Ă unĂąnime: todos os pacientes que eu atendo e todas as pessoas com quem eu converso reclamam que o final do dia Ă© o âponto fracoâ delas. Final de tarde, bate aquela fome, vontade de comer atĂ© âo pĂ© da mesaâ. Mesmo que vocĂȘ more em uma cidade grande e esteja na rua, no metrĂŽ ou no carro, esse horĂĄrio provavelmente Ă© aquele em que mais sentirĂĄ necessidade de mastigar alguma coisa.
Vendo essa constĂąncia de reclamaçÔes e dificuldades, resolvi trazer alguns dados importantes para vocĂȘs neste artigo âafinal, estar munido de informação nos faz ficar menos suscetĂveis a errar por desconhecimento.
O ritmo biolĂłgico
VocĂȘ jĂĄ deve ter ouvido falar sobre nosso ritmo biolĂłgico (ou ciclo circadiano). NĂŁo Ă© o Ășnico ciclo que existe, mas Ă© nele que irei me concentrar.
Dentro dos nossos principais ritmos biolĂłgicos, temos quatro distintos:
Circadiano: nossas 24h do dia, e tudo que acontece nele dentro dessas 24h (o sono, o despertar, a produção hormonal, etc);
Ritmo diurno: nossa relação com o ritmo da noite e do dia (claro / escuro);
Ritmo ultradiano: se encontra dentro do ritmo circadiano, e tem uma maior frequĂȘncia dentro das 24h do dia, incluindo a fome e as idas ao banheiro;
Ritmo infradiano: sĂŁo ciclos mais longos e que acontecem apĂłs vĂĄrios dias, ou seja, demoram para se repetir, mas sempre se repetem. Um exemplo Ă© o ciclo menstrual.
Olhando para o ritmo circadiano âque envolve aquilo que acontece dentro das nossas 24h, todos os diasâ, temos uma informação importante, que Ă© a produção de cortisol.
O cortisol começa a ser produzido de manhã, quando o sol nasce. Com ele, nossa glùndula pineal entende que é preciso acordar e fazer tudo funcionar corretamente.
Esse hormÎnio vai sendo liberado no nosso corpo para que possamos executar nossas funçÔes ao longo do dia, inclusive como uma forma de amenizar inflamaçÔes, dores e desconfortos. Não à toa, quando temos que realizar algum tratamento com ação anti-inflamatória muito potente, usamos corticoides sintéticos.
Nosso cortisol tem o mesmo papel desses medicamentos, porĂ©m nĂŁo com tamanha força. AlĂ©m disso, durante o dia ele sofre alteraçÔes âisso nĂŁo acontece com a versĂŁo sintĂ©tica, em que o nĂvel sĂ©rico estĂĄ sempre adequado, mesmo com o passar das horas.
Ao final do dia, quando ele começa a reduzir sua potĂȘncia, nosso corpo entende que estĂĄ na hora de âse recolherâ.
Isso mesmo: conforme o sol se pĂ”e, nosso corpo tambĂ©m começa a se recompor para uma noite de sono reparadora. O cortisol perde sua força, jĂĄ que ele, junto com outros hormĂŽnios, como adrenalina e endorfina, nos mantĂȘm em alerta, alegres, despertos e energĂ©ticos.
Para que possamos produzir a melatonina, o hormĂŽnio do sono, serĂĄ necessĂĄrio reduzir o cortisol, e entĂŁo entra em cena sua precursora, a serotonina.
Tanto a serotonina quanto a melatonina sĂŁo os hormĂŽnios que nos trazem a sensação de relaxamento profundo e nos levam a dormir. TambĂ©m trazem uma sensação de bem-estar, de recompensa, de âoperação cumpridaâ âe Ă© aqui, que moram os perigos.
Existe uma janela, que quem Ă© pai e mĂŁe de criança pequena conhece bem, conhecida como âa hora da bruxaâ. A hora da bruxa Ă© conhecida por acontecer Ă s 18h: crianças pequenas e bebĂȘs que passaram o dia bem, sem tosse, sem choros ou dores, começam a sentir tudo de uma vez nesse horĂĄrio. Ficam reativos, tristes, incomodados.
A âhora da bruxaâ tambĂ©m acontece com os adultos, e Ă© nesse horĂĄrio em que estamos no carro, no trĂąnsito, ou chegando em casa, cansados, exaustos, entre 17h e 19h.
Nesse momento, nosso corpo, pela queda do anti-inflamatorio natural dele, isto é, o cortisol, sente todas as dores, fome, sede, cansaço, fraqueza, irritação, ao mesmo tempo que se prepara para a produção e liberação da serotonina, que servirå como precursora da melatonina mais tarde.
Se vocĂȘ nĂŁo presta atenção no seu comportamento, Ă© neste momento que atacarĂĄ seu armĂĄrio sem perceber.
Esse estado de âanestesiaâ tambĂ©m faz com que nĂłs, ao mesmo tempo que busquemos comida ou algo para nos satisfazer, fiquemos beliscando qualquer item que esteja Ă nossa frente. Imagine a situação: enquanto vocĂȘ faz uma fatia de pĂŁo com manteiga, vai caminhando pela cozinha em busca do que vai jantar mais tarde e entĂŁo, enquanto come alguma coisa em uma mĂŁo, na outra jĂĄ entra no app de delivery e vai escolhendo o que deseja comer depois.
Esse ciclo sem fim pode se repetir no dia seguinte, e no outro, e na semana seguinte, durante toda uma vidaâŠAfinal, Ă© o ritmo natural de como essas substĂąncias estarĂŁo agindo no nosso corpo. EvoluĂmos assim: deverĂamos ir dormir quando o sol se pĂ”e, acordar quando ele nasce. Mas sabemos que a realidade Ă© outra.
E afinal, como burlar esse sistema?
Se vocĂȘ estiver na rua, no carro, no trabalho: tenha algo pronto e acessĂvel para comer!
Antes de consumi-lo, beba bastante lĂquido. Se hidratar lentamente enquanto acalma essa impulsividade normal do momento Ă© uma boa saĂda para controlar o quanto e o quĂȘ vai comer.
Esse tempo serĂĄ usado para pensar e repensar melhor sobre como vocĂȘ irĂĄ agir. VocĂȘ ganha tempo.
Coma algo crocante, que precise ser bem mastigado, como amendoins, barra de proteĂna, cereais, frutas com casca como maçã e pera.
Se estiver em casa, antecipe o chå. Beba-o enquanto escolhe algo para consumir. Coma também alimentos que precisem ser bem mastigados e mastigue-os bem, como os amendoins e frutas com casca: isso acalma a impulsividade e gera saciedade. Além disso, beba bastante ågua.
Esse tambĂ©m Ă© o melhor horĂĄrio para praticar atividades fĂsicas. O treinamento de força Ă© uma boa opção, mas vocĂȘ tambĂ©m pode usar essa escapada para fazer uma caminhada leve, pois assim ficarĂĄ longe da tentação de atacar o que tiver no armĂĄrio de casa.
Fonte: uol
Colunista: @chefcarlosmiranda