O agronegócio brasileiro enfrenta um paradoxo preocupante: enquanto a produção de grãos bate recordes consecutivos, a infraestrutura logística mostra-se cada vez mais insuficiente. Especialistas alertam que o atual déficit de 120 milhões de toneladas na capacidade de armazenagem pode quase dobrar na próxima década, alcançando 210 milhões de toneladas caso se mantenha o crescimento médio de 11% ao ano na produção agrícola.
Durante o AgroForum promovido pelo BTG Pactual, executivos do setor apontaram que o problema tende a se intensificar com a maturação dos solos em áreas agrícolas recentemente abertas. André Guillaumon, CEO da BrasilAgro, explicou que após quatro ou cinco anos de cultivo de soja, essas terras passam a permitir o plantio de milho na segunda safra, elevando ainda mais a pressão sobre o sistema logístico.
Os números da safra 2024/25 ilustram o desafio: a produção estimada pela Conab em 339,6 milhões de toneladas representa um aumento de 14,2% em relação ao ciclo anterior, enquanto a área plantada cresceu apenas 2,3%. Essa disparidade entre ganhos de produtividade e infraestrutura disponível preocupa os agentes do setor.
Diante desse cenário, empresas e cooperativas têm buscado soluções alternativas. A Fazendão Agronegócio, por exemplo, investiu na ampliação de sua capacidade de esmagamento de soja no Tocantins e constrói uma usina de etanol de milho com previsão de inauguração ainda este ano. Paralelamente, estabeleceu parcerias estratégicas para melhorar o escoamento, incluindo acordos com a VLI e projetos portuários em Barcarena.
No âmbito cooperativo, a Coamo Agroindustrial planeja investir R$ 3,5 bilhões entre 2024 e 2026, com destaque para o aumento de 10% em sua capacidade estática de armazenagem. Airton Galinari, presidente-executivo da cooperativa, revelou que mesmo com os atuais 6,2 milhões de toneladas de capacidade e o uso de 500 mil toneladas em silos-bolsas, a demanda por espaço continua superando a oferta.
O contexto econômico atual acrescenta camadas de complexidade ao desafio logístico. Guillaumon projetou uma redução na rentabilidade da soja, com margens Ebitda caindo de 25-30% para 20-22%, enquanto alertou para os riscos cambiais – com projeção de queda do dólar de R$5,40 para R$4,80 durante a safra – e o impacto dos juros elevados (15% ao ano) nos custos financeiros.
Essa conjuntura tem levado os produtores a adotarem estratégias defensivas, como a antecipação de vendas – com 60% da safra de soja já negociada – e investimentos em armazenagem própria para evitar liquidações em momentos de preços desfavoráveis. A verticalização da produção surge como caminho estratégico não apenas para agregar valor, mas também para aliviar a pressão sobre o sistema de transporte de grãos.
O setor reconhece que a superação desses desafios exigirá esforços coordenados entre iniciativa privada e políticas públicas, garantindo que o potencial do agronegócio brasileiro não seja limitado por gargalos logísticos previsíveis. Enquanto isso, empresas e cooperativas seguem buscando soluções criativas para armazenar, processar e escoar uma produção que não para de crescer.
Fonte: cenariomt