É um dos maiores tubarões do mundo. Tem seis metros de comprimento e pesa mais de uma tonelada. Predador voraz, devora focas, golfinhos, aves, e polvos – e esses nem são os seus dados mais impressionantes.
Essa é uma breve descrição do tubarão-da-Groenlândia, o vertebrado com a maior longevidade que a ciência conhece: ele pode viver mais de 400 anos. Eles atingem a maturidade sexual por volta dos 150 anos – e a gestação dos filhotes dura entre oito e 18 anos.
O que era uma espécie anônima dos oceanos Ártico e Atlântico Norte ganhou a fama em 2016, quando os resultados de uma datação por radiocarbono da espécie foram publicados na famosa revista científica Science. Foi a primeira vez que descobriu-se que os tubarões mais velhos podem viver tanto tempo assim.
Desde então, a espécie é estudada minuciosamente por equipes de cientistas de todas as especialidades, na esperança de desvendar o segredo da sua longevidade. Alguns pesquisadores já argumentaram que a resposta poderia ser uma questão metabólica, por exemplo.
Entender diferentes aspectos da vida desses animais pode ser útil para a entender a própria saúde humana. A expectativa é que descobrir um ou outro mecanismo pode ajudar a, por exemplo, produzir diagnósticos e tratamentos melhores contra condições ligadas ao envelhecimento, como o câncer.
Agora, uma equipe de pesquisadores da Alemanha, da Itália, da Dinamarca e dos EUA realizou uma proeza que pode ser essencial para entender a espécie mais a fundo: o sequenciamento completo do seu DNA. Na prática, isso é como conseguir acesso ao livro de receitas que contém as instruções de como essa espécie funciona.
O genoma do tubarão-da-Groenlândia é bem grande: tem 6,5 bilhões de pares de bases de DNA, cerca de duas vezes mais do que o dos seres humanos. É o maior genoma de qualquer outro tubarão sequenciado até o momento.
Não que isso diga muita coisa: há muitos nacos desnecessariamente grandes no genoma da espécie. É como se o livro gastasse muitas páginas vazias, inúteis ou longas demais para descrever as instruções da receita.
O estudo do sequenciamento genômico está disponível no site BioRxiv, e ainda não foi revisado por outros cientistas da área. A análise ainda é preliminar, ou seja, o sequenciamento deve continuar revelando novas respostas conforme outras pesquisas e experimentos forem feitos com base nele.
Mas uma grande surpresa já foi encontrada: dois terços do genoma do tubarão-da-Groenlândia são compostos por genes repetidos, conhecidos como genes saltadores. Eles têm esse nome porque se inserem em outros e se auto-replicam, como se fizessem um copiar e colar de si mesmo.
Nesse processo, podem atrapalhar o gene invadido, e causar mutações ou mudanças genéticas que levam ao desenvolvimento de doenças ou problemas de desenvolvimento no organismo. “Eles são parasitas, parasitas genômicos”, disse, em entrevista ao New York Times, Steve Hoffmann, biólogo computacional que liderou a pesquisa. “Eles têm uma reputação muito ruim.”
Como foi feita a pesquisa
Os pesquisadores passaram anos pesquisando na costa da Groenlândia. O tubarão velhote é difícil de ser encontrado, já que prefere águas frias e profundas. A equipe capturou e submeteu à eutanásia alguns espécimes para coletar amostras de tecido de suas medulas espinhais.
Foi a partir dessas amostras que o DNA foi extraído, sequenciado e comparado ao de outros tubarões. Nessa fase, os pesquisadores constataram a existência de uma rede de 81 genes que foram encontrados somente em tubarões-da-Groenlândia e que desempenham um papel no reparo do DNA.
Os pesquisadores sugerem que os genes responsáveis pelo reparo do DNA podem ter evoluído para “hackear” o mecanismo dos genes saltadores. Assim, em vez de copiarem e colarem a si mesmos, invadindo e bagunçando o organismo, esses genes saltadores replicariam os genes de reparação, os responsáveis por limpar a bagunça do corpo. Isso poderia ajudar a explicar como esses tubarões vivem tanto tempo sem problemas graves decorrentes do envelhecimento.
Outra descoberta de destaque foi a presença de um gene que é velho conhecido dos pesquisadores: o TP53, que é apontado em alguns estudos como responsável pelo reparo do DNA e supressão de tumores. Alguns cientistas acreditam, por exemplo, que a presença desse gene nos elefantes seja a responsável pela resistência desses animais ao câncer.
Mas ainda não dá para afirmar que nenhum desses elementos é responsável, sozinho, pela longevidade excepcional dos tubarões. Ainda são necessários muitos outros estudos, como os que replicam os tecidos em laboratório para manipulá-los geneticamente e ver o que acontece.
Em entrevista ao New York Times, Steven Austad, biólogo da Universidade do Alabama que não participou do estudo, disse que, seja qual for a direção que a pesquisa tomar, é um momento empolgante para a pesquisa do tubarão-da-Groenlândia. “É agora que a diversão começa”, disse ele. “Agora que temos o genoma, é uma questão de desenvolver hipóteses e testá-las.”
Fonte: abril