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O golpista: a história do filho de brasileiros eleito com tudo fake

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“Eu não sou uma fraude, não dei um golpe no país inteiro.” Os fatos indicam que George Santos fez exatamente isso para ser eleito deputado pelo Partido Republicano – ou apenas para tirar vantagem ou porque é simplesmente um fabulista, uma pessoa que inventa uma vida falsa para si mesma.

Alguns casos recentes foram serializados nos , mostrando a facilidade com que estelionatários criam falsas identidades e convencem os crédulos. Ou seja, a maioria de nós que não conseguimos conceber como é possível ter tanta cara de pau.

A diferença, no caso de George Santos, filho de brasileiros que foram morar em Nova York, envolve política, uma atividade notoriamente pouco comprometida com a materialidade dos fatos.

Se ele não tomar posse, for obrigado a renunciar ou acabar cassado, também pode abalar a maioria de apenas nove deputados que os conseguiram na Câmara (222 contra 213 dos democratas). É relativamente raro que deputados americanos votem contra a orientação do partido ou de seus compromissos eleitorais, ao contrário de todo mundo sabe qual país, mas uma maioria de apenas nove votos, que poderia ser reduzida para oito caso Santos não tenha um futuro brilhante na política, dá uma dimensão muito maior ao caso.

O primeiro a levantar a pista foi o New York Times, seguido por outras publicações que desconstruiram o edifício que George Santos, de 34 anos declarados, ergueu. Era tudo mentira: os avós judeus que fugiram da Ucrânia para a Bélgica e daí para o Brasil, a formação no Baruch College, o trabalho no Citibank e na Goldman Sachs e até a ONG de resgate de cães e gatos. A fortuna familiar na administração de imóveis e investimentos? A mãe que se tornou a “primeira mulher a presidir uma instituição financeira”? Ou, pelo menos parcialmente, até a convicção gay, uma vez que foi casado com uma mulher, de quem se divorciou?

Tudo inventado. Note-se que o currículo dos sonhos abrange minorias com as quais conta pontos se identificar em Nova York. Como candidato, ele fez muita campanha entre a comunidade de judeus ortodoxos.

Depois de eleito, George Santos chegou a palestrar numa associação de judeus republicanos antes que a explodisse. Dizia que o sobrenome original da família materna era Zabrovsky.

A mãe, Fátima, era auxiliar de enfermagem e a família precisou recorrer a uma igreja de Nova York frequentada por brasileiros quando ela morreu. Todos os avós nasceram no Brasil e a única ligação com a Bélgica é um bisavô que veio trabalhar em Petrópolis, o engenheiro Leonard Antoine Horta Devolder. É possível que tenha inspirado o nome do deputado fabulista, George Anthony Devolder Santos.

No começo, ele desmentiu, através de um advogado, as “alegações difamatórias”, usando até uma frase de Churchill: “Você tem inimigos? Bom, significa que você tomou uma posição em algum ponto da sua vida”.

Apropriadamente, a frase é fake. Ou pelo menos sua atribuição. Foi escrita por Victor Hugo.

Depois, apelou à vitimologia, dizendo que um “gay latino” estava sendo perseguido.

Quando não dava mais para desmentir os fatos, Santos mudou de tática: passou a admitir que havia “embelezado” o currículo. Procurou meios que seriam teoricamente simpáticos a um republicano. Grave engano. Entrevistado por Tulsi Gabbard, a ex-deputada que está cobrindo as férias de Tucker Carlson no Fox, foi simplesmente demolido.

A entrevistadora não deixou que ele tomasse o caminho mais fácil, de dizer que outras figuras conhecidas também mentiram – mais famosamente, Hillary Clinton sobre ter desembarcado na Bósnia sob fogo de franco-atirados, e Joe Biden sobre praticamente tudo, sendo que, nas mais recentes deturpações, alega que seu filho Beau morreu no Iraque. Ele na verdade foi vítima de um câncer no cérebro.

“Fiz, mas todo mundo faz” obviamente não é desculpa para um deputado eleito sobre uma montanha de mentiras.

E o caso não se limita ao desmoronamento moral. Santos também está sendo investigado criminalmente e agora surgiu a suspeita sobre a origem dos 700 mil dólares que doou à sua própria campanha. Qualquer um pode doar o quanto quiser a si mesmo, contanto que o dinheiro venha da pessoa física. Se vier da jurídica, é crime. Ou, claro, se tiver servido de fachada para outros doadores.

Embora desiludidos, como em tantos outros países, muitos americanos esperam que seus políticos tenham integridade. Ou pelo menos não mintam descaradamente. Quando são flagrados, a tendência é culpar a pessoa por seu erro, não o país. No Brasil, ao contrário, as reações ao caso George Santos tenderam para a responsabilização coletiva – o famoso “coisa de brasileiro”.

Santos, que tem um processo por estelionato em Niterói (uso de cheques furtados do empresário Bruno Simões), não representa “os brasileiros”. Representa a si mesmo – e os pobres eleitores engabelados por sua lábia fina, como todo 171.

Antes da eleição, e sua posterior desconstrução, ele deu uma ótima entrevista ao G1. Inclusive falando verdades.

“Eu cresci numa cidade maravilhosa”, disse sobre Nova York. “No momento em que ela mudou para (um governo) democrata, a gente viu a destruição da cidade ano após ano. Uma destruição visível de qualidade de vida, de segurança, de tudo”.

Outro ponto que ele defendeu: proibir que membros imediatos das famílias de congressistas invistam na bolsa, para coibir o uso de informações privilegiadas.

A análise de investimentos de deputados e senadores dos dois partidos indica mudanças que dificilmente podem ser explicadas por decisões aleatórias – e aí está um caso muito, muito mais grave do que o do currículo absurdamente falso de George Santos.

Fonte: Veja

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