O aliciamento de eleitores durante as eleições deste ano tem se tornado cada vez mais comum em áreas vulneráveis, frequentemente controladas por facções criminosas.
Essa prática envolve partidos, candidatos e apoiadores de políticos, que tentam convencer ilegalmente os eleitores a votar nas legendas e nos candidatos diferentes daqueles que seriam escolhidos naturalmente.
Considerada crime eleitoral, essa prática está sujeita a punições que incluem detenção de seis meses a um ano, com a possibilidade de substituição por serviços comunitários pelo mesmo período, além de multas que variam de R$ 5 mil a R$ 15 mil.
Nos últimos dias, o se destacou nos noticiários nacionais, com prisões de candidatos e mandados de busca e apreensão relacionados ao crime de aliciamento de eleitores.
Em João Pessoa, na capital da Paraíba, sete pessoas foram presas em setembro durante uma operação da Polícia Federal cujo objetivo era combater o aliciamento violento nas eleições municipais deste ano.
Os presos foram:
- : vereadora de João Pessoa e suspeita de liderar o esquema;
- : acusada de pressionar moradores do bairro São José a decidirem em quem devem votar;
- : utilizada por Pollyanna para exercer influência na comunidade, ligada ao centro comunitário Ateliê da Vida;
- : articuladora de Raíssa Lacerda no Alto do Mateus, suspeita de ter ligação com facções do bairro;
- : marido de Pollyanna, apontado como chefe da facção Nova Okaida e já preso no PB1;
- : esposa de Cícero Lucena e primeira-dama de João Pessoa;
- : secretária de Lauremília.
As prisões foram resultado da Operação Território Livre, da Polícia Federal, em colaboração com o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO).
A organização criminosa operava da seguinte maneira: Kaline Neres do Nascimento Rodrigues, funcionária comissionada da prefeitura Municipal de João Pessoa, atuava em conluio com David Sena de Oliveira, conhecido como “Cabeça”, gerente do tráfico no bairro Alto do Mateus.
O principal objetivo dessa parceria era garantir votos para a vereadora Raíssa Lacerda nas eleições, utilizando métodos ilícitos, como coação e controle territorial.
Kaline, que ocupava o cargo de encarregada de turma na Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana (Emlur), estabeleceu um canal de comunicação direto com David, enviando informações e pedidos relacionados à campanha eleitoral de Raíssa.
Ela solicitava explicitamente o apoio do traficante, pedindo que ele interferisse nas campanhas de outros candidatos que pudessem ameaçar as chances da vereadora.
Essa estratégia revelava a intenção de eliminar a concorrência, assegurando que os votos se concentrassem em sua candidata.
Além de pedidos de apoio eleitoral, Kaline também prometia a David benefícios em troca de sua colaboração. Em um áudio encontrado pela Polícia Federal, ela mencionou a possibilidade de disponibilizar carros alugados pela prefeitura para o pai do traficante, além de garantir cargos públicos, evidenciando uma troca de favores entre a administração pública e o tráfico de drogas.
Essa manobra não apenas fortalecia a posição de Raíssa nas eleições, mas também consolidava a influência do tráfico na política local.
A Polícia Federal identificou que as interações entre Kaline e David faziam parte de uma estratégia maior para controlar o território no Alto do Mateus e garantir votos por meio da coação.
Com o domínio exercido por David na região, a organização criminosa utilizava seu poder de persuasão sobre os eleitores, assegurando que a candidatura de Raíssa Lacerda tivesse um suporte significativo, mesmo que ilegal.
No bairro São José, outra comunidade da capital, a organização criminosa empregava pressão e manipulação direta sobre os moradores para determinar seus votos. Pollyanna Monteiro Dantas dos Santos se destaca como uma das principais suspeitas dessa operação. Ela é mulher de Keny Rogeus, conhecido como Poeta. Ele é identificado pela PF como o líder da facção criminosa na região e atualmente está preso na Penitenciária de Segurança Máxima Doutor Romeu Gonçalves de abrantes, o PB1.
As investigações revelaram que Pollyanna usava sua posição de influência para intimidar os moradores do bairro, pressionando-os a apoiar candidatos específicos.
A análise do celular da vereadora Raíssa Lacerda revelou diálogos entre ela e Pollyanna, em que a investigada exigia que Raíssa incluísse seu filho na Regulação — uma prática que funcionava como uma espécie de “pagamento” em troca do apoio de Poeta. Essa exigência demonstra como a facção utilizava a política para garantir benefícios pessoais e fortalecer sua influência.
Além disso, a investigação encontrou um documento da prefeitura que encaminhava o filho de Pollyanna para trabalhar na Unidade de Pronto Atendimento dos Bancários.
Segundo o Portal da Transparência do Município de João Pessoa, em junho de 2024, o filho foi contratado por excepcional interesse público. Isso levantou suspeitas sobre a utilização do cargo como um favor em troca de apoio político.
A Polícia Federal também analisou o celular de Pollyanna e encontrou imagens de atividades partidárias, vídeos de armas e mensagens trocadas com Poeta, sugerindo que ela atuava sob suas ordens, mesmo com ele preso.
A facção controlava quem fazia campanha no bairro e quais candidatos os moradores apoiavam, o que evidencia um forte controle sobre as manifestações políticas na comunidade.
A Prefeitura de João Pessoa contratou Taciana Batista do Nascimento como auxiliar operacional desde 1º de fevereiro de 2023. O centro comunitário Ateliê da Vida a utilizava para exercer influência na comunidade.
Mensagens trocadas entre Taciana e Pollyanna, identificadas pela Polícia Federal, mostram o controle da facção sobre os votos dos moradores. Isso reforça a manipulação sistemática e a coação para garantir a vitória de seus candidatos nas eleições.
No Ceará, o cenário não é muito diferente. No dia 1º, a PF cumpriu cinco mandados de busca e apreensão expedidos pela 13ª Zona Eleitoral do Ceará, no município de Iguatu.
As investigações revelaram a suposta influência de uma organização criminosa na campanha eleitoral municipal, o que destaca o envolvimento de um candidato a vereador com essa organização e com o aliciamento violento de eleitores.
As ações visam a reunir informações e evidências para coibir a prática de oferecer dinheiro em troca de apoio político e votos.
“As investigações foram iniciadas a partir do repasse de informações da Polícia Civil, depois da prisão de uma pessoa por tráfico de drogas e por ser integrante de uma organização criminosa”, informou a Polícia Federal, por meio de nota. “A análise do material revelou a proximidade do candidato a vereador com os traficantes. Os investigados poderão responder por crimes previstos no código eleitoral, lavagem de dinheiro e organização criminosa.”
No dia 5 de setembro, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, a polícia prendeu preventivamente um grupo de 34 pessoas. Os presos são suspeitos de ameaçar eleitores, interferir em campanhas eleitorais e extorquir candidatos, incluindo dois postulantes à prefeitura.
Todos os detidos já possuíam antecedentes criminais por delitos como tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo e por integrar organizações criminosas.
O município de Santa Quitéria também foi cenário de um caso alarmante. Em 17 de setembro, uma operação conjunta da Polícia Civil e da Polícia Federal teve como objetivo desarticular uma facção criminosa que ameaçou um candidato à prefeitura da cidade e seus eleitores. Durante a ação, 23 mandados de busca e apreensão foram cumpridos.
Outro incidente ocorreu em Sobral. No dia 2 de setembro, um homem ameaçou de morte a ex-governadora do Ceará e candidata à Prefeitura de Sobral, Izolda Cela, e foi preso. Segundo informações da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), o acusado, de 36 anos, é membro de uma organização criminosa.
No Rio Grande do Norte, a situação política é semelhante. Informações do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e da Procuradoria Regional Eleitoral revelam que facções criminosas estão financiando e apoiando candidaturas no interior do Estado.
Um dos municípios afetados é Jardim de Piranhas. Neste local, cresceu Valdeci Alves dos Santos, conhecido como Colorido. Ele foi um dos líderes nacionais do PCC e chegou a ser o segundo na hierarquia da facção criminosa no Brasil.
A atuação dessas facções nas eleições foi confirmada pela Procuradoria Regional Eleitoral. Isso aconteceu durante um julgamento no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RN). O tribunal aprovou o envio de tropas federais para a cidade no dia da eleição, que ocorrerá em 6 de outubro.
“No caso da 26ª zona eleitoral, o juízo juntou relatórios que denotam a possível participação de facções criminosas no patrocínio de grupos políticos locais, de modo a influenciar o ambiente das eleições das referidas municipalidades”, enfatizou a procuradora-regional Eleitoral Clarisier Morais. “Desse modo, manifestam-se presentes os motivos fáticos que justificam a presença de tropas federais nos referidos municípios.”
As autoridades prenderam Colorido, que ocupou a posição de número 2 do PCC nas ruas, em 2022. Ele é irmão de pastor Júnior, que também foi detido recentemente. A Justiça condenou Pastor Júnior a 87 anos de prisão por lavar dinheiro do PCC. As atividades ilícitas de Pastor Júnior incluíam a compra de igrejas evangélicas e fazendas na região de Jardim de Piranhas, com recursos enviados por Colorido.
Com apenas cinco dias até o primeiro turno das eleições municipais, marcado para o próximo domingo, 6, ouviu o doutor em ciência política pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência, da Criminalidade e da Qualidade Democrática (NEVCrim), José Maria Nóbrega. Ele destacou que a violência política é um fenômeno crescente no Brasil.
“Em cada eleição municipal a gente vê o aumento desse tipo de violência”, disse o cientista. “Agressões, assassinatos, tentativa de assassinato e ameaças são cada vez mais presentes.”
Nóbrega também afirmou que o aliciamento de eleitores “não é algo novo”. “Há forte correlação entre o poderio das facções criminosas prisionais e o crescimento desse tipo de violência”, enfatizou. “Cada vez mais, atores políticos vêm utilizando essas facções que dominam algumas comunidades para impor o seu candidato sob ameaça.”
Nos últimos anos, as organizações criminosas do tipo “facção criminosa prisional” cresceram exponencialmente no Brasil.
Embora o Comando Vermelho e o PCC sejam os mais conhecidos, existem atualmente mais de 80 facções desse tipo no país. Essas facções atuam em presídios e espalham o terror nas comunidades mais vulneráveis.
Esse aumento no poder e na influência dessas facções contribui significativamente para a escalada da violência política. Essa situação se torna cada vez mais alarmante e impactante.
De acordo com Nóbrega, “a violência na política é um termômetro da qualidade de uma democracia”.
“Dados do Índice Global de Crime Organizado classificam o país entre aqueles em que mais a criminalidade organizada se desenvolveu no mundo e isso, sem dúvida, afeta a democracia no seu quesito eleitoral e liberal”, destacou. “As liberdades civis e políticas estão em constante ameaça.”
Na reta final do primeiro turno das eleições, a violência contra candidatos também gera preocupação em diversas regiões do país. Dados do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Unirio mostram que, entre janeiro e 16 de setembro, ocorreram 455 incidentes de violência. Esses incidentes foram direcionados a lideranças políticas no Brasil.
No primeiro trimestre, houve 68 casos. Já no segundo trimestre, esse número subiu para 155. No terceiro trimestre, contabilizando o período de julho até 16 de setembro, os pesquisadores registraram 232 casos. Impressionantes 173 desses incidentes direcionaram-se especificamente a candidatos das eleições de 2024.
Em resposta à violência política e aos ataques a eleitores nas eleições deste ano, a presidente do (TSE), Cármen Lúcia, falou sobre a possibilidade de revisar a legislação eleitoral para as próximas eleições.
Durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 30 de setembro, ela enfatizou que essa revisão visa a prevenir casos de violência política.
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) ressaltou a importância do artigo 16 da Constituição. Esse artigo exige que o legislador implemente quaisquer leis que alterem o processo eleitoral com um ano de antecedência.
Cármen Lúcia declarou que a Corte está analisando as causas da violência no processo eleitoral. Ela utiliza dados coletados do Judiciário, do Ministério Público e das Forças de Segurança.
“Você tem violência contra candidatos em cenário eleitoral, mas com outras causas”, disse a ministra. “Tem a presença do crime organizado, pela territorialização, a presença de violência política contra mulheres. Há uma série de dados.”
Cármen Lúcia anunciou a criação de um observatório permanente para combater a violência política. Ela destacou que os partidos políticos devem assumir a responsabilidade por qualquer ato de agressão que ocorrer durante o período eleitoral.
O observatório contará com a participação da presidente do TSE, outros integrantes da Corte e representantes da sociedade civil, buscando uma abordagem colaborativa para enfrentar esse grave problema.
Fonte: revistaoeste