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Lucia Helena – Vinho tinto: uma taça no dia a dia ajuda a regular a microbiota intestinal

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Beaujolauis, Pinot Noir, Cabernet…— não importa a uva do seu tinto favorito, pense que de certa maneira você nunca o saboreia sozinho. Seus companheiros de taça são milhões de bactérias que, ao lado de outros microorganismos, habitam o seu intestino e formam ali a sua famosa microbiota.

Um trabalho recente liderado por pesquisadores do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP), em São Paulo — mas que também envolveu instituições como a Unicamp (Universidade Estadual de ), a UnB (Universidade de Brasília), cientistas da americana Harvard e da italiana Universidade de Verona, entre outros — mostra que consumir vinho tinto é um costume capaz mexer positivamente com o perfil dessas bactérias.

O estudo amarra duas pontas importantes. Ora, no mundo acadêmico, não é de hoje que surgem pistas de que beber vinho tinto possivelmente ajudaria a evitar câncer, queda da função cognitiva e mais um sem-número de encrencas. Claro, entre elas as doenças cardiovasculares.

Se existe uma pessoa que entende disso é o professor Protásio da Luz, do InCor. Há mais de duas décadas, sabendo que os polifenois na composição do vinho tinto tinham efeito antioxidante, esse cardiologista resolveu investigar o seu potencial para prevenir as terríveis placas nas artérias, marcas registradas da aterosclerose.

“Afinal, uma das principais teorias para explicar essa doença é a oxidação da partícula de LDL, que as pessoas chamam de ruim”, justifica ele que, de lá para cá, já assinou vários artigos sobre o tema.

Logo no início da saborosa trajetória de suas investigações, o médico demonstrou que coelhos com uma repleta de colesterol formavam menos placas se, junto com o alimento gorduroso, recebiam vinho tinto.

Também fez uma porção de pesquisas com pacientes. Uma delas com jovens que não tinham nenhuma outra alteração clínica a não ser um colesterol nas alturas. “E aí, oferecendo vinho tinto ou até mesmo suco de uva para esse grupo, notamos que ocorria uma maior dilatação dos vasos sanguíneos”, recorda-se o cardiologista.

Esse fenômeno, em tese, seria capaz de tirar as artérias do sufoco, caso algumas placas já estivessem se formando no trajeto da circulação, ameaçando estreitar a sua passagem.

“No entanto, mais recentemente, a medicina vem se debruçando sobre a questão da microbiota intestinal, que participa de uma série de funções normais do nosso , mas que também pode influenciar no surgimento de problemas. E, mais uma vez, os males cardiovasculares estão entre eles”, conta o professor. Sim, era tentador olhar para isso também.

“Considerando que o vinho tinto é benéfico em determinadas situações, será que ele teria alguma influência nessas bactérias?”, foi o que começou questionar.

A mesma pessoa, bebendo e sem beber

Protásio da Luz e seus colegas fizeram um estudo que em ciência é chamado de cross-over . Para você entender o que significa: compararam as mesmíssimas pessoas em situações diferentes.

Ou seja, não pegaram um grupo que tomava vinho tinto e outro que não tinha esse hábito. Em vez disso, ofereceram 250 mililitros da cinco dias por semana a 42 homens com 60 anos de idade em média. Todos eles tinham doença coronária confirmada por exames de cateterismo. Passadas três semanas, os mesmos 42 homens ficaram um período idêntico sem engolir uma única gota de álcool.

“Desse jeito, eliminamos alguns fatores externos que poderiam causar confusão na interpretação”, explica outra autora da pesquisa, a cardiologista Elisa Haas, também do InCor. Dá para entender sua em não dar, de cara, margem para dúvidas.

Lembre-se, por exemplo, que o vinho tinto faz parte da dieta dos povos mediterrâneos, os quais costumam apresentar uma saúde cardiovascular invejável. Pois bem: um antigo debate é até que ponto esse ingrediente da dieta faz bem ao peito e até que ponto é todo um estilo de vida dessas populações, vivendo uma rotina “azulzinha” à beira do Mediterrâneo, que facilitaria as coisas para o coração.

“Aí é que está: se a gente compara a mesma pessoa bebendo e, depois, sem beber vinho tinto, levando o seu estilo de vida de sempre, você não pode dizer seja algo ao seu redor que está interferindo nos resultados”, comenta a médica. Isso é o tal cross-over.

De olho no intestino e no plasma sanguíneo

Tanto no período em que os participantes tomaram vinho tinto quanto nas três semanas de abstinência alcoólica total, foram realizadas várias análises do plasma sanguíneo de todos.

“Isso porque, quando você ingere alguma coisa e ela é metabolizada, quebrada e separada em inúmeras partes na digestão, diversos produtos químicos vão parar justamente no plasma”, explica o professor Protásio da Luz.

E detalhe: muito do trabalho de metabolização e, portanto, da produção dessas substâncias, é feito pelas bactérias intestinais. Por isso, os pesquisadores foram checar o que estava por ali, a tal metabolômica plasmática. Foram encontradas nada menos do que 948 moléculas.

Não eram, porém, exatamente as mesmas, na comparação entre as semanas com e sem vinho tinto. “E essas mudanças se revelaram totalmente coerentes com o que achamos, por sua vez, na análise genética das fezes”, diz a doutora Elisa.

Esse exame complexo, usado apenas para fins de pesquisa, acusou uma mudança de perfil na microbiota após aquelas três semanas consumindo moderadamente vinho tinto. “Passou a haver uma predominância de certos grupos bacterianos tidos como mais benéficos à saúde.”

Compreenda o seguinte: nunca é uma bactéria específica que faz alguém engordar, ter ou, conduzindo a imaginação ao extremo, sofrer um . O que faz diferença é o perfil dessa população no intestino, isto é, os tipinhos que são mais encontrados no conjunto, responsáveis por aquelas substâncias que, depois, vão parar no plasma.

Uma certa decepção ao olhar para o TMAO

Se nunca ouviu falar em TMAO (lê-se, “tê-mao”), sigla inglês para N-óxido-trimetilamina, saiba que ele é mais um daqueles produtos das bactérias intestinais que vão parar no sangue. E vêm interessando cada vez mais os cardiologistas.

“O TMAO, segundo estudos em animais e até em seres humanos, está envolvido em alterações nas células de defesa que disparam processos inflamatórios, assim como na agregação de plaquetas formando trombos na circulação, entre outras coisas”, explica Elisa Haas.

Descoberta há apenas uns dez anos, a substância surge quando proteínas de origem animal, como as das carnes e as dos ovos, chegam no intestino grosso e são metabolizadas pelas bactérias do local.

“Mas vai depender do perfil bacteriano nesse órgão para chegar a aparecer no sangue”, conta a médica. Daí que, se uma das maneiras de alterar esse perfil é pelo que ingerimos, natural que os pesquisadores aproveitassem para olhar se as mudanças promovidas pelo consumo de vinho nas bactérias do intestino fariam o TMAO sumir do plasma.

“Isso, infelizmente, não aconteceu. Não encontramos diferenças significativas na dosagem dessa molécula durante período em que as pessoas ficaram tomando vinho tinto”, afirma a cardiologista.

Muito pouco tempo?

“Foram só três semanas”, ressalta o professor Protásio da Luz. “E o TMAO mostrou que não serve como um bom marcador em um período tão curto.”

De fato, se a gente olhar só para ele, não verá vantagens nas alterações da microbiota do ponto de vista do coração. Mas lembre-se, em primeiro lugar, que essas bactérias produzem outras substâncias que talvez também interfiram na saúde cardiovascular, enquanto esse estudo deu atenção especial somente ao TMAO.

“Tampouco sabemos o que aconteceria com essa molécula se o período da intervenção fosse maior do que três semanas”, pondera o professor.

Aliás, como os cientistas analisaram as alterações durante o curto prazo apenas, não dá para sair espalhando aos quatro ventos que beber vinho tinto afasta a ameaça de infartos e de outros males cardiovasculares. Seria preciso acompanhar esses indivíduos por anos a fio para descobrir se o hábito, no final das contas, preveniria pra valer esses eventos clínicos.

O que o estudo nos oferece, por enquanto, é um aperitivo: saber que tomar vinho tinto moderadamente não prejudica a microbiota. Ao contrário, é capaz de alterá-la de uma maneira que pode nos fazer bem. É disso que temos de nos lembrar diante de uma boa taça.

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