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Como Detectar Sinais de Autismo em Setembro: Diagnóstico Precoce Reduz Risco de Depressão

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No Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio, o debate sobre saúde mental se amplia para um ponto ainda pouco abordado: o impacto do diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Sem identificação precoce, muitas pessoas passam anos sem compreender suas próprias dificuldades, acumulando uma sobrecarga que pode evoluir para quadros de depressão e ansiedade.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, com base no Censo Demográfico 2022, que o Brasil tem cerca de 2,4 milhões de pessoas diagnósticadas com o TEA. O registro corresponde a 1,2% da população, sendo 1,4 milhão de homens, e 1 milhão de mulheres.

O Centro-Oeste registra 1,1% da população com diagnóstico de TEA, as demais regiões ficam em 1,2%. Em números totais, o Sudeste concentra a maior quantidade, com pouco mais de 1 milhão de pessoas, seguido pelo Nordeste com 633 mil, o Sul com 348,4 mil, o Norte com 202 mil e o Centro-Oeste com 180 mil pessoas diagnósticadas.

Diagnóstico tárdio na vida adulta

Entre os casos de diagnóstico na vida adulta está o de Willian Soares, que recebeu a confirmação aos 27 anos, com o nível 1 de suporte. O processo levou cerca de nove meses entre consultas com psicóloga, neurologistas, exames de imagem e sessões de terapia.

A primeira dúvida surgiu ainda em 2020, depois de assistir um vídeo de um jovem autista falando sobre uma série com protagonista no espectro. “Os problemas que ele relatava eram extremamente alinhados com diversas situações que eu passei”, contou. A partir daí, amadureceu a desconfiança até buscar ajuda profissional em 2024.

“Eu sempre fui taxado de esquisito e muito tímido, aquela pessoa que menos fala no ambiente, mas eu me esforçava bastante pra mudar e vivia frustrado por não conseguir, e sempre carregando uma sensação de exaustão social com tanto esforço, o que me deixava ainda mais retraído”, conta.

Willian conta que, após o diagnóstico, passou a compreender melhor seus limites. Ele segue em terapia semanal, que ajuda a administrar situações de sobrecarga e a viver de forma mais leve.

Mulheres enfrentam mais barreiras para o diagnóstico

Especialistas apontam que parte da diferença entre homens e mulheres no TEA pode estar ligada à camuflagem, onde muitas meninas e mulheres “mascaram” sinais para se adaptar ao convívio social. Isso atrasa ou impede o diagnóstico e cobra um preço na saúde mental.

Para entender como esse processo funciona na prática, a reportagem do Primeira Página, ouviu a psicóloga Renata Teixeira, autista nível 1 de suporte, que recebeu o diagnóstico aos 27 anos, e hoje ajuda inúmeras mulheres com a identificação em seu livro ‘Sou autista, e agora?‘.

Ela explica, que o diagnóstico na vida adulta mudou profundamente a sua saúde mental e seu bem-estar, e que passou a “ressignificar” a própria história, por entender que a dificuldade de socializar, o apego a rotinas e regras e os interesses restritos não eram falhas pessoais, mas parte do funcionamento do seu cérebro.

“Receber o diagnóstico de autismo, aos 27 anos, foi um divisor de águas. Eu passei a vida
inteira acreditando que tinha algo de errado comigo e que eu simplesmente não conseguia ser
uma “pessoa normal” como as outras. Com o diagnóstico, ao mesmo tempo em que trouxe
alívio por finalmente dar um nome para o que eu sentia, também veio uma fase de luto, de
revisitar minha história e perceber o quanto sofri em silêncio acreditando que a culpa por não
me encaixar era unicamente minha e não de uma sociedade que ainda não está preparada
para acolher pessoas autistas”, conta.

Em sua prática clínica, a psicóloga relata que o diagnóstico tardio costuma vir acompanhado de sobrecarga, camuflagem e solidão. Segundo ela, muitos adultos chegam exaustos, com autoestima baixa, sintomas de depressão e ansiedade, às vezes já com pensamentos suicidas, após anos tentando “se encaixar” sem entender a própria diferença.

“Vejo com frequência autistas em estado de exaustão, com baixa autoestima e sintomas depressivos e ansiosos, justamente por passarem anos tentando se adaptar sem saber por quê”, disse. “Descobrir o autismo na vida adulta é como entender, enfim, por que você passou tanto tempo ignorando suas necessidades e se culpando por ser diferente. O diagnóstico não resolve tudo, mas dá ferramentas para se compreender melhor”, explica.

Segundo a especialista, a tentativa de se adaptar a ambientes que não são acessíveis pode levar à exaustão, conhecida como “burnout autista”. Esse esforço inclui o chamado masking, ou “camuflagem”, onde a pessoa ajusta fala, gestos e até interesses para corresponder ao que se espera socialmente. Ao esconder esses traços, os sinais se tornam menos visíveis e o diagnóstico, especialmente em mulheres, costuma acontecer mais tarde.

Para ela, quando isso se soma à falta de acolhimento e à solidão, cresce o sentimento de tristeza e ansiedade, abrindo espaço para um desgaste emocional ainda maior.

Desafio do diagnóstico tardio

A desenvolvedora mobile sênior Jaqueline Gonzaga, também recebeu o diagnóstico de forma tárdia, aos 29 anos. Ela conta, que ao receber o diagnóstico, sentiu alívio e clareza. “Claro que o choque foi grande, passei uma manhã inteira chorando e processando o laudo. Mas depois, junto com a terapia com a neuropsicologa, em vez de encarar como um rótulo, enxerguei como um mapa: finalmente tinha nome para coisas que eu sentia desde criança. Isso trouxe paz e me ajudou a me acolher”.

Ela conta que passou anos em terapia tentando entender o seu jeito de ver o mundo. “As características sempre estiveram ali, desde a dificuldade com contato visual prolongado até a sensação de sobrecarga em ambientes barulhentos; mas só mais recentemente, com a ajuda de profissionais, tudo começou a se conectar. Foi um processo de investigação, com conversas, testes e muita reflexão”, explica.

Ao contar como era a vida antes do diagnóstico, ela lembra que se sentia constantemente “fora de lugar”, como se estivesse sempre tentando decifrar códigos sociais que pareciam óbvios para os outros. “Muitas vezes interpretavam minha expressão neutra como “brava”, ou eu ficava exausta depois de interações em grupo sem entender o porquê”.

Agora com a descoberta, passou a respeitar os próprios limites com mais naturalidade. “Passei a respeitar meus limites com mais naturalidade, buscar cantos silenciosos, priorizar interações me permitir pausas sem culpa. Também passei a comunicar de forma mais direta sobre minhas necessidades, o que fortaleceu meus relacionamentos. Hoje também entendo por que eu sempre preferia rotinas e tinha dificuldade com certas mudanças. Hoje vejo que eram características do meu espectro, não “manias sem explicação”.

Estudos mostram impactos na saúde mental

Pesquisas internacionais mostram que a ausência de diagnóstico precoce e de acolhimento tem consequências sérias. Com base em 20 anos de estudo, um levantamento feito pela revista Autism Research, da National Library of Medicine, mostrou que, entre 2013 e 2017, pessoas autistas tiveram risco maior de morrer por suicídio do que a população em geral.

Outra pesquisa, disponibilizada pela fundação internacional, mostra que a mortalidade prematura entre autistas é quase o dobro das registradas em pessoas não autistas. O estudo aponta que fatores ligados à saúde mental, como depressão e suicídio, estão entre as principais causas.

Os resultados indicam ainda que adultos autistas têm até 25 vezes mais chances de tentar suicídio do que adultos não autistas. No caso de adolescentes, a taxa de tentativas chega a ser o dobro.

Sem diagnóstico adequado, somado ao isolamento social e à tentativa de esconder traços do autismo, a saúde mental fica ainda mais comprometida. Não por acaso, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), demonstram que pessoas autistas têm índices de depressão mais altos do que a população em geral em todas as fases da vida.

Segundo o IBGE, a expectativa da população no Brasil, é de 79,7 anos para mulheres e 73,1 anos para homens. No entanto, quando se trata de pessoas autistas, a realidade é bem diferente: um estudo da Universidade de Columbia, publicado no American Journal of Public Health, revelou que a idade média de morte nesse grupo é de 36 anos, praticamente a metade da população em geral.

Leis garantem direitos às pessoas autistas

Em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que torna obrigatória a inclusão do símbolo mundial do autismo em placas de atendimento prioritário. A medida atualiza a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei nº 12.764/2012) e amplia a identificação desse público em serviços públicos e privados.

Na prática, as leis até garantem um caminho para o diagnóstico precoce e um atendimento multiprofissional, mas o acesso ainda não chega para todo mundo, e muita gente só recebe o diagnóstico na vida adulta, depois de anos de sofrimento.

Identificação facilita acesso a direitos em MT

Um dos direitos da pessoa com TEA é a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), prevista pela Lei nº 13.977. Em Mato Grosso, a Carteira de Identificação, pode ser solicitada de forma gratuita pelo aplicativo MT Cidadão ou diretamente na Secretaria de Assistência Social e Cidadania (Setasc).

Desde que começou a ser emitida no Estado, em 2020, já foram confeccionadas mais de 4 mil carteiras, sendo mais da metade na versão digital.

O documento tem validade de cinco anos, assegura atendimento prioritário em serviços públicos e privados, e se tornou um instrumento de inclusão reconhecido nacionalmente, recebendo, em 2023, prêmios de inovação em governo digital.

O peso do diagnóstico tardio

A demora no reconhecimento do autismo na vida adulta, ainda custa caro à saúde mental de muitos brasileiros e, no mês da prevenção ao suicídio, podemos ver a importância de ampliar diagnósticos e fortalecer políticas públicas.

Para muitos autistas, receber o diagnóstico na vida adulta não significa apenas um laudo médico, mas a chance de compreender a própria trajetória. No fim, não se trata apenas de um rótulo, mas de possibilitar que a pessoa autista comprrenda sua condição e tenha acesso a recursos que garantam uma vida mais plena e segura.

Fonte: primeirapagina

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