Chegar aos 70 anos não significa perder valor. Nem lucidez. Muito menos autonomia.
Ainda assim, para muitas pessoas, essa fase da vida traz uma mudança sutil e dolorosa.
Elas deixam de ser ouvidas. Passam a ser supervisionadas. Aos poucos, outras pessoas começam a decidir por elas, sempre sob o pretexto de “cuidado”.
O respeito pela experiência acumulada vai sendo substituído por um controle silencioso. Um controle disfarçado de proteção.
Com o tempo, muitos idosos passam a notar atitudes desconfortáveis. São tratados de forma infantilizada.
Eles recebem ordens em vez de perguntas. Têm suas escolhas questionadas. Ouvem frases como “isso não é mais para a sua idade” ou “é melhor assim para você”.
À primeira vista, pode parecer algo inofensivo. Mas esse tipo de comportamento causa impactos profundos.
Infantilizar uma pessoa idosa é agir como se ela não fosse mais capaz de pensar, compreender ou decidir. Nem sempre isso acontece por crueldade.
Em muitos casos, surge do medo de perder, do excesso de zelo ou de uma visão cultural equivocada que associa envelhecer à incapacidade.
O grande problema é que, quando decisões são constantemente tomadas por outros, a perda vai além da autonomia.
Aos poucos, a pessoa começa a perder a própria identidade. Deixa de confiar em si mesma e passa a acreditar que realmente não é mais capaz. Esse processo é lento, porém profundamente destrutivo.
Na psicologia, isso é conhecido como indefesa aprendida: após repetidas situações em que não pode escolher, a pessoa para de tentar, mesmo quando ainda tem plena condição de decidir.
A perda da autonomia não afeta apenas o emocional. Pesquisas indicam que pessoas idosas que continuam tomando decisões vivem mais e com melhor qualidade de vida.
O cérebro precisa ser estimulado a escolher, resolver problemas, errar e participar ativamente da vida. Quando isso deixa de acontecer, o declínio se acelera.
Além disso, quando alguém percebe que sua opinião não importa mais, surge um sentimento ainda mais perigoso: a perda do propósito.
A sensação de não ser necessário mina a motivação diária. E quando o cérebro acredita que não tem mais função, começa lentamente a se desligar.
Forma-se então um ciclo prejudicial: a pessoa deixa de falar → torna-se passiva → os outros assumem que ela não consegue → passam a decidir por ela → e sua voz desaparece ainda mais.
O aspecto mais doloroso desse processo é que ele geralmente vem de pessoas próximas: filhos, parceiros ou familiares.
Muitas vezes, acreditam que estão ajudando, mas acabam confundindo cuidado com dominação. E o idoso, para evitar conflitos ou por medo da solidão, começa a ceder.
No início, são pequenas concessões: a roupa, a alimentação, os horários. Depois vêm o dinheiro, as saídas e, por fim, as decisões mais importantes.
Até que chega o momento em que a pessoa já não reconhece mais quem é nem o que realmente deseja.
Aceitar ajuda não é sinal de fraqueza. O problema surge quando essa ajuda retira a dignidade e a liberdade de escolha.
Após anos ouvindo frases que limitam suas capacidades, muitas pessoas passam a acreditar nelas.
Pensamentos como “já não consigo” ou “não vale mais a pena” não surgem naturalmente — são aprendidos ao longo do tempo.
Esse fenômeno é chamado de etarismo internalizado e representa um dos maiores obstáculos para recuperar a autonomia.
Enquanto a pessoa acreditar que não é mais capaz, continuará agindo de acordo com essa crença, reforçando o preconceito contra si mesma.
A boa notícia é que esse padrão pode ser quebrado com consciência, atitude e mudanças na forma de pensar.
Depois dos 70 anos, proteger apenas a saúde não é suficiente. É essencial preservar a autonomia, a voz e a dignidade.
Permitir que outros decidam por você pode parecer confortável no começo, mas aos poucos apaga sua identidade.
Sua vida continua sendo sua. Sua experiência tem valor. E seu direito de escolher não expira com a idade. Defendê-lo não é egoísmo — é respeito por si mesmo.
Fonte: curapelanatureza






