Ano apĂłs ano, o nĂșmero de brasileiros que deixaram de consumir carne sĂł vem aumentando. Um levantamento feito este ano pela empresa de pesquisa Ipsos para o programa EscolhaVeg, da ONG MFA (Mercy For Animals), no Brasil, aponta que um a cada cinco brasileiros, ou 20% da população do paĂs, por vontade prĂłpria nĂŁo consome carne de vaca, de frango ou de porco.
Murilo Telles, 32, de SĂŁo Paulo, faz parte dessa estatĂstica e diz estar muito satisfeito com sua escolha. Em 2016 ele retirou do prato as principais carnes de animais consumidas no dia a dia. âCresci consumindo muita carne e produtos de origem animal, mas sĂł depois de adulto Ă© que comecei a me preocupar com o impacto disso no meu corpo e no meio ambienteâ, explica.
Segundo Murilo, depois que ele leu uma reportagem sobre criação e abate de animais e pouco depois visitou um sĂtio e viu matarem um porco, sentiu algo muito estranho e forte dentro de si, como uma repulsa, que o motivou a querer parar de comer carne. âFoi a melhor coisa que fiz. Antes eu vivia indisposto, era mais irritado e, em situaçÔes com carne, sentia ansiedade e culpa, pois gosto e tenho animais em casa, e hoje nĂŁo sinto mais nada dissoâ, continua ele.
Cientificamente, Ă© sabido que uma alimentação com excesso de carne âsobretudo vermelha e processadaâ pode fazer muito mal Ă saĂșde fĂsica e mental. AlĂ©m de aumentar o risco de cĂąncer, o consumo desse alimento estĂĄ associado ao aumento de radicais livres, inflamaçÔes, desequilĂbrios hormonais que desregulam o humor, e transtornos, como a mania. âPorĂ©m, nĂŁo podemos afirmar que dietas vegetarianas ou veganas por si sĂŁo fatores de proteção para doenças mentaisâ, informa Lucas Alves Pereira, psiquiatra do Hospital PortuguĂȘs, de Salvador.
Para o paulista ClĂĄudio Santos, 36, de Brotas (SP), seguir uma alimentação somente Ă base de plantas, ao contrĂĄrio de Murilo, nĂŁo foi tĂŁo vantajoso como ele esperava. Ele ficou um ano e meio sem carne e diz que sua depressĂŁo voltou. âSofri tanto com os efeitos diretos, no corpo, como indiretos, a repercussĂŁo nas minhas relaçÔes sociais, autoimagem, autoconfiança, e voltei atrĂĄs. Precisei fazer de novo psicoterapia e usar medicamentosâ, conta.
Pereira explica que as proteĂnas de origem animal sĂŁo ricas em vitamina B e a falta em especial da B12 por muito tempo, sem reforço de suplementação, pode levar ao agravamento de sintomas depressivos. âAdemais, sem uma quantidade adequada de zinco e ferro, que Ă© abundante nas carnes, o cĂ©rebro recebe menos oxigĂȘnio, lentifica e fica sujeito Ă fadiga e falhas de raciocĂnioâ, diz o mĂ©dico.
Ă preciso avaliar outros impactos
Algumas pessoas optam por uma dieta vegetariana ou vegana (que exclui todos os produtos de origem animal), enquanto outras apenas reduzem o consumo de carne ou preferem fontes alternativas. Mas independentemente da escolha, é importante uma alimentação equilibrada e variada, que forneça todos os nutrientes essenciais para o bom funcionamento do organismo.
âIgualmente, procurar orientação mĂ©dica e fazer exames periĂłdicos, para verificar deficiĂȘncias nutricionais, ou jĂĄ com condiçÔes como perda de memĂłria, anemia, demĂȘncia em estĂĄgio leve, transtornos, como ainda anorexia e bulimia, pois a vitamina B12 participa de vĂĄrios processos e atua no sistema nervosoâ, esclarece Renato Zilli, endocrinologista do Hospital SĂrio-LibanĂȘs.
Ă vĂĄlido ressaltar que ao querer rever os prĂłprios hĂĄbitos alimentares, Ă© necessĂĄrio considerar antes tambĂ©m o estado psicolĂłgico e emocional para lidar com as abstinĂȘncias, crĂticas e atĂ© mesmo preconceito. âPessoas que nĂŁo comem carne muitas vezes sofrem estigma, sendo por razĂ”es filosĂłficas ainda mais, como os que citam a crueldade animalâ, explica Pereira.
âA maioria, por ser onĂvora, tem dificuldade de compreender e rebate, ridiculariza, busca isolar vocĂȘ dos demaisâ, comenta ClĂĄudio Santos.
Como fazer uma transição correta
Buscar informaçÔes seguras para planejar uma mudança alimentar, que deve ser gradual, alĂ©m de ter uma rede de apoio, sĂŁo algumas dicas para quem opta por parar de comer carne, como fez Murilo: âNo meu caso foi mais difĂcil tratar dessa questĂŁo com minha famĂlia. Para poder conscientizĂĄ-los, tive que estudar, ir com eles a restaurantes veganos e contar com amigosâ, diz.
Yuri Busin, psicĂłlogo pĂłs-graduado pela PUC-RS, explica que com dificuldades em se posicionar, argumentar, encontrar alguĂ©m para desabafar, ou angĂșstia, indecisĂŁo e enfrentando hostilidades, vale buscar ajuda de especialistas em comportamento humano. âOlhar para si, se questionar e compreender suas motivaçÔes e valores sĂŁo Ăłtimas premissas para aprender ou continuar a agradar a si e nĂŁo aos outros, e nĂŁo se punirâ, diz.
A nossa comida carrega um simbolismo muito forte. NĂŁo Ă© apenas alimento, mas tambĂ©m uma forma de expressĂŁo, identidade e cultura, continua Busin. O que ingerimos reflete nossas preferĂȘncias, crenças, sentimentos, podendo influenciar o nosso comportamento, as nossas atitudes e relaçÔes. AtravĂ©s dela, Ă© possĂvel conhecer melhor os outros, valorizar a diversidade e o respeito. Portanto, devemos apreciar a comida como uma fonte de obtenção de bem-estar.
Fonte: uol