O volume de consultas em pronto-atendimento de pacientes com transtornos alimentares aumentou consideravelmente durante e após a pandemia e ainda não voltou aos patamares anteriores, segundo um levantamento que acaba de ser finalizado nos EUA.
Estudos apontam um aumento na incidência e na gravidade desses distúrbios após a emergência sanitária global.
Para avaliar esse impacto, pesquisadores da Universidade de Harvard examinaram os registros mensais de 38 hospitais pediátricos nos EUA de pacientes com idades entre 12 e 17 anos em dois momentos: antes da pandemia (entre janeiro de 2018 e março de 2020) e, depois, de abril de 2020 a junho de 2022.
- Os números mostram que 27 meses antes da crise do coronavírus houve 2.793 visitas relacionadas a transtornos alimentares.
- Esse valor subiu para 5.217 no mesmo intervalo de tempo após o surgimento da covid-19, ou seja, um aumento de quase 87%.
- Esses pacientes procuram os serviços com quadros como desidratação intensa, grande perda de peso e até alterações no ritmo cardíaco.
- Mudanças bruscas na rotina, o isolamento social, o estresse da pandemia e até mesmo o acesso limitado a tratamentos agravaram distúrbios psicológicos, como ansiedade e depressão.
- Os pesquisadores também notaram o aumento de transtornos alimentares como compulsão, anorexia e bulimia.
“Os adolescentes ficaram mais restritos ao ambiente familiar, prejudicando a relação com os pares. Num primeiro momento isso melhorou a escolha de alimentos, mas o excesso de estímulos tecnológicos favoreceu um maior envolvimento com influenciadores digitais e o mundo virtual se tornou a grande referência”, observa a pediatra Alda Elizabeth Boehler Iglesias Azevedo, presidente do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Para os jovens suscetíveis a transtornos, isso trouxe mais dificuldade em lidar com o corpo. O próprio isolamento afeta a construção da imagem corporal, pois esse processo também depende dos estímulos externos.
“A distorção dessa percepção, a grande insatisfação e a preocupação com o corpo geram atitudes e comportamentos negativos e destrutivos”, completa a pediatra.
Prevenção
Os transtornos alimentares afetam cerca de 9% das pessoas no mundo todo. A grande maioria das pessoas com essa doença é de mulheres com pico de início entre os 15 e 19 anos, segundo dados da ANAD (National Association of Anorexia Nervosa and Associated Disorders, que em tradução livre é Associação Nacional de Anorexia Nervosa e Distúrbios Associados).
- Fatores genéticos, ambientais e familiares estão entre as causas.
- Em 70% dos casos, há também outros distúrbios psiquiátricos, como bipolaridade, ansiedade e depressão.
“O pediatra é fundamental na prevenção e para auxiliar o paciente e sua família a implementar hábitos saudáveis de alimentação e atividade física e, é claro, desestimular dietas e uso de medicamentos para emagrecer”, diz a médica.
Azevedo observa que, apesar de ser mais comum entre as meninas, os transtornos alimentares também afetam meninos em diferentes faixas etárias, inclusive, naqueles que praticam esportes.
“Também é preciso aumentar a conscientização sobre relações problemáticas com alimentos ou exercícios em meninos, algo que vem sendo muito relatado em atletas dessa idade”, acrescenta.
As refeições em família e as conversas sobre a imagem corporal, prestando atenção ao que o adolescente fala sobre si mesmo, também são essenciais.
“O consumo de informações na internet sobre comportamento alimentar e imagem corporal deve ser cauteloso, pois é fonte de grande influência negativa”, diz a médica.
O diagnóstico precoce aumenta a chance de sucesso, além de ajudar a evitar que a doença cause maiores prejuízos à saúde física e emocional ou se instale a longo prazo. Nos adultos, o tratamento é mais difícil, com altos índices de morbidade e mortalidade.
Quando devo me preocupar?
Os sinais nem sempre são óbvios, mas vale ficar atento se:
- O adolescente tem uma alimentação bagunçada, com comportamentos problemáticos como fazer todo tipo de dieta, pular refeições, ou apresentar sentimentos de vergonha evitando comer em público.
- A pessoa passa a eliminar certos grupos de alimentos como laticínios, carnes, sobremesas.
- Faz uso de remédios como esteroides, pílulas dietéticas, laxantes.
- Pratica atividade física em excesso, sendo incapaz de tirar um dia de descanso.
- Nem sempre o transtorno está associado à magreza. Em alguns casos, o anoréxico pode ter medo intenso de engordar, mas não está excessivamente magro.
- Ainda assim, pode precisar hospitalização por desnutrição, batimentos cardíacos lentos demais ou pressão baixa.