Ă© professor em paleontologia e biologia evolutiva na Universidade de Bath, na Inglaterra. O texto abaixo foi originalmente publicado no site The Conversation, que publica artigos escritos por pesquisadores. Vale a visita.
Por que os seres humanos dominaram o mundo enquanto nossos parentes mais prĂłximos, os Neandertais, foram extintos? Ă possĂvel que fĂŽssemos apenas mais inteligentes, mas hĂĄ surpreendentemente poucas evidĂȘncias de que isso seja verdade.
Os neandertais tinham cĂ©rebros grandes, linguagem e ferramentas sofisticadas. Eles faziam arte e joias. Eles eram inteligentes, o que sugere uma possibilidade curiosa. Talvez as diferenças cruciais nĂŁo estivessem no nĂvel individual, mas em nossas sociedades.
Duzentos e cinquenta mil anos atrĂĄs, a Europa e a Ăsia Ocidental eram terras de Neandertal. O Homo sapiens habitava o sul da Ăfrica. As estimativas variam, mas talvez 100.000 anos atrĂĄs, os humanos modernos migraram para fora da Ăfrica.
HĂĄ quarenta mil anos, os neandertais desapareceram da Ăsia e da Europa, sendo substituĂdos pelos humanos. Sua lenta e inevitĂĄvel substituição sugere que os humanos tinham alguma vantagem, mas nĂŁo qual era.
Antigamente, os antropĂłlogos viam os neandertais como brutos estĂșpidos. Mas descobertas arqueolĂłgicas recentes mostram que eles se equiparavam a nĂłs em termos de inteligĂȘncia.
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Os neandertais dominavam o fogo antes de nós. Eles eram caçadores mortais, pegando animais de grande porte como mamutes e rinocerontes lanudos e pequenos animais como coelhos e påssaros.
Eles colhiam plantas, sementes e mariscos. A caça e a coleta de todas essas espécies exigiam um profundo conhecimento da natureza.
Os neandertais também tinham um senso de beleza, fazendo contas e pinturas rupestres. Eram pessoas espirituais, enterrando seus mortos com flores.
Os cĂrculos de pedra encontrados dentro de cavernas podem ser santuĂĄrios neandertais. Assim como os caçadores-coletores modernos, a vida dos neandertais provavelmente era repleta de superstição e magia; seus cĂ©us eram cheios de deuses, as cavernas eram habitadas por espĂritos ancestrais.
AlĂ©m disso, hĂĄ o fato de que o Homo sapiens e os neandertais tiveram filhos juntos. NĂŁo Ă©ramos tĂŁo diferentes assim. Mas encontramos os neandertais muitas vezes, durante muitos milĂȘnios, sempre com o mesmo resultado. Eles desapareceram. NĂłs permanecemos.
A sociedade de caçadores-coletores
Pode ser que as principais diferenças estejam menos no nĂvel individual do que no nĂvel social. Ă impossĂvel entender os seres humanos isoladamente, assim como nĂŁo Ă© possĂvel entender uma abelha sem considerar sua colĂŽnia. Valorizamos nossa individualidade, mas nossa sobrevivĂȘncia estĂĄ ligada a grupos sociais maiores, assim como o destino de uma abelha depende da sobrevivĂȘncia da colĂŽnia.
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Os caçadores-coletores modernos sĂŁo a nossa melhor estimativa de como viviam os primeiros humanos e os neandertais. Povos como os Khoisan da NamĂbia e os Hadzabe da TanzĂąnia reĂșnem as famĂlias em bandos errantes de dez a 60 pessoas. Os bandos se combinam em uma tribo vagamente organizada de mil pessoas ou mais.
Essas tribos nĂŁo tĂȘm estruturas hierĂĄrquicas, mas estĂŁo ligadas por idioma e religiĂŁo compartilhados, casamentos, parentescos e amizades. As sociedades neandertais podem ter sido semelhantes, mas com uma diferença crucial: grupos sociais menores.
Tribos muito unidas
O que aponta para isso Ă© a evidĂȘncia de que os neandertais tinham menor diversidade genĂ©tica.
Em populaçÔes pequenas, os genes se perdem facilmente. Se uma pessoa em cada dez carrega um gene para cabelos cacheados, entĂŁo, em um grupo de dez pessoas, uma morte poderia remover o gene da população. Em um grupo de cinquenta, cinco pessoas carregariam o gene â vĂĄrias cĂłpias de reserva. Assim, com o passar do tempo, os pequenos grupos tendem a perder a variação genĂ©tica, terminando com menos genes.
Em 2022, o DNA foi recuperado de ossos e dentes de 11 neandertais encontrados em uma caverna nas Montanhas Altai, na SibĂ©ria. VĂĄrios indivĂduos eram parentes, inclusive um pai e uma filha â eles eram de um Ășnico grupo. E apresentaram baixa diversidade genĂ©tica.
Como herdamos dois conjuntos de cromossomos â um de nossa mĂŁe e outro de nosso pai â carregamos duas cĂłpias de cada gene. Muitas vezes, temos duas versĂ”es diferentes de um gene. VocĂȘ pode receber um gene para olhos azuis de sua mĂŁe e outro para olhos castanhos de seu pai.
Mas os Neandertais de Altai geralmente tinham uma versĂŁo de cada gene. Conforme relata o estudo, essa baixa diversidade sugere que eles viviam em pequenos grupos â provavelmente com uma mĂ©dia de apenas 20 pessoas.
Ă possĂvel que a anatomia do Neandertal favorecesse pequenos grupos. Por serem robustos e musculosos, os neandertais eram mais pesados do que nĂłs. Portanto, cada Neandertal precisava de mais alimentos, o que significa que a terra poderia suportar menos Neandertais do que Homo sapiens.
E os Neandertais podem ter se alimentado principalmente de carne. Os carnĂvoros obteriam menos calorias da terra do que as pessoas que se alimentavam de carne e plantas, o que levaria novamente a populaçÔes menores.
O tamanho do grupo Ă© importante
Se os humanos viviam em grupos maiores do que os neandertais, isso poderia ter nos dado vantagens.
Os neandertais, fortes e habilidosos com lanças, provavelmente eram bons lutadores. Os humanos de constituição leve provavelmente contra-atacavam usando arcos para atacar à distùncia.
Mas mesmo que os neandertais e os humanos fossem igualmente perigosos em uma batalha, se os humanos também tivessem uma vantagem numérica, eles poderiam trazer mais combatentes e absorver mais perdas.
As grandes sociedades tĂȘm outras vantagens mais sutis. Grupos maiores tĂȘm mais cĂ©rebros. Mais cĂ©rebros para resolver problemas, lembrar-se de conhecimentos sobre animais e plantas e tĂ©cnicas para fabricar ferramentas e costurar roupas. Assim como os grandes grupos tĂȘm maior diversidade genĂ©tica, eles terĂŁo maior diversidade de ideias.
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E mais pessoas significam mais conexĂ”es. As conexĂ”es de rede aumentam exponencialmente com o tamanho da rede, seguindo a Lei de Metcalfe. Uma banda de 20 pessoas tem 190 conexĂ”es possĂveis entre os membros, enquanto 60 pessoas tĂȘm 1.770 conexĂ”es possĂveis.
As informaçÔes fluem por essas conexĂ”es: notĂcias sobre pessoas e movimentos de animais; tĂ©cnicas de fabricação de ferramentas; e palavras, mĂșsicas e mitos. AlĂ©m disso, o comportamento do grupo se torna cada vez mais complexo.
Considere as formigas. Individualmente, as formigas nĂŁo sĂŁo inteligentes. Mas as interaçÔes entre milhĂ”es de formigas permitem que as colĂŽnias façam ninhos elaborados, busquem alimentos e matem animais com tamanho muito maior do que o de uma formiga. Da mesma forma, os grupos humanos fazem coisas que nenhuma pessoa pode fazer â projetar edifĂcios e carros, escrever programas de computador elaborados, lutar em guerras, administrar empresas e paĂses.
Os seres humanos nĂŁo sĂŁo Ășnicos por terem cĂ©rebros grandes (baleias e elefantes tambĂ©m tĂȘm) ou por terem grupos sociais enormes (zebras e gnus formam manadas enormes). Mas somos Ășnicos em combinĂĄ-los.
Para parafrasear o poeta John Dunne, nenhum homem â e nenhum Neandertal â Ă© uma ilha. Somos todos parte de algo maior. E, ao longo da histĂłria, os seres humanos formaram grupos sociais cada vez maiores: bandos, tribos, cidades, estados-nação, alianças internacionais.
Pode ser, entĂŁo, que a capacidade de criar grandes estruturas sociais tenha dado ao Homo sapiens a vantagem contra a natureza e outras espĂ©cies de hominĂdeos. Mas mesmo que os neandertais e os humanos fossem igualmente perigosos em uma batalha, se os humanos tambĂ©m tivessem uma vantagem numĂ©rica, eles poderiam trazer mais combatentes e absorver mais perdas.
Fonte: abril