Endividados, descapitalizados e sem acesso ao crédito, agricultores do norte de Mato Grosso enfrentam uma das piores crises dos últimos anos — com impactos que já ultrapassam as lavouras e ameaçam o comércio e a vida nos pequenos municípios. E, a situação pode se agravar ainda mais a partir do dia 1º de agosto caso a taxação de 50% dos Estados Unidos sobre produtos importados do Brasil entre em vigor.
Os reflexos da safra 2023/24 ainda tiram o sono da maioria dos produtores mato-grossenses com os problemas causados pela seca. Agricultor e proprietário de uma revenda agropecuária no município de Feliz Natal, que atende diversos produtores da região, Sandro Luis Mick comenta que viu produtores colhendo entre 10 e 20 sacas por hectare, produtividade que não fechava nem uma parcela dos custos.
“Isso fez com que o produtor tivesse que buscar recursos para cumprir com os compromissos. E agora nessa safra 2025/26 estamos vendo a escassez dos créditos e juros mais altos”, diz Sandro ao Patrulheiro Agro desta semana.
Segundo ele, hoje os juros praticados chegam à casa de 1,8% ao mês. “Acaba que esse crédito ficou mais caro, mais escasso visto as questões dos riscos que estamos vivenciando no agro. E quando vamos fazer o barter, a conversão, desse produto a prazo, com o valor futuro do grão, acaba que a conta fica uma conta pesada”, completa.
O produtor frisa ainda à reportagem do Dia de Ajudar Mato Grosso que tal situação tem levado os produtores a buscarem outras linhas de crédito, que não são compatíveis com o agronegócio. “O agro é muito sensível. A margem é muito pequena e é um setor que fica exposto ao clima. A dor do produtor é uma dor de quem está nessa cadeia do agronegócio, de quem está na venda de insumos”.
“O problema é a dívida em reais, quando tu tens que se desfazer do grão para pagar essa dívida, que seria as prestações de máquinas. E os insumos subiram. Então não tem pé e nem cabeça”, ressalta o agricultor Valcir Strapasson.

Endividamento chega a R$ 5 mil por hectare
Entre os municípios de Vera e Feliz Natal o endividamento dos produtores está em média em R$ 5 mil por hectare de planta hoje, conforme o presidente do Sindicato Rural que atende aos dois municípios, Rafael Bilibio.
“Existia a necessidade de se equipar com maquinário e o pessoal se equipou. O maquinário estava mais alto, a taxa de juros também era mais baixa lá atrás e a soja valia mais. Hoje, nós temos um cenário completamente diferente. Praticamente 40% de toda a nossa safra é em dívidas”, salienta.
A expectativa, destaca Rafael, era que o milho salvasse os produtores, uma vez que o cereal nos últimos ciclos se mostrou como uma peça-chave na rentabilidade das propriedades. Entretanto, os preços baixos pagos aos produtores na casa dos R$ 35, R$ 37 não estão ajudando como o esperado.
“Então, o lucro também vai ser pouco. O dinheiro que circularia no comércio é o dinheiro do lucro do milho que, infelizmente, esse ano não veio e também não virá. Juro caro, produto relativamente barato e o endividamento alto está restringindo o crédito no banco. Então vai acontecer, com toda a certeza, aqui na região entre Vera e Feliz Natal de produtores ou ficar sem plantar ou reduzir drasticamente os investimentos na safra 2026. Em municípios pequenos, como Vera e Feliz Natal, se o agro não vai [bem], o município não consegue [ir bem]. O comércio e a população em geral não conseguem sobreviver a contento”.
Atualmente o preço da saca de 60 quilos da soja em Mato Grosso é comercializada em média a R$ 110, R$ 112. O que significa “uma defasagem muito grande”, de acordo com o vice-presidente do Sistema Famato, Ilson José Redivo, perante os R$ 160, R$180 negociados anteriormente.
“Só que os preços das máquinas e os preços dos insumos não se ajustaram nesse mesmo nível, nesse mesmo patamar. Está chegando no fim do poço. O agricultor já está sem respiro, não tem mais gordura para queimar. Você precisa de 50% a mais de sacas de soja para cumprir o mesmo compromisso e isso fez com que o produtor tenha se descapitalizado”, diz ao Dia de Ajudar Mato Grosso.

Taxação dos EUA pode agravar a situação
Sem fôlego e com os custos no limite, o agro brasileiro pode enfrentar mais um desafio a partir de 1º de agosto: a imposição dos Estados Unidos de uma taxação de 50% sobre produtos importados do Brasil. A nova alíquota acende o alerta no setor produtivo, uma vez que, salienta o vice-presidente do Sistema Famato, “inviabiliza qualquer negócio com um país americano que é um grande consumidor”.
“Vai afetar com toda a certeza ainda mais e vai complicar ainda mais esse processo do produtor que já está descapitalizado”, ressalta à reportagem.
O presidente da Aprosoja Mato Grosso, Lucas Costa Beber, afirma que um aumento das taxas, “indiretamente, impacta nas nossas exportações, impacta nos grãos de soja e milho” e ao se olhar para as importações por parte do Brasil o impacta diretamente na questão do petróleo e máquinas agrícolas, bem como na tecnologia.
“É necessário, o mais rápido possível, que o governo brasileiro sente para negociar com os Estados Unidos, que busque a diplomacia e acima de tudo tente lutar para que não haja tarifa nem para lá cá e nem daqui para lá, para que a nossa economia vá para um caminho mais saudável e de maior crescimento”.
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Fonte: canalrural