Quem tem violão em casa sabe: manter um instrumento afinado é um inferno. A menor mudança de temperatura ou umidade já é o suficiente para mexer no humor das cordas e transformar uma sinfonia em cacofonia.
Isso acontece porque os materiais que compõem os instrumentos são muito sensíveis às condições do ambiente. A madeira, por exemplo, incha quando absorve a umidade do ar; e, em lugares muito secos, pode contrair até rachar.
O mesmo vale para a temperatura, graças à dilatação térmica. Fisicamente, o calor é uma medida do quão agitadas as moléculas de um objeto estão – e, consequentemente, quanto espaço elas ocupam. Aquecido, o corpo do instrumento expande – e, em casos extremos até deforma –, as cordas tensionam até desafinar e o som em si começa a ressoar pelos componentes de maneiras diferenciadas.
Se isso já faz do violão uma grande dor de cabeça, imagine cuidar de um instrumento do tamanho de uma igreja.
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É o caso do órgão de tubos – um mecanismo enorme, complexo e delicado capaz de emitir um som tão estrondoso que mais parece algo vindo do divino. O instrumento se firmou nas igrejas europeias durante o século 12, e até hoje muitos continuam em funcionamento ao redor de todo o planeta.
O organista, tem na ponta de seus dedos, controle sobre um sistema de tubulação no qual cada nota do teclado, semelhante ao do piano, corresponde a vários tubos de timbres diferentes – que são selecionados num mecanismo de “registros”. Quando ele aperta uma nota, uma válvula se abre e sopra uma rajada de ar pela tubulação, o que produz o som.
Toda essa engenharia é muito delicada, e precisa de manutenção constante para manter tudo afinado e funcionando. Uma variação de 5 °F da temperatura original na qual o instrumento foi afinado já é o suficiente para tirá-lo de afinação.
Parte dessa manutenção é o registro: é comum que músicos anotem cada detalhe de cada avaria no instrumento em um caderno, que depois será consultado pelo profissional que faz a afinação. Entre esses detalhes, constam condições de temperatura e da umidade relativa do ar.
Foi daí que pesquisadores da Nottingham Trent University, na Inglaterra, tiveram uma grande sacada. Tendo em mãos anos e anos de registros dos níveis de temperatura e umidade dentro das igrejas, eles poderiam ter uma ideia do quanto essas medidas mudaram ao longo do tempo.
Analisando as anotações em 18 cadernos de igrejas ao redor do Reino Unido, os cientistas verificaram um crescimento nas temperaturas dos espaços internos. Dentro de igrejas localizadas em espaços urbanos, por exemplo, a temperatura média nos verões durante os anos 1960 era de 17,2 °C. Entre 2020 e 2024, esse número havia subido para os 19,8 °C. O mesmo vale para o inverno: entre 1966 e 2024, as temperaturas médias subiram de 12,8 °C para 18,6 °C.
Eles observaram que igrejas mais quentes também registravam mais falhas em seus órgãos. Em um caderno de 2005, um afinador comenta: “igreja muito quente”. Outro, em 1995, diz: “afinação da caixa piorou. Clima? Enevoado”.
Isso pode se dar por diversos motivos: esses instrumentos têm muitos componentes feitos de madeira, que craquelam quando a temperatura varia muito rapidamente ou quando a umidade relativa do ar cai para níveis menores que 30%. Além disso, os tubos também sofrem com a corrosão por parte dos ácidos fórmicos e acéticos liberados pela madeira, um processo cuja velocidade também é afetada pela temperatura.
O problema é que, ao longo do tempo, a temperatura considerada pelas pessoas como confortável dentro dos ambientes internos foi crescendo. Os cientistas citam, por exemplo, um registro histórico de 1889, que coloca a faixa recomendável de temperatura de um aposento no Reino Unido entre 15,5 °C e 18,3 °C. Hoje, essa faixa fica entre 18 °C e 21 °C.
Nas igrejas, isso coloca em curso uma contradição: para receber mais visitantes, é necessário que as temperaturas internas (que são reguladas pelo sistema de ar-condicionado) obedeçam a essas expectativas. Mas para conservar os objetos históricos que ficam no interior desses lugares, a faixa é outra: entre 10 °C e 20 °C, com uma umidade relativa menor que 65%.
O estudo, publicado no periódico Buildings & Cities, alerta que uma série de vieses podem se apresentar nessa análise – a amostra é pequena e regional, e os dados desses cadernos não são completamente confiáveis. Mas a ideia é mostrar uma nova fonte de dados que nunca foi pensada antes, e que pode auxiliar em estudos relacionados ao aquecimento dos espaços interiores, cujas variações de temperatura possuem poucos registros históricos.
Fonte: abril






