Execuções extrajudiciais, tortura, violações sexuais, desaparecimentos. Não são acusações levianas ou provocadas por antipatia política, embora esta seja plenamente justificada.
(Bem-vindo, salve, viva, aleluia, é um prazer te receber aqui outra vez, olhem a elegância dela, será que será a futura presidente – não, não, estamos falando da toda poderosa primeira-companheira visitante –, ouvia-se em Brasília).
Quem fez um levantamento dos crimes cometidos sob a égide do déspota venezuelano foi o Tribunal Internacional de Haia, através de seu promotor, Karim Khan, advogado escocês de origem indiana.
“Desde pelo menos abril de 2017, milhares de opositores foram alegadamente perseguidos por motivos políticos, presos e detidos sem base legal adequada; centenas alegadamente torturados e mais de 100 foram alegadamente submetidos a formas de violência sexual, incluindo a violação”, diz o informe de 22 páginas, a primeira investigação do tipo feita na América Latina.
(“A volta da relação do Brasil com a Venezuela é plena”, bradou-se em Brasília).
A política de violacões “sistemáticas” dos direitos humanos foi incentivada e aprovada pelo governo e executada por membros das forças de segurança do Estado, com a possível ajuda de grupos e indivíduos favoráveis ao governo. As técnicas de agressão incluíam espancamento, asfixia, afogamentos e choques elétricos.
(Ha, ha, ha. Salve, salve. “Nós sabemos das dificuldades que nós temos, das empresas que estão na Venezuela e que querem voltar lá, do tamanho da dívida do país, e isso fará parte de um acordo que faremos para que nossa integração seja plena”, proferiu-se em Brasília).
O governo venezuelano não foi capaz de demonstrar que “tenha realizado ou esteja realizando investigações ou julgamentos que reflitam o alcance da investigação prevista pelo Tribunal”.
“Sérias violações aos direitos humanos continuam sendo praticadas na Venezuela até a presente data”, disse outra fonte acima de qualquer suspeita, Marta Valiñas, presidente da Missão Internacional Independente da ONU para a Venezuela.
(Bateram continência para o visitante em Brasília. O inspirador do “cartel dos sóis”, as insígnias dadas aos generais do bolivarianismo, todos cooptados pelo poder da cocaína).
Não estamos tratando aqui da destruição econômica em massa de um país rico em petróleo, equivalente a ser alvo de várias bombas nucleares em termos de fome, miséria e uma inflação que ultrapassou os 100 000%, um número difícil até de ser concebido. No auge da desgraça, em 2017, 64% dos venezuelanos emagreceram em média 11 quilos.
(“Quem sabe ele comece a pagar em yuan. Quem sabe a gente possa receber em moeda de outro país. É culpa dele? Não, é dos Estados Unidos, que fizeram um bloqueio extremamente exagerado”, proclamou-se em Brasília).
Também deixamos de lado as acusações de narcotráfico, terrorismo e corrupção muito bem embasadas pelo Departamento de Justiça – assim os antiamericanos por natureza não estremecem.
(“Briguei muito com os companheiros sociais-democratas, europeus, governos, pessoas dos EUA, eu achava a coisa mais absurda do mundo, para as pessoas que defendem a democracia, que você era o presidente da Venezuela, tendo sido eleito pelo povo, e o cidadão que foi eleito deputado fosse reconhecido presidente da Venezuela”, desmanchou-se em elogios a voz vinda de Brasília).
Ao longo do ano de 2022, pelo menos 824 pessoas foram mortas por policiais e militares, diz uma investigação conjunta de uma ONG respeitada, Provea, e da Fundação Centro Gumilla, instituição jesuíta.
(Ah, sim, também teve quem falasse em “corredor bioceânico” em Brasília. Uma rota de poeira pura).
Venezuelanos, tanto os sete milhões entre vocês que não aguentaram a miséria, entre outros horrores, instalada em seu país como os que continuam a enfrentá-la, perdoem-nos. Incontáveis brasileiros são contra a injúria montada em Brasília. O déspota definir sua visita como “um fato histórico, transcendental” foi um tapa final na cara de todos nós. Mas não foi ele quem ofereceu a nossa cara para a bofetada. Quem fez isso também viu um acontecimento histórico na farsa.
Ah, sim, o déspota também falou em cooperação no combate ao narcotráfico. Seria de dar gargalhadas se não tivéssemos tantos motivos para estar tristes e humilhados.
Caros venezuelanos, irmanamo-nos com vocês nesse momento de luto. Sabemos que não receberam benefício nenhum do dinheiro suado de todos os brasileiros que choveu em bolsos privilegiados da Venezuela. E as malas recheadas de dólar – talvez na próxima de yuans? – que vinham no sentido inverso? Também foram para os privilegiados daqui. Não vamos esquecer, da mesma forma que vocês.
Ah, sim, a dívida foi “reprogramada”.
Fonte: Veja