A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que ocorre neste mês em Belém (PA), chega ao Brasil envolta em descrédito. A capital paraense, que deveria ser a vitrine da Amazônia e símbolo do protagonismo climático do país, virou sinônimo de improviso, insegurança e desorganização — fatores que, somados a contradições políticas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já colocam em xeque a credibilidade do evento antes mesmo de sua abertura.
Desde a campanha, Lula prometeu protagonismo internacional em questões ambientais e planejou transformar a COP 30 em uma espécie de marco da diplomacia verde brasileira. A intenção era atrair lideranças de todo o mundo e colocar a Amazônia no centro do debate global sobre meio ambiente. Porém, as semanas que antecedem o encontro têm mostrado outro cenário: hotéis com preços altos, insegurança nas ruas, problemas na infraestrutura e críticas internacionais à condução política do governo.
O evento deve ser marcado pela baixa participação de líderes mundiais. Com isso, a COP corre o risco de ter negociações esvaziadas e os compromissos climáticos enfraquecidos. Se esse prognóstico se confirmar, Lula fracassará na pretensão de alcançar protagonismo internacional alicerçado na questão ambiental.
Lula já está em Belém realizando encontros bilaterais de um evento preparatório chamado Cúpula de Líderes de Belém, que tem início nesta quinta-feira (6). A COP 30 ocorre oficialmente entre os dias 10 e 21 de novembro.
As reuniões de Lula têm, entre outros objetivos, a apresentação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), um mecanismo de financiamento para preservação desse bioma. Para o governo, esse é um dos principais resultados a ser entregues pela COP30. O financiamento, no entanto, já havia sido pauta da COP29 e não houve avanços significativos.
Contradições ambientais e desgaste político de Lula serão expostos na COP
A COP 30 também expõe o paradoxo do discurso ambiental do governo brasileiro. Ao mesmo tempo em que Lula tenta se colocar como líder global em pautas ambientais, o Ibama autorizou a Petrobras a explorar petróleo na Foz do Amazonas.
A decisão, anunciada a menos de um mês do evento, foi duramente criticada por ambientalistas e por membros da comunidade internacional. A medida enfraqueceu o discurso de transição energética e expôs a contradição entre a retórica climática e a dependência nacional dos combustíveis fósseis.
O desgaste político do governo fica exposto diante da confirmação de apenas 57 chefes de Estado e de governo, segundo informou Mauricio Lyrio, negociador-chefe do Brasil na COP30, em entrevista à imprensa. Em 2024, 75 chefes de Estado participaram da COP 29, no Azerbaijão.
Entre as ausências, uma das mais significativas é a dos Estados Unidos, que não planejam enviar representantes. Em anos anteriores, especialmente sob a gestão do ex-presidente Joe Biden, o país exerceu papel significativo nos compromissos firmados. A Argentina, liderada por Javier Milei, também não confirmou presença até o momento.
Para o advogado ambiental e consultor estratégico Antônio Fernando Pinheiro Pedro, a ausência de grandes líderes é sintoma de uma exaustão global e da falta de resultados concretos. “A Europa tirou o pé das metas e, espertamente, quer compensar com mitigações no Brasil. Esta COP será lembrada como a COP das indulgências, o fim da bolha de compensações”, avalia.
Dentre os 197 signatários da Convenção do Clima, até o momento, representantes de 143 países confirmaram presença. Da Europa, virão os líderes da Alemanha, França, Reino Unido e Noruega. Dos países mais próximos ao governo brasileiro, estão confirmados Colômbia, Chile, Cabo Verde e Libéria. A China enviará apenas seu vice-primeiro-ministro, e da América poucos líderes devem comparecer.
“Podemos chamar a COP 30 de ‘FLOP 30’, pois já está flopada antes do início. Lula entra no evento profundamente desgastado, seja pelo quadro geral, de questionamento do regime brasileiro, seja pela posição dúbia em relação ao narcoterrorismo, seja pela dupla face adotada com relação ao petróleo na plataforma equatorial”, diz o consultor Pinheiro Pedro.
As estratégias que Lula pode usar para obter ganhos
Na avaliação da analista de Comércio Internacional na BMJ Consultores Associados, Ana Paula Abritta, Lula utilizará quatro estratégias centrais para tentar conquistar ganhos de imagem na COP 30: a localização estratégica, a retomada da credibilidade ambiental, o protagonismo no financiamento climático e o destaque à matriz energética limpa brasileira.
“Tudo indica que se o governo federal conseguir explorar com propriedade fatores como realização da COP na Amazônia, colocando o bioma no centro das discussões, reforçando o compromisso brasileiro com a conservação, esse seria um ponto alto de impacto positivo para a imagem do presidente”, destaca a analista.
No que tange ao financiamento da preservação, Ana Paula Abritta destaca que o atraso e a desconfiança históricos minam as metas de contribuição financeira almejadas por Lula por meio do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). Ela lembra que na 15ª Conferência das Partes (COP15), em Copenhague, em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram com a meta coletiva de mobilizar US$ 100 bilhões por ano até 2020 para ações climáticas em países em desenvolvimento.
“Essa meta [de US$ 100 bilhões] foi alcançada com dois anos de atraso. Hoje, a nova meta está estimada em US$ 3,4 trilhões até 2030, mas ela ainda depende de uma concretização de acordo político durante a COP 30. A necessidade de um consenso pode ser um entrave nessa nova estimativa, que é bastante ambiciosa”, pondera Ana Paula Abritta.
O assunto foi tema de uma conversa de Lula com jornalistas estrangeiros realizada na terça-feira (4), em Belém. Na oportunidade, Lula admitiu a dificuldade em cumprir os acordos financeiros na COP e enfatizou que a intenção com o TFFF é sair da “era da doação” e optar pelo “investimento”.
“Qual é a grande novidade desta COP? É que criamos o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre, o TFFF. Não será doação, será investimento. Um fundo de pensão pode investir, um empresário pode investir, um governo pode investir”, afirmou o presidente.
Crise de imagem: segurança e infraestrutura comprometem o discurso oficial
Os problemas logísticos e de segurança em Belém se tornaram um dos principais focos de desgaste para Lula com a realização da COP 30 no Brasil. Jornalistas estrangeiros que chegaram à cidade para cobrir o evento foram assaltados no centro da capital, episódio que ganhou repercussão internacional e acentuou dúvidas sobre a capacidade da cidade de sediar um evento de tamanha magnitude. Para conter os riscos, Lula decretou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em Belém, Altamira e Tucuruí, mobilizando as Forças Armadas entre 2 e 23 de novembro. Ela permite que membros das Forças Armadas atuem na segurança na região durante o evento.
Além da segurança, o setor de hospedagem se transformou em motivo de constrangimento: diárias de até R$ 20 mil foram encontradas na plataforma oficial da COP. O governo chegou a apresentar planos para conter abusos de preços, mas os efeitos não foram sentidos na prática. O resultado é uma escalada de custos que afastou delegações de países, organizações da sociedade civil e movimentos sociais, justamente aquelas que o governo dizia querer incluir. O presidente da Áustria, por exemplo, anunciou em agosto que não viajaria a Belém, devido ao alto custo.
Esses problemas se somam à precariedade urbana de Belém: apesar de obras terem sido entregues, lideranças locais reclamam da baixa qualidade. Em vídeo divulgado nas redes sociais, o deputado estadual Rogério Barra (PL-PA) mostrou um asfalto que cedeu na região central da cidade, ao longo do Parque Linear da Nova Doca. “Prometeram legado da COP 30, entregaram vergonha pra Belém”, escreveu Barra.
A Gazeta do Povo buscou posicionamento do Governo do Pará sobre o ocorrido no asfalto. Em resposta, a Secretaria de Estado de Obras Públicas (Seop) informou que os serviços de reparo na Avenida Visconde de Souza Franco, em Belém, foram realizados. A Seop reforça que o problema não tem relação com a obra da Nova Doca.
A obra do Parque Linear da Nova Doca, em que foram gastos R$ 310 milhões, é considerada um legado da COP30, mas foi alvo de denúncia junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeita de superfaturamento antes mesmo da falha verificada no asfalto.
Fonte: gazetadopovo






