NNo dia 25 de janeiro deste ano, o estado do Alabama executou Kenneth Smith, de 58 anos, condenado em 1996 por assassinar a esposa de um pastor protestante a mando dele. Assim como em outras execuções (o Alabama matou 73 homens e 1 mulher desde 1983, quando voltou a aplicar a pena de morte), o procedimento foi realizado na Holman Correctional Facility, uma prisão no sul do estado.
Mas houve algo inédito – e que chocou as testemunhas presentes. Smith foi o primeiro condenado a ser submetido a um novo procedimento: a asfixia pela inalação de nitrogênio. Segundo as autoridades locais, tratava-se do “método de execução mais humano já desenvolvido”.
Nele, uma máscara é colocada no rosto do prisioneiro, privando-o do ar atmosférico e forçando-o a inalar nitrogênio puro. O corpo não rejeita o nitrogênio – afinal, esse gás inerte compõe 78% do ar que respiramos. Em tese, o nível de oxigênio no sangue de Smith cairia rapidamente, fazendo-o perder a consciência e ter a morte mais rápida e indolor possível. Não foi o que aconteceu.
O que se viu foi um procedimento que durou 22 minutos, boa parte deles de evidente agonia. O repórter de um jornal local relatou que viu “Smith se contorcer e ter convulsões na maca”. Ele respirou fundo, com “seu corpo tremendo violentamente e os olhos revirando para a parte de trás da cabeça”.
Segundo outra testemunha, os oficiais da prisão ficaram perplexos ao constatar “como tudo estava indo mal”. O novo método, no qual as autoridades esperavam encontrar uma maneira civilizada de executar um condenado, revelou ser algo bem diferente – só mais uma maneira cruel e horrenda de matar uma pessoa.
As tentativas de criar métodos de execução menos dolorosos e violentos são relativamente recentes. Na maior parte da História, a ideia da pena de morte era oferecer uma espécie de retribuição à parte ofendida (o clássico “olho por olho, dente por dente” da Lei de Talião), e o sofrimento do condenado não angustiava ninguém.
Pelo contrário, em geral era desejado. O Código de Hammurabi, desenvolvido na Babilônia entre 1755 e 1750 a.C., estabelecia que mais de duas dezenas de delitos devem ser punidos com a pena capital. Muitas das normas não especificam a maneira como o criminoso deveria ser executado. Mas os artigos sobre alguns crimes descrevem com exatidão a forma como se deveria aplicar a penalidade.
É o caso da lei que diz que uma sacerdotisa que abrisse uma taverna – ou fosse vista bebendo em uma – deveria ser queimada. (Analistas argumentam que o problema não era o álcool em si, mas o fato de uma mulher em patamar de sacralidade imiscuir-se com plebeus.) Uma mulher surpreendida em adultério deveria ser amarrada a seu amante, e os dois jogados na água.
Entre os povos da Mesopotâmia, o empalamento era outro método comum. O condenado, nu, era amarrado sobre um espeto de madeira afiado. Seu corpo ia descendo, pela ação da gravidade, e sendo rasgado pela estaca. O empalamento era não apenas um método de execução, mas também de tortura e espetáculo público.
O princípio de deixar um prisioneiro morrer lentamente, agonizando à vista de todos, era comum a outras formas de execução frequentes no mundo antigo, como a crucificação e o engaiolamento (o preso era deixado em uma jaula, sobre um palanque, até morrer de fome).
Enquanto esses métodos combinavam de maneira equilibrada tortura, sofrimento lento e espetáculo, outros privilegiavam alguns desses aspectos em detrimento de outros. O esquartejamento na China imperial e outros reinos do Extremo Oriente, por exemplo, chocava as testemunhas por sua violência, mas era relativamente rápido. Os membros do prisioneiro eram amarrados a cavalos, e os animais eram chicoteados para correr em direções diferentes.
A morte na fogueira, em geral, também era breve (embora houvesse versões mais sádicas, em que brasas eram colocadas para queimar o condenado um membro de cada vez, lentamente, como se relatou que ocorria entre alguns povos indígenas da América do Norte), bem como o enforcamento e a decapitação com um machado ou com uma espada (ambos métodos quase universais).
A fervura em água, técnica largamente utilizada em diferentes civilizações, podia causar muito sofrimento e levar mais tempo, mas, quando se cozinhava um sentenciado em piche ou metal fundido, o desfecho era veloz.
Na Roma antiga, ainda no segundo século antes de Cristo, era usual a chamada condenação às feras, em que criminosos eram jogados aos leões e outros animais de grande porte em uma arena para a diversão dos plebeus. Esse tipo de entretenimento já era visto séculos antes em outras regiões do mundo antigo, como o norte da África e a Ásia Central.
Também em Roma, aos criminosos condenados por parricídio (matar o próprio pai) era aplicada a poena cullei, ou “pena do saco”. O condenado era colocado dentro de um saco de couro na companhia de quatro animais: um cão, uma cobra, um macaco e um galo. O saco era fechado e jogado em um rio. A técnica foi usada por séculos entre romanos e bizantinos, e sobreviveu até a Idade Média europeia.
Na Idade Média, aliás, houve uma certa atualização de diversos procedimentos de execução usados no mundo antigo, com a introdução de novos mecanismos e engenhocas projetadas especialmente para causar sofrimento. Tortura e execução estavam intimamente interligadas.
“O sofrimento do condenado era a certeza do dito do Antigo Testamento: olho por olho, dente por dente, mão por mão. As penas eram duríssimas se comparadas com o direito contemporâneo”, afirma o medievalista Ricardo da Costa, professor da Universidade Federal do Espírito Santo.
Costa explica que durante a Idade Média, especialmente na Península Ibérica, houve uma confluência de diferentes tradições do direito: o direito hebraico, o direito islâmico, o direito das tribos que derrubaram Roma (como visigodos e francos) e o direito da Igreja. Cada um tinha suas próprias penalidades.
Nos distintos reinados que se sucederam na região, além disso, também se estabeleciam códigos próprios. É o caso do Fuero Real do rei Afonso X, o Sábio, que governou Castela entre 1252 e 1284. “No Fuero Real, as penas mais graves são as que dizem respeito à fé católica e à moral. Por exemplo, se um cristão se convertesse ao judaísmo ou ao islamismo, a pena era morte na fogueira”, diz Costa.
A pena para uma mulher adúltera era decidida pelo marido traído, que poderia fazer o que bem entendesse com ela e o amante. A homossexualidade também era punida com a morte. “E era uma morte horrível: ambos deveriam ser castrados diante de todo o povo e depois do terceiro dia seriam pendurados pelas pernas até que morressem”, Costa descreve.
Quando o Direito Romano renasceu nos séculos 12 e 13, graças aos estudos nas universidades patrocinadas pela Igreja, os processos judiciais ganharam força, com a instituição de testemunhas e o registro de depoimentos. “Mas também se aceitava a tortura para a obtenção da verdade. Isso era uma unanimidade nas culturas de então, ainda que nos processos do direito canônico [conjunto de leis adotado pela Igreja] as torturas fossem menores e com duração mais curta que nos processos cíveis”, compara o professor.
E haja martírio antes das execuções. Reinava na Europa o princípio de que suspeitos e condenados deveriam sofrer tanta dor quanto possível, fosse com o objetivo de lhes arrancar uma confissão, fosse com o objetivo de matá-los.
Um dos mais célebres instrumentos de tortura, por exemplo, o cavalete, consistia em uma espécie de mesa de madeira com roletes nas extremidades. O prisioneiro era deitado sobre ele e tinha seus tornozelos amarrados a uma das pontas e os punhos à outra. Uma manivela era acionada para girar os roletes, o que estendia dolorosamente o corpo do supliciado – às vezes em até 30 cm.
Era comum que se deslocassem juntas e se rompessem músculos e ligamentos, o que geralmente incapacitava o torturado para o resto da vida. Mas muitas vezes o preso morria ali mesmo, com a coluna quebrada ou algum órgão interno rompido.
O cavalete já existia no mundo antigo, mas na Idade Média foi aperfeiçoado. Ele incluía um sistema de polias que garantia mais efetividade. Outra forma de tortura muito comum, o chicoteamento, podia ser eventualmente complementada com um dispositivo para arrancar porções da pele da vítima a cada golpe.
Também era comum a chamada roda de Santa Catarina, uma grande roda de carroça à qual o condenado era amarrado e espancado com um martelo até que se quebrassem vários de seus ossos. Se a morte não houvesse ainda ocorrido, o supliciado era jogado em um campo para que animais fossem atraídos por seu sangue e o comessem.
A execução pela serra era especialmente horrível. O apenado era colocado de ponta-cabeça, para que o sangue se concentrasse em seu crânio e ele pudesse sobreviver por mais tempo à grande hemorragia que se seguiria. Dois carrascos abriam suas pernas e serravam-no ao meio. Levava certo tempo até que o método causasse a morte, então se acredita que o preso conseguia ouvir o barulho de seus ossos sendo cortados.
A morte Iluminista
A partir do século 18, essas técnicas foram sendo gradualmente abandonadas – e o número de crimes sujeitos à pena capital foi sendo reduzido. Pensadores iluministas como o jurista italiano Cesare Beccaria e o médico francês Joseph-Ignace Guillotin defendiam, inclusive, a abolição da pena de morte.
Na impossibilidade de conquistar tal objetivo, Guillotin propôs que a execução fosse realizada com o mínimo de dor possível, o que poderia ser feito com o uso de uma máquina de decapitação extremamente rápida e eficaz.
Coube a outro médico, o fisiologista Antoine Louis, desenvolver tal equipamento. Era uma armação de madeira com altura de até quatro metros, que sustentava uma pesada lâmina em formato de losango. Quando a lâmina era liberada e caía sobre a nuca da vítima, o corte ocorria em milésimos de segundo – e sua cabeça rolava até uma cesta.
Guillotin ficou exasperado ao ver seu nome batizar a engenhoca. Isso aconteceu por causa da popularidade de um artigo, escrito por ele, que defendia a humanização das punições aos criminosos. O texto embasou uma lei aprovada em 1792, mesmo ano que em que a guilhotina começou a ser usada. Ela se tornou um símbolo da Revolução Francesa, sendo empregada para executar milhares de representantes do Antigo Regime.
Até o século 20, a guilhotina foi o método oficial de execução do governo francês. A última pessoa a passar pela guilhotina foi o tunisiano Hamida Djandoubi, condenado pela tortura e assassinato de uma jovem de 21 anos. Em 10 de setembro de 1977, Djandoubi foi guilhotinado na prisão Baumettes, em Marselha. Em 1981, a França aboliu a pena de morte.
“A guilhotina era pensada como uma solução mais humanizada do que a decapitação com um machado, que por vezes era imprecisa e levava a uma morte dolorosa”, argumenta Andrew Novak, professor de Direito na George Mason University, em Washington, e especialista em pena de morte.
Antes dela, os britânicos adotaram como forma primordial de execução o enforcamento, o que faziam de forma quase científica, “calculando a altura da queda do condenado e o quanto se deveria apertar o laço ao redor do pescoço, tudo matematicamente exato para uma morte rápida”, diz Novak.
As execuções modernas
A busca por métodos mais precisos de execução, fundamentada na ideia de que cabe ao Estado aplicar uma punição proporcional a alguém que cometeu um crime grave sem, no entanto, reproduzir sua crueldade, pegou carona no desenvolvimento técnico-científico no século 19. A principal delas foi a cadeira elétrica.
Na década de 1870, popularizou-se nos EUA a iluminação com lâmpada de arco voltaico, que exigia altíssimas voltagens. Com ela, tornaram-se comuns os acidentes com choques elétricos, geralmente com vítimas fatais.
Em 1881, uma dessas ocorrências foi relatada por um médico forense em uma conferência em Buffalo, Nova York. Um dos participantes do evento, o engenheiro e dentista Alfred Southwick, achou que poderia haver uma aplicação para aquela tecnologia. A cadeira elétrica surgiu pouco depois, e foi usada pela primeira vez em 1890. O primeiro executado foi William Kemmler, condenado por matar sua companheira. O processo ocorreu de maneira muito diferente do esperado.
Assim que acionaram a eletricidade, o corpo de Kemmler se contraiu inteiramente e ficou rígido como bronze, conforme um repórter do New York Times descreveu à época. Após pouco mais de um minuto, um dos médicos presentes declarou que Kemmler já estava morto e a corrente foi desligada.
Mas aí as testemunhas viram que o condenado ainda estava vivo, e respirando com enorme sofreguidão. O médico disse para os agentes ligarem novamente a energia, mas a cadeira precisava de um pouco de tempo para ser recarregada (o que era feito girando um dínamo).
Quando a eletricidade foi religada, o corpo de Kemmler novamente se enrijeceu. Dessa vez, entretanto, viam-se gotas de sangue porejando de seu rosto. Nos pontos onde os eletrodos estavam encostados, sobretudo nos cabelos do apenado, surgiram pequenas chamas.
O odor de carne queimada tomou conta do salão. Alguns dos presentes desmaiaram. A execução levou mais de oito minutos, e foi considerada um tremendo fracasso. Técnicos disseram que o dínamo forneceu uma voltagem instável e mais baixa do que a necessária. O título da reportagem do New York Times foi: “Muito pior que a forca”.
Os problemas da cadeira elétrica foram sendo parcialmente superados, e ela começou a ser adotada por diversos estados americanos. Tornou-se, logo no início do século 20, o principal método de aplicação da pena de morte no país, substituindo a forca. “A cadeira elétrica mascara parcialmente a violência inerente à pena capital, algo que um pelotão de fuzilamento deixaria muito explícito aos olhos do público”, diz Novak.
Mas alguns estados mantiveram a pena de enforcamento. Desde 1976, três prisioneiros foram enforcados nos EUA, e o estado de New Hampshire, embora tenha banido a pena de morte em 2019, continua adotando a forca – ela pode ser aplicada em sentenciados antes dessa data. Cinco estados (Mississippi, Oklahoma, Utah, Carolina do Sul e Idaho) ainda empregam o fuzilamento.
Um dos atiradores é munido apenas com balas de festim, e nenhum dos membros do pelotão sabe quem ele é. Dessa maneira, os carrascos não ficam sabendo quem foi responsável pela execução e correm menos risco de desenvolver transtornos psicológicos.
Ao mesmo tempo, o movimento para buscar uma execução mais “humanizada” continuou – e levou à adoção crescente da injeção letal, que se tornou o método hegemônico dos anos 1980 para cá.
Desde 1976, 1.410 prisioneiros foram mortos com injeção letal nos EUA, enquanto 163 foram eletrocutados e 3 foram fuzilados. “A injeção letal se parece com um procedimento médico, como uma cirurgia. Entre muitos americanos, ela é aceita como uma forma indolor e mais civilizada de matar”, analisa Novak.
Em geral, a injeção letal envolve a combinação de drogas para causar inconsciência e paralisar a respiração e o coração. Em tese, é um método eficaz e rápido de levar à morte. Mas, ao longo da História, nem sempre foi assim. Em algumas execuções, as drogas não foram devidamente injetadas em uma veia do condenado, mas em tecidos musculares, o que causa sofrimento e retarda a morte.
Críticos da injeção letal argumentam que os anestésicos utilizados, como o tiopental sódico, têm ação muito curta. Os condenados podem recuperar a consciência durante a execução, mas não são capazes de expressar isso pois estão paralisados pelas outras drogas.
Nos últimos anos, parte das companhias farmacêuticas que produzem as drogas usadas na injeção letal têm se recusado a vendê-las com esse fim. A Europa também baniu as exportações de tiopental para os EUA, por saber que a substância seria usada em execuções.
Foi isso, não só a busca por procedimentos menos dolorosos, que levou à procura por outros métodos – especialmente a asfixia por nitrogênio. O Alabama foi, até agora, o único estado a utilizar o novo método.
“O nitrogênio deveria causar sonolência e depois morte. Mas não foi o que aconteceu. Realmente não sei se a busca por técnicas ditas mais humanas e civilizadas faz sentido”, Novak pondera. É claro que, quando se consideram as execuções medievais – “nas quais a morte é quase que um subproduto da tortura”, como Novak define –, os métodos modernos parecem ser um avanço. “Essa é uma ideia enganosa. Uma execução é sempre violenta”, diz. De fato.
A pena capital ainda é aplicada em 54 países, como Japão, China, Índia, Irã e EUA. Em solo americano, o número de execuções vem caindo. “Tivemos apenas duas execuções em 2024 [até agora]. Tempos atrás, eram dez por mês”, compara Novak. “A indústria da pena de morte está em declínio”, diz ele. Tomara que sim.
Fonte: abril