O envio de lotes para o abate em frigoríficos se mostra como a melhor opção para o pequeno produtor se organizar e não cair na malha de uma cadeia informal. A opção de terminação de cordeiros em confinamento se mostra eficaz nesta organização, como propõe o médico veterinário Daniel Barros. E como o ciclo é curto, ele garante que os alimentos introduzidos não alteram o sabor da carne.
Com um mercado ainda pequeno, mas com grande potencial de expansão, a carne ovina precisa quebrar a barreira do consumidor para crescer frente a outros mercados como o de suínos, aves e até bovinos. Contudo, ainda há muita discrepância entre o consumo de ovinos no Brasil, com regiões onde até mesmo o preço do cordeiro vivo é diferenciado, enquanto outras, como no Rio Grande do Sul, o valor é baixo.
Em janeiro, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), apresentou um boletim conjuntural com base em dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) que estimava a continuação do consumo reduzido da carne ovina em comparação com o restante do mundo: a média global é de 1,78 kg/per capita, e no Brasil, meio quilo por ano.
O presidente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco) Edemundo Gressler, afirma que o mercado é promissor e cheio de oportunidades, tanto para o produtor quanto para a indústria e o varejo. “Estes elos já conversam melhor e buscam suprir suas demandas de mercado e abastecimento”, detalha. O grande desafio, segundo o gestor, está no consumidor, em uma cultura que se mantém devido a crenças do passado daqueles que eram encontrados nos antigos açougues, uma ovelha praticamente de descarte, mais velha e com um sabor final com uma gordura muito marcante. “Precisamos desmistificar o que se sabia sobre a carne ovina, porque hoje ela é muito diferente da carne que era servida uma década atrás”, destaca. Gressler ressalta que a carne ovina produzida no Brasil, hoje, é de excelente qualidade, sabor e maciez inigualáveis e que pode ser servida em qualquer dia da semana e estar presente na mesa das famílias. “Ouso dizer que o consumidor é a peça chave dessa relação e aumentar o consumo da carne ovina com ações e estratégias que aproximem as pessoas dessa proteína de altíssimo teor nutritivo”, conclui.
Há sete anos no mercado e com a marca de 48 mil animais abatidos em 2022, o frigorífico gaúcho Carneiro Sul, de Sapiranga (RS), faz parte de um movimento de transformação da cadeia. O diretor comercial João Bernardo da Silva Filho concorda com o presidente da Arco sobre a presença diária da carne ovina na mesa do brasileiro. Para ele, o cordeiro tem um potencial de ter produtos com valores agregados bem distintos que possam ir da classe A à classe D. “Temos um produto com valor agregado mais alto, como um carrè à francês, um lombo, e depois a gente vem para um produto com um preço mais equilibrado, como um pernil e uma paleta. Depois, um produto barato, sempre abaixo, por vezes do custo, que é a costela e o pescoço”, exemplifica.
Outra perspectiva para a problemática da cadeia da carne vem da pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul, Élen Nalério. “Existe uma cadeia de produção de carne informal que, de certa forma, é organizada”, diz a pesquisadora que estima ser essa informalidade o fator que compromete o fornecimento constante para o mercado varejista e para restaurantes. Élen afirma que o tamanho do rebanho inviabilizaria o envio de animais para o abate, porque é preciso fazê-lo em lotes formados, padronizados com peso e carcaça pré-definidos pelos frigoríficos e às vezes o produtor, individualmente, não consegue levar o animal para o abate. A alternativa seria a organização dos produtores em forma de cooperativa, para ter uma oferta constante.
É aí que entra a visão de Daniel Barros de que uma opção para organizar as escalas de abate entre produtor e indústria e melhorar o fluxo de oferta de carne ovina chega pelo sistema de terminação em confinamento. Segundo Barros, com este sistema é possível saber exatamente em quantos dias cada lote vai para o abate. “Hoje, pelo menos 30% dos cordeiros abatidos no estado já devem passar por este sistema de confinamento que é bem curto. Toda a criação do cordeiro é feita a pasto, junto com a mãe. Alguns entram em confinamento com 4 ou 5 meses de vida e outros vão entrar lá próximo de um ano”, explica o veterinário, detalhando que enquanto não rompe dois dentes, o que ocorre entre 12 a 14 meses, o animal ainda é considerado cordeiro.
Daniel Barros conta, também, que os cordeiros finalizados neste sistema já abastecem as principais plantas frigoríficas do Rio Grande do Sul e também de Santa Catarina. Algumas estruturas de confinamento engordam de 6 a 7 mil cordeiros por ano. E a alimentação diferenciada não é percebida na mesa. “Se o confinamento está ajustado, o animal entra faltando apenas gordura, e com isso não há alteração no sabor. Apenas poderia ser sentido se ele ficasse muito tempo em confinamento, entrando muito pequeno ou magro, pesando cerca de 20 quilos. Então, precisaria ficar cerca de 90 dias no confinamento”, explica. Na prática, os cordeiros ingressam com cerca de 30 kg já, permanecendo entre 35 e 40 dias no confinamento, apenas. “Os alimentos que a gente utiliza, grande parte é milho, aveia, feno de alfafa, feno de tifton, silagem de milho e um concentrado proteico que vem com base de farelo de soja e minerais”, complementa o veterinário.
Quem também busca quebrar paradigmas junto ao consumidor final é o criador e empresário Felipe Vogt. À frente da Celebra Alimentos, ele garante estar vendo uma curva crescente no mercado da carne de ovino. “A gente acredita que há um bom espaço ainda para produzir cordeiro, e a carne também tem vários potenciais. Ainda há preconceito com relação à carne de cordeiro e que às vezes é produzida por um animal mais velho ou que não sabe, né…”, argumenta o empresário. A empresa, que promove abate com menos de 12 meses, possui na sua criação cerca de 500 matrizes em produção, mais o confinamento de cordeiros. Além disso, a empresa conta com mais de 150 parceiros produtores que entregam o cordeiro magro principalmente, ou o cordeiro pré-pronto. Há, também, cordeiros prontos para abate. A origem principal é de produtores da fronteira. “Nosso foco é, principalmente, por animais carne, com volume de carne maior e rendimento maior. Este animal, é o que o cliente procura mais, o consumidor procura mais. Hoje o consumidor já está pedindo um animal que tenha todo este controle. O consumidor está exigindo que esta carne venha de um abate humanitário, que seja feita toda parte de legislação de boas práticas e tudo mais”, explica Vogt.
Felipe Vogt conta que a Celebra tem um controle bem rígido, tanto nos carregamentos, no transporte dos animais, no descarregamento da própria criação, confinamento, espaçamento por baia, coxo e água, quanto junto aos produtores parceiros. “Isso funciona no abate também. Todo um controle feito de acordo com as boas práticas de manejo focadas exclusivamente no bem estar animal”, justifica. Ele ressalta que faz parte do grupo de trabalho do Selo do Cordeiro Premium Gaúcho, que vai permitir que as empresas promovam treinamentos para os produtores. O foco no bem estar animal passa também por modificar uma cultura centenária. “Tem os ovinos em que se utiliza muito cachorro e o cachorro não pode morder, latir, transmitir nervosismo aos animais e tudo isso que a gente está fazendo. Um melhoramento geral na ovinocultura gaúcha com muito foco nesses animais e bem estar”, explica.
Fonte: portaldoagronegocio