Não dá para contar nos dedos a quantidade de séries de televisão que passaram – às vezes, muito – da hora de acabar. Ao longo de dezenas de temporadas e centenas de episódios, boas histórias desgastaram tudo o que trouxeram de melhor e nos mostraram que significa, de verdade, a ideia batida mas aplicável aqui de que “ou você morre como herói ou vive tempo suficiente para se tornar um vilão”.
O contrário, no entanto, é mais difícil ver acontecer: com exceção de cancelamentos causados por fatores externos (audiência, perda de elenco, decisões estratégias), são poucas as produções em que o fim é parte fundamental da história desde o início.
É com este contexto em mente que Succession dá a cartada final em uma trama que vai entrar para a história da televisão não só pela qualidade técnica que apresentou ao longo da jornada, mas pelo pulso firme que manteve até o fim – impossível sabermos exatamente quais foram os termos que definiram a duração da série, mas a obra certamente não parece ter sido encerrada por falta de interesse do público.
“Sabe, há uma promessa no título de Succession. Nunca pensei que pudesse durar para sempre. O fim sempre esteve presente em minha mente (…) poderíamos continuar por muito tempo e transformar a série em algo muito diferente ou fazer algo um pouco mais robusto e completo e ‘sair por cima’ E essa foi definitivamente sempre a minha preferência”, afirmou o criador da série, Jesse Armstrong, em entrevista à The New Yorker. Assim, o questionamento que surge vai no caminho oposto: a série podia durar mais?
Ainda que tenha encerrado (magnificamente!) um ciclo de “sucessão”, como o criador prometeu, a história dos personagens de Succession certamente ficou longe do fim – ao contrário, a série termina deixando a sensação de que a grande virada na vida dos irmãos Roy vai começar a partir dali. E esse foi o melhor final possível para uma jornada que nos equipou com todas as ferramentas para interpretar e imaginar grandes cenários.
Por que Succession precisava acabar?
É natural que a pergunta “quem vai ganhar?” fique pairando durante toda a história e, mais natural ainda que tenhamos o desejo de ter respostas. Em meio a tantas produções cujas jornadas são só um veículo para o final (e uma vez que você recebe o “spoiler” quase nada sobra), Succession é um exemplo de que se ganha quando o caminho é maior e mais importante do que o fim propriamente dito.
Olha só, a gente sabe que um desfecho ruim prejudica o sentimento da experiência como um todo (ninguém aqui aguenta mais remoer Game of Thrones, Dexter e tantas outras), mas a genialidade de Succession está também em nos ensinar, ao longo dos anos, que algumas histórias não têm fim, que ciclos se repetem e que vencer em um dia não significa vencer para sempre. O que aprendemos com todas as mudanças pelas quais Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook) e Roman (Kieran Culkin) passam é que o jogo muda quando as vontades mudam – e como elas mudam ao longo do tempo.
É como se a história aqui nos desse elementos meticulosamente articulados e detalhados para entender o que é um jogo deste tamanho do poder e quais são os pontos mais críticos. Com inspiração em acontecimentos e pessoas reais, Succession se mantém tão interessante do começo ao fim porque não precisa se esticar demais – e, ao contrário, se beneficia das coisas não ditas, de não procurar se explicar demais e de confiar na capacidade do público de tentar prever certos cenários – e surpreendenr a partir daí.
Aliada ao texto impecável e atuações espetaculares, a confiança na participação de quem está testemunhando a história torna a fórmula de Succession um exemplo a ser referenciado e certamente eleva o nível de competição em produções que ainda estão por vir.
A sensação é de que o tempo de vida marcado deu à série de Jesse Armstrong o trunfo da organização e do bom planejamento: sem a necessidade de prolongar demais as histórias com uma porção de novo elementos encontrados pelo meio do caminho, os detalhes ganham mais tempo, relevância e trabalham – a todo vapor e a todo momento – a favor da trama principal.
Desde o início de Succession, o magnata Logan Roy (Brian Cox) nos diz exatamente o que esperar de seus filhos, então, em vez da pergunta “quem vai ganhar?”, talvez a pergunta correta fosse “ele estava certo?” – e para esta sim, ganhamos uma grande, derradeira e espetacular resposta. Ainda bem que acabou.
Fonte: adorocinema