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Legislação brasileira e indígenas: obstáculos para sair da miséria

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Enquanto o governo federal anuncia dez novas portarias para avançar na demarcação de 285 mil hectares de terras indígenas, as etnias locais sofrem com os mais baixos índices de desenvolvimento humano do país. Faltam infraestrutura, atendimento médico e escolas.

Os dados são lamentáveis. Segundo o IBGE, em domicílios com ao menos um morador indígena, 95,6% das casas situadas em terras demarcadas não contam com condições adequadas de saneamento.

A taxa de mortalidade de crianças indígenas com menos de quatro anos está em torno de 34,7 óbitos por mil nascidos vivos , o que representa 2,44 vezes a média nacional de 14,2 mortes por mil nascidos vivos. Os números são do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI).

A floresta é essencial, mas nenhuma árvore deve valer mais do que a dignidade de quem vive ali. O problema reside onde deveria estar a solução. 

Índios impedidos de tirar o pé da lama 

A Constituição assegura aos indígenas apenas o usufruto das “terras tradicionalmente ocupadas”. Embora a Carta Magna garanta o uso exclusivo de algumas áreas aos povos originários e o Estatuto do Índio proíba parcerias ou arrendamentos, a falta de tipificação penal dificulta o controle. Na prática, os índios permanecem presos a limitações que impedem atividades que os podem ajudar a gerar riqueza e obter autonomia. 

Quem tenta produzir além da subsistência enfrenta barreiras jurídicas, ambientais, burocráticas e até políticas ao criar gado, plantar grãos ou manejar madeira comercialmente. 

A Constituição e a legislação de 1973 permitem agricultura, extrativismo e uso de recursos naturais conforme costumes e tradições, mas restringem outras atividades. O §3.º do art. 231 determina que mineração e aproveitamento de recursos hídricos só podem ocorrer com autorização do Congresso e consulta às comunidades, um processo caro, subjetivo e praticamente inviável. 

Como as terras são “inalienáveis e indisponíveis”, não podem ser vendidas, cedidas ou arrendadas, impedindo ao indígena o uso econômico comum às demais propriedades privadas. 

Sem acesso a crédito, projetos estruturados, segurança jurídica ou apoio técnico, muitas iniciativas econômicas ficam travadas ou operam de forma limitada. Esse vazio abre espaço para facções criminosas explorarem ouro, diamantes, madeira e biodiversidade. A extração clandestina não melhora a vida local; apenas reforça a pobreza. Especialistas defendem que a legalização controlada permitiria que essa riqueza retornasse às comunidades. 

Casos no passado, como o episódio envolvendo rizicultores em terra indígena em Roraima, ilustram a complexidade do tema. Com o fim da produção local, o estado passou a depender da importação de arroz, após ter sido autossuficiente.

A mão pesada do Estado contra a produtividade indígena

 Os indígenas vivem em áreas férteis e legalmente destinadas ao seu sustento, mas não conseguem explorar economicamente seu potencial. Por isso, eles ficam vulneráveis a acordos ilegais, pressões externas e divisão interna. 

Em 2018, a Reuters revelou que seis comunidades e doze agricultores gaúchos foram multados por plantar soja transgênica em reservas, prática considerada ilegal pelas normas que vetam mecanização e arrendamento de terras indígenas. 

A reportagem de 2024 mostrou que cooperativas agrícolas compravam soja produzida de forma ilegal em reservas no Rio Grande do Sul. Imagens de satélite apontaram que, entre 2013 e 2023, a área plantada nas 14 reservas chegou a 28 mil hectares, um avanço de 23%. Em comunidades como Nonoai e Serrinha, onde parte das terras já ultrapassa milhares de hectares cultivados, a produção é majoritariamente controlada por não indígenas.  

Líderes locais afirmam que poderiam produzir, mas faltam máquinas, insumos e investimento. Por isso, eles acabam aceitando arrendamentos informais para sobreviver, apesar da proibição. 

Gazeta do Povo já mostrou, em 2020, que os paresi desejavam apenas produzir soja em larga escala, como qualquer agricultor do Mato Grosso. A etnia, que reúne 94 aldeias em uma reserva de 1,3 milhão de hectares, trabalham com agricultura há mais de 25 anos. Eles começaram em áreas vizinhas e há 17 anos estão dentro da própria reserva.

Os indígenas obtiveram tratores e ampliaram a produção, mas ainda não podem acessar crédito bancário porque as terras pertencem à União. Em contrapartida, acumulam multas que ultrapassam R$ 120 milhões. O Ibama acusa a etnia de arrendar terras a fazendeiros, o que eles negam.  

Embora a área plantada seja pequena (19 mil hectares, apenas 1,4% da reserva) e distante de mananciais ou áreas de mata, em 2018, colheram 10 mil hectares de soja, com lucros repartidos entre as aldeias.

Influência de ongueiros 

A ideia do “índio intocado”, mantido em um modo de vida idealizado, sustenta a atuação de muitas ONGs na Amazônia. Se os povos prosperarem, essa narrativa perde força. E, com ela, a capacidade de captar recursos internacionais. 

Grande parte dessas instituições depende de uma Amazônia permanentemente vulnerável para garantir visibilidade e financiadores. Por isso reagem quando surgem projetos agrícolas, mineração controlada ou bioeconomia em terras indígenas. 

Há ainda a disputa econômica. Instituições estrangeiras buscam limitar o desenvolvimento amazônico para proteger seus próprios produtores, já que o Brasil consegue até três safras por ano, cria gado a pasto o ano todo e possui vasta reserva mineral e aquífera. Poucos países desenvolvidos conseguem concorrer com o agronegócio brasileiro. 

No centro dessa disputa ficam os indígenas que querem trabalhar e enriquecer, mas enfrentam a legislação, as instituições públicas e as pressões internacionais que impedem seu avanço econômico. 

“Índio quer trabalhar” 

Apesar da visão de ambientalistas e ideólogos que desejam indígenas isolados, as próprias comunidades têm buscado produzir e melhorar de vida. 

Grande parte da esperança das etnias veio das ações do ex-presidente Jair Bolsonaro, que apoiou iniciativas econômicas em terras indígenas, defendeu que as reservas atrapalhavam o desenvolvimento do país e, em discurso na ONU em 2019, criticou o “ambientalismo radical e o indigenismo ultrapassado” que mantêm esses povos no “atraso, marginalização e ausência de cidadania”. 

2025 word3Em 2021, durante o seu governo, Jair Bolsonaro posa ao lado de indígenas que pleiteam maneiras legais de explorar comercialmente suas terras

Ainda em 2019, Bolsonaro tentou criar uma norma para abrir caminho para a extração de minérios, gás e a geração de energia, e propôs autorizar a criação de gado nas propriedades indígenas, mas não o tema não avançou no Congresso. O então presidente também colocou Sandra Terena, indígena do povo Terena e ferrenha defensora do empreendedorismo dos povos originários como secretária nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Mas, assim que assumiu em 2023, o presidente Lula revogou o decreto que institucionalizava o programa de apoio à mineração artesanal e em pequena escala (Decreto 10.966/2022). Além dele, Sônia Guajajara, ministra dos Povos Originários revogou o ato do governo do ex-presidente que permitia exploração de madeira em terras indígenas.

Fonte: gazetadopovo

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