A descoberta de que o filho recém-nascido tinha uma doença extremamente rara deu um novo sentido para a vida do médico pediatra Durval Palhares. Após anos de pesquisa e estudos, ele desenvolveu um medicamento crucial no tratamento da FOP (Fibrodisplasia Ossificante Progressiva). Graças ao médico, o filho dele, Alexandre Palhares, e outros 43 pacientes no país tiveram uma melhora significativa na qualidade de vida, apesar da doença.
A descoberta de doença
De origem genética e com uma evolução complexa a FOP é perceptível desde o nascimento de um jeito peculiar. Alexandre nasceu com uma má formação em dois dedos do pé, principal sinal da doença. Ele é fruto do amor de Durval e a dentista Marilene Palhares e veio ao mundo enquanto Durval cursava o mestrado na USP de Ribeirão Preto.
A suspeita do diagnóstico acendeu o alerta do médico numa época em que quase não havia estudos sobre a FOP. Por conta própria, Durval garimpou informações sobre a doença na literatura médica e em 3 dias chegou à conclusão de que o filho havia nascido com a condição rara.
A FOP leva à formação de ossos fora do esqueleto afetando tendões e ligamentos, entre outras partes do corpo, limitando os movimentos do pescoço para baixo.
“Eu estava lá dentro do HC de Ribeirão Preto, que é uma potência. Eu fui pesquisar e encontrei um livro em inglês que falava sobre o assunto. Eu li, fechei e falei: não é possível”.
Durval Palhares, médico.
1 em 2 milhões
Só para ter uma dimensão do qual rara é a FOP estima-se que a cada dois milhões de bebês, um nasça com a doença. Cerca de 4 mil pessoas no mundo convivem com a FOP, conforme o Ministério da Saúde.
O resultado da descoberta, Durval compartilhou com a esposa, que além de parceira na vida também se tornou aliada do pediatra nas pesquisas sobre a FOP. A pesquisa do doutorado de Marilene é relacionada a esta condição.
Com a certeza do diagnóstico o casal começou a se preparar para os inúmeros desafios que teriam de enfrentar na criação do filho. Quando Alexandre completou dois anos a fibrodisplasia passou a se manifestar de forma mais agressiva.
A busca pelo tratamento
Teve início uma corrida contra o tempo de Durval e a esposa na busca por um medicamento que ajudasse a minimizar as crises de dor intensas provocadas pela doença.
“É como se tivessem enfiando a faca na carne, se queixam alguns pacientes. Quando o Alexandre começou a perder os movimentos ele já não conseguia dormir, não conseguia ficar deitado, não conseguia ficar de pé, tamanha era a dor. Teve um dia que ele me perguntou: mãe, sabe qual o meu maior sonho? É conseguir dormir.”
Marilene Palhares, dentista.
Durval e a esposa decidiram se mudar para os EUA (Estados Unidos da América) na esperança de encontrar mais respostas sobre a doença. O médico passou a conciliar o pós-doutorado em neonatologia em universidade de Cliveland, no estado de Ohio, com a busca por parceiros dispostos a investir em pesquisas sobre a doença.
“Assim que o Durval me trouxe o diagnóstico, ele já me disse, nós vamos nos preparar, vamos para os Estados Unidos e eu vou encontrar alguém que se comova com a nossa história, que nos ajude a fazer pesquisa”.
Marilene Palhares, dentista.
Primeiras pesquisas
Entre o final de 1991 e 1993, Durval enfrentou meses intensos de pesquisa e estudos para tentar desvendar as causas da doença. Tanto esforço não foi em vão.
Durante a estada em solo americano, Durval descobriu uma das más-formações genéticas que causam a doença, algo inédito até aquele momento. Ele ainda desvendou uma das substâncias que poderiam ajudar no tratamento da FOP. As descobertas foram publicadas na literatura médica em 1997.
Também foi em Cliveland que Durval conheceu o biólogo molecular que se tornou outro grande parceiro na missão de revelar os mistérios por trás da doença.
O medicamento
Como o médico iniciou a pesquisa sobre a FOP praticamente do zero, longos anos de estudo, paciência e testes foram necessários até Durval e equipe dele produzirem um medicamento imprescindível para a melhora na qualidade de vida dos pacientes.
Em 2012, Durval chegou a versão final do medicamento FOPCon, capaz de diminuir o processo inflamatório causado pela doença.
“A FOP é uma doença inflamatória e ela tem uma mutação que forma caroços, edemas pelo corpo do paciente, eles são vermelhos, muito doloridos. Descobrimos o medicamento que diminuiu esse processo, ele não cura a doença, mas melhora bastante o estado do paciente, diminuem-se as crises”.
Durval Palhares, médico.
Na época, Alexandre já estava há cinco anos acamado, sem poder andar, com os movimentos dos braços e mãos bastante limitados.
Apesar da descoberta, Alexandre preferiu não ser o primeiro a tomar as primeiras doses do medicamento. A medicação foi destinada a outra paciente com um quadro inflamatório pior que o dele. O resultado foi um sucesso, e desde então Durval trata boa parte dos pacientes diagnosticados com a doença no Brasil.
Conforme o médico, estimam-se que hajam 80 pessoas com FOP no país, 43 delas recebem a medicação de forma gratuita através do IAPES (Instituto de Assistência e Pesquisa em Educação e Saúde), instituição filantrópica criada por Durval para viabilizar as pesquisas chefiadas por ele em Campo Grande.
Durval adianta que os estudos sobre a doença, iniciados por ele, chegaram em um patamar importante. Em parceria com outra universidade também de Ohio, grupo de pesquisa está no caminho para alcancem a cura da fibrodisplasia.
A expectativa é de que em um futuro próximo, eles cheguem a uma fórmula que impeça o avanço da doença em recém-nascidos e até em adultos.
Estudo sobre autismo
Em meio às pesquisas sobre a medicação contra a FOP, Durval ainda iniciou estudo de um medicamento que minimiza os efeitos do autismo em crianças. Na prática, Durval e a equipe de pesquisadores dele descobriram droga capaz de reduzir processo inflamatório no sistema nervoso central, relacionado com o autismo.
Desde então colaborar com o tratamento das pessoas que vivem no espectro autista se tornou outra bandeira de Durval e a esposa, depois deles terem revolucionado o entendimento sobre a fibrodisplasia. Durval é professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), de onde ele também conduz as pesquisas.
“Nós queremos deixar um legado para Campo Grande e para Mato Grosso do Sul. Nosso sonho é construir um centro para diagnósticos, especialmente, do autismo equipado com ambulatório, laboratório. Psicólogos para fazerem o diagnóstico que é muito caro”.
Durval Palhares, médico.
Para tanto, explica o médico, é necessário investimento. O IAPES é mantido por doações, sem nenhum apoio do poder público. Eventualmente, o casal realiza eventos para custear as despesas com pesquisa e na formulação das medicações.
Ajude o IAPES
Doações de qualquer valor podem ser feitas ao IAPES através dos dados abaixo.
Dotado com a humildade que é inerente às pessoas que realmente fazem a diferença, Durval não se vangloria por ter se tornado referência no tratamento da FOP, ou despontar nas pesquisas sobre o autismo no estado. Pelo contrário, ele acredita que ainda tem muito para contribuir.
“Eu acho que eu continuo no caminho para ajudar. Parar no caminhão, não dá”.
Durval Palhares, médico.
Marilene, a companheira mais leal de Durval em tantos anos de luta, completa.
“Já percorremos um tempo bem longo, nós não temos o mesmo tempo pela frente, mas todo o conhecimento que adquirimos nos trouxe até aqui, hoje. Se algo acontecer e não pudermos atingir estes nossos objetivos, mesmo assim, nosso nome está cravado na literatura e vai servir para que outras pessoas continuem o nosso trabalho. A ciência não tem fim”.
Marilene Palhares, dentista.
Já Alexandre, que há 40 anos inspira Durval rumo a novas descobertas na medicina, deixa claro o quanto é grato por tamanha dedicação.
“Eu sempre serei grato pelo pai e pela mãe que eu tenho. Pela minha família em si, um ajuda o outro, um torce pelo outro”.
Alexandre Palhares.
Neste Dia dos Pais, o rapaz deixa mensagem que também serve de lição.
“Não somos eternos, somos apenas sementes da eternidade. Então temos que abraçar nossos pais como se fosse o único dia que o vemos e agradecer cada segundo que os temos por perto”.
Alexandre Palhares.
Fonte: primeirapagina