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Novo discurso da Igreja Católica fortalece acolhimento na prevenção ao suicídio

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Durante séculos, a igreja católica adotou uma postura de condenação moral em relação ao suicídio, influenciada por visões teológicas rígidas e por contextos históricos que tratavam o tema como tabu. A imagem de Judas, o apóstolo que tirou a própria vida após trair Jesus, simbolizou por muito tempo a punição divina sobre esse ato. No entanto, em pleno Setembro Amarelo — mês dedicado à valorização da vida e à prevenção do suicídio — a própria igreja reconhece: é hora de escutar, acolher e, sobretudo, compreender.

“Ao longo do tempo, a reflexão teológica amadureceu”, afirma o padre Rosimar Dias, também psicólogo e neuropsicólogo, em entrevista ao Primeira Página.

“Hoje, o catecismo da igreja católica reconhece que transtornos mentais, sofrimentos intensos e medos profundos podem reduzir a capacidade de julgamento e, consequentemente, a responsabilidade moral de quem comete suicídio”.

Essa mudança de ênfase, segundo o padre, não anula a gravidade do ato, mas amplia o olhar pastoral e abre caminho para uma abordagem mais humana.

“A missão da igreja não é julgar, mas cuidar. Cada pessoa que sofre deve encontrar na comunidade cristã não um tribunal, mas um hospital de campanha — como diz o Papa Francisco”.

Um novo olhar pastoral

De acordo com o padre Rosimar, o sofrimento humano sempre foi central na mensagem do evangelho. No entanto, por muito tempo a abordagem eclesial se afastou dessa essência, priorizando discursos de condenação e exclusão.

“Hoje, a igreja compreende que o suicídio está profundamente ligado à saúde mental. Acolher famílias enlutadas, rezar por quem partiu e oferecer presença são formas de viver a compaixão cristã”, diz. “A fé não elimina automaticamente as dores da vida, mas ajuda a enfrentá-las com esperança”.

Essa perspectiva mais sensível tem se traduzido em ações concretas. Muitas paróquias passaram a promover grupos de escuta, orientação espiritual e encontros sobre saúde mental.

A espiritualidade como fator de proteção

Além do apoio pastoral, a espiritualidade tem sido reconhecida por estudos científicos como um fator de proteção contra o suicídio. “A fé, quando vivida de forma saudável, pode fortalecer a esperança, reduzir a sensação de isolamento e dar sentido à vida”, explica o padre Rosimar. “Mas é importante destacar: não pode ser uma fé punitiva ou opressora, e sim libertadora”.

Ele destaca ainda o papel das comunidades religiosas como espaços de pertencimento, vínculo e escuta — elementos fundamentais na prevenção do suicídio. “A pastoral, os grupos comunitários e a direção espiritual podem fazer a diferença na vida de quem sofre”, conclui.

Mensagem do padre Rosimar Dias sobre a prevenção do suicídio. (Vídeo: reprodução)

O luto de Gabriel

A história de Gabriel, nome fictício usado para preservar a família, é um retrato vivo da dor, mas também da superação silenciosa que o suicídio impõe a quem fica.

“Até os meus 19 anos, convivi com o meu irmão. Ele era muito bonito, presente, carinhoso e estudioso. Tinha uma gentileza imensa, tratava todos com acolhimento, sem fazer distinções”, conta.

Entre momentos de introspecção, João [também nome fictício] sempre encontrava tempo para estar com a família — nos churrascos de domingo ou vendo filmes na sala.

Aos 19 anos, João foi diagnosticado com depressão. A partir dali, a família se mobilizou. “Meus pais sempre ofereceram tudo o que ele precisava: apoio médico, terapia, presença. Muitas vezes, deixavam de trabalhar só para estar com ele nas crises”.

Mas a dor persistia. “Ele falava que não queria viver, que a aflição era insuportável. Isso era dilacerante para todos nós”.

A tragédia aconteceu quando João tinha 29 anos. Gabriel e o pai estavam viajando para visitar a avó, recém-viúva. “Em menos de um mês, meu pai perdeu o pai e o filho. Foi devastador.” Eles souberam da notícia na volta, quando perderam contato com João. Uma funcionária da família encontrou o quarto trancado. A polícia foi acionada. Ele havia tirado a própria vida.

Os meses seguintes foram os mais difíceis. “Foi o inferno na Terra. Eu chorava à noite com o som de lamento na cabeça. Não conseguia dormir. Tive que lidar com meu luto e com o luto dos meus pais”.

E, como se a dor não bastasse, veio o julgamento social. “Ouvi que foi falta de Deus, que não tínhamos fé. Teve quem dissesse que eu não podia chorar, que tinha que ser forte pelos meus pais. Negaram meu direito ao luto”.

Hoje, Gabriel diz que a dor não passa — apenas muda. “Não acredito que a dor diminua. A gente cresce ao redor dela. Aprendi a manter o amor vivo nas lembranças. O João me ensinou o que é viver a irmandade. Quero honrar quem ele foi”.

CVV 11 anos: ‘conversar pode mudar vidas’

Neste mês, o Centro de Valorização da Vida (CVV) celebra os 11 anos do Setembro Amarelo com a campanha “Conversar pode mudar vidas”. A iniciativa reforça que o diálogo é uma das ferramentas mais poderosas para acolher quem sofre em silêncio.

“Falar alivia. Ouvir acolhe. E, muitas vezes, uma simples conversa pode ser o ponto de virada na vida de alguém”, afirma Eliane Soares, voluntária do CVV.

O serviço funciona 24 horas por dia, gratuitamente, pelo telefone 188, pelo site www.cvv.org.br, por chat ou e-mail (apoioemocional@cvv.org.br), com total sigilo e empatia.

Vidas salvas

Em 2024, o CVV realizou mais de 2,7 milhões de atendimentos em todo o país. A instituição conta com cerca de 3 mil voluntários, e as inscrições para novos participantes estão abertas em www.cvv.org.br/seja-voluntario.

Prevenção é possível e começa com empatia

Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou 15.507 mortes por suicídio em 2021 — o equivalente a 42 por dia, sendo a maioria homens. Os dados reforçam que o suicídio é uma questão de saúde pública e pode ser prevenido com ações concretas e escuta qualificada.

Criado em 2015, o movimento Setembro Amarelo busca conscientizar a população sobre a importância de falar abertamente sobre sentimentos e saúde mental. E hoje, mais do que nunca, a fé e a espiritualidade também fazem parte desse esforço coletivo de prevenção.

“A mensagem do evangelho é clara: amar, consolar e estar presente. A vida é dom e merece ser cuidada até o fim natural”, finaliza o padre Rosimar.

Fonte: primeirapagina

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