Quando benzeu alguém pela primeira vez, o poconeano Benedito Silverio Pereira, hoje com 98, tinha apenas dez, mas pegou uma folha e rezou pela perna machucada de um idoso. Ele lembra que, no dia seguinte, o ferimento e o inchaço diminuíram. Desde então, mesmo com a saúde debilitada, “Xô Dito Benzedor”, como é conhecido popularmente nas ruas do bairro Novo Terceiro, em Cuiabá, continua mantendo a tradição do benzimento viva, sendo um dos benzedores mais antigos da cidade.
Sobre a história da primeira vez que benzeu alguém, ele reforça que não sabia o que estava fazendo, mas foi “usado por Deus”. “Tinham dois escravos idosos sentados, um deles estava com a perna inchada, escorrendo, encostei nele e falei: Tio, benze essa perna, isso mata. Ele respondeu: Guri, vai embora, você não sabe nada. Ele me chamou e eu voltei, nunca fiz isso, peguei uma folha e benzi a perna dele”.
Há mais de 53 anos, Xô Dito vive no mesmo terreno que fica às margens do Rio Cuiabá. Ele não faz propaganda ou marketing sobre si mesmo, mas conta que todos os dias aparecem pessoas, principalmente bebês e crianças, para serem benzidas por ele. Para achá-lo, basta perguntar para os vizinhos, que apontam com facilidade o caminho da casa do poconeano.
“Todo mundo no bairro me conhece, as pessoas vão chegando, vem gente de longe. Benzo uma pessoa que está em Portugal, Alemanha, tem outra em São Paulo, a benzeção é um pensamento, o que manda é a fé, se você tiver fé, um gole de água tem cura. Eu não faço nada, Deus é quem faz”.
Benedito lamenta que a tradição de benzer não será transmitida para outras gerações de sua família. “Minhas crianças, meu povo, ninguém se interessa por isso, também não posso obrigar, vai parar em mim. Tenho muita fé e meu caminho é esse, não tenho nada contra ninguém, cada um segue o que quer, meu caminho é esse”.
Sentado em uma cadeira de fio no quarto de casa, Xô Dito une as mãos algumas vezes e agradece por ainda conseguir benzer os que lhe procuram. Quando se mudou para o terreno em que mora no bairro Novo Terceiro, a paisagem era outra.
“Quando cheguei aqui eram só chácaras, o Cidade Alta era só uma avenida, não tinha nada aqui. Gosto de morar aqui, vou para Poconé, passo o dia, mas de tarde já quero ir embora. Não tenho nem como agradecer a Deus por ainda estar aqui, é muito tempo, vi muita coisa mudar, rodei demais”.
Além de benzer, Xô Dito também serviu ao Exército em Cáceres e Vila Bela da Santíssima Trindade, entre 1947 e 1948. Depois, foi vaqueiro e peão durante 25 anos. Ele teve oito filhos, mais de 15 netos e já tem tataranetos.
“Acho que isso veio por Deus, não tem explicação, o povo pede para eu parar de benzer, porque já estou velho, mas Deus me deu isso, vou benzer até o dia que Deus quiser, só vou largar quando eu morrer”.
O benzedor afirma não ter medo da morte, mas teme sofrer e perder a autonomia que ainda tem. Para Benedito, ainda conseguir tomar banho e comer com as próprias mãos são vitórias diárias.
“Peço a Deus que não me deixe sofrer, ficar sem andar ou falar. Agora sinto umas tonturas, mas não tenho como agradecer por estar aqui, tomo banho com minhas mãos, como com minhas mãos, minha vista está ruim, mas estou enxergando, ainda domino o que é meu, graças a Deus. Tem gente que carreguei na cintura e hoje não anda, não fala, mas eu estou aqui. É um mundo bom de viver”.