preso. Morreu porque o STF não deixou que ele saísse da cadeia para fazer tratamento médico indispensável. Também não estava pedindo privilégio nenhum: bicicleta ergométrica privada, menu especial, home theater na cela, nada disso. Só queria ir para o hospital, com base num laudo médico oficial — o que era seu direito e obrigação dos carcereiros. Alexandre de Moraes não deu permissão; ninguém mais poderia ter dado, no mecanismo de demência criado no Brasil de hoje pelo STF.

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A sociedade brasileira está tomada por uma doença séria – a convicção de que os “bolsonaristas” não são seres humanos, ou cidadãos como os demais, e, portanto, não devem ter direitos civis. Ninguém diz que é assim, mas é exatamente assim que muita gente pensa, e é com essas crenças que age. A própria palavra foi transformada num insulto. No caso de Cleriston, o procedimento-padrão foi dizer: “Morreu um bolsonarista”. Não morreu um cidadão brasileiro a quem o STF estava obrigado a prestar atendimento médico de emergência. Foi só mais um “bolsonarista”, ou “fascista”, ou “golpista”. Aí vale tudo, e nada está errado. Um país que aceita como normal esse tipo de deformação está, de fato, precisando de tratamento urgente.

Fonte: revistaoeste

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