Na semana passada, a fumaça cobriu o céu de 60% da área do Brasil. Todos os biomas têm sofrido mais incêndios do que o normal, com cerca de 59 mil registros de queimadas somente até o dia 16 de setembro, um número próximo ao registrado no mês de agosto inteiro, que teve 68 mil (segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A maioria aconteceu na Amazônia, mas os impactos se espalham pelo resto do país.
No dia 9, São Paulo teve o pior ar do mundo por algumas horas. No Rio Grande do Sul, a chuva caiu preta de tanta fuligem. As previsões apontam que a situação deve continuar crítica nos próximos meses.
Existem muitas causas para esses incêndios, como desmatamento ilegal, grilagem de terras, exploração madeireira, expansão agropecuária descontrolada, vandalismo e ameaça às populações tradicionais. E os impactos são profundos nos ecossistemas, nas emissões de gases de efeito estufa e na saúde humana.
Nas cidades, o céu cinzento e o tempo seco favorecem um fenômeno de uma beleza apocalíptica: principalmente durante o nascer e o pôr do sol, é possível enxergar nitidamente o astro como uma bola vermelha, bem menos brilhante do que o normal.
Mas por que o sol fica tão alaranjado (ou avermelhado, dependendo do dia e região onde se observa)? Para entender por que isso acontece, precisamos partir do começo.
A luz solar
A luz do Sol não é amarela nem branca. Na verdade, o Sol emite ondas de radiação de vários tipos, ao longo de um espectro de frequências. Em uma ponta do espectro está o infravermelho, que são ondas de menor frequência e maior comprimento. Na outra ponta, está o ultravioleta, que tem maior frequência e menor comprimento. Quanto mais próximo do ultravioleta, mais energia a onda contém.
Nós não enxergamos nenhum desses dois extremos, e sim o que está entre eles. O espectro de luz visível é aquele do arco-íris. Do maior comprimento de onda para o menor, as cores que vemos são: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Mas existe um punhado de coisas que precisam acontecer antes da gente conseguir diferenciar essas cores.
Por que o céu é azul? Por que o sol é amarelo? Por que as nuvens são brancas?
A variedade de ondas emitidas pelo Sol se modificam quando interagem com a atmosfera. “Se não existisse atmosfera, o céu não seria azul, seria escuro, como o do espaço sideral”, explica o professor Cláudio Furukawa, do Instituto de Física da USP.
Tudo tem a ver com a composição do ar e o ângulo com que a luz solar incide. Quando a luz solar entra na atmosfera, interage com as moléculas em suspensão. Cada uma reflete, absorve e difunde a radiação solar de forma diferente. Em geral, a atmosfera terrestre é povoada por moléculas bem pequenininhas, caso do oxigênio, do nitrogênio, do gás carbônico etc.
Por serem tão pequenas, rola uma “afinidade” com as ondas próximas ao azul, de menor comprimento. Esse fenômeno é chamado de dispersão de Rayleigh: as moléculas absorvem a radiação e re-emitem as ondas de menor comprimento em todas as direções. “Existem inúmeros fenômenos acontecendo ao mesmo tempo, mas o principal é esse espalhamento”, diz Furukawa.
Só uma parte bem limitada do espectro eletromagnético é visível aos olhos humanos. “O nosso olho não é tão sensível ao violeta”, explica Furukawa. É por isso que o céu fica azul, e não roxo, aos nossos olhos: estamos enxergando uma parte da radiação de pequeno comprimento que foi espalhada pelas partículas.
Já o tom amarelo que vemos no sol durante dias claros vem da soma das frequências restantes, que não interagem com as moléculas pequenininhas do ar do mesmo jeito. A mistura eletromagnética de verde, amarelo, laranja e vermelho forma o tom amarelo forte do sol.
Só não olhe diretamente para ele para conferir, por favor. Suas retinas agradecem.
Por fim, as nuvens são brancas porque são compostas por grandes partículas de água, que não promovem o espalhamento como as pequeninas. Na verdade, elas refletem todos os comprimentos de onda, em todas as direções. Com isso, essas ondas se misturam e a soma final das luzes e todas as cores é o branco, a cor de algodão que vemos lá em cima.
Quando as nuvens ficam cinzas, é porque são compostas de camadas tão grossas de água que barram a passagem de luz. Aí, o preto (ausência de luz) e o branco da soma de todas se misturam, formando o cinza.
Por que o céu e o sol mudam de cor no fim da tarde?
Você já entendeu que a cor que vemos no céu depende da composição da atmosfera. Mas se ela não muda significativamente ao longo do dia, por que no nascer e no pôr do sol o céu fica tão diferente?
A resposta está no ângulo com que a luz penetra na atmosfera. Como ela vem de lado, e não de cima, ela precisa atravessar uma camada mais espessa de gases.
Imagine que a Terra é um coco: a casca é a atmosfera e onde fica a água é a superfície. Se você enfiar um espeto perpendicular em direção ao centro, vai passar por alguns centímetros de casca e logo chegará na água. Entretanto, se você inclinar o coco e o espetar de um lado para o outro, sem furar a parte da água, vai notar uma distância (e um esforço) bem maior.
O espeto representa basicamente o que acontece com a radiação solar no nascer ou no pôr do sol. Furukawa explica que a distância que a luz tem de percorrer na atmosfera nesses horários pode ser 30 vezes maior do que ao meio-dia, quando o sol está a pino.
Pois o que acontece é que, com tantas moléculas para interagir, a radiação de menor comprimento “se gasta” completamente, e os tons vermelhos conseguem chegar até nós. “O vermelho consegue atravessar essa atmosfera sem sofrer tanto espalhamento”, explica Furukawa.
Na teoria, vale o mesmo para o nascer ou para o pôr do sol. Mas se você tem a impressão de que o fim de tarde é ainda mais empoeirado e acinzentado do que de manhãzinha, você não está errado. Durante a noite emitimos menos gases – afinal, existem menos carros circulando, indústrias funcionando etc. Além disso, de noite, a baixa na temperatura pode favorecer um aumento da umidade, que também captura uma parte da poeira do céu.
Mas isso se aplica à poluição “comum”, de rotina, mas não à das queimadas. Isso porque o fogo não respeita o turno noturno, e emite um volume enorme de poluentes. Os seus impactos são muito mais críticos para a qualidade do ar.
O que nos leva finalmente à pergunta:
Por que o sol fica laranja ou vermelho quando o céu tem muita fumaça?
Como você pode imaginar, a fumaça muda drasticamente a composição da atmosfera, que fica saturada de partículas de poluição. “São partículas de todos os tamanhos: você tem as maiores, como aerossóis, e outras muito pequenas”, diz Furukawa.
A interação da radiação solar com esse céu todo sujo é muito diferente do que seria com o ar límpido e puro. É parecido com o caso das nuvens: as grandes moléculas da poluição refletem luzes de todas as frequências e em todas as direções, formando a luz branca. É por isso que a poluição dá um tom esbranquiçado ao céu azul, ou rosa ao céu vermelho do pôr do sol.
Até aqui, falamos sobre o céu, mas a lógica é bem parecida para explicar a cor do sol. As moléculas grandes da poluição interagem mais com as ondas de maior comprimento, que são laranjas e vermelhas. Ao atravessar a atmosfera densa, vemos a luz da estrela (ou até a da lua) com tons bem mais avermelhados.
A umidade é um fator importante nesse fenômeno: a chuva ou mesmo a umidade “lavam” o céu, fazendo com que a poluição se condense e volte para o solo. Já o tempo seco favorece não só a permanência da fumaça no céu, mas também os incêndios. Aí a coisa vira uma bola de neve (ou de fumaça?), e o resto você já sabe. E já sente.
Fonte: abril