O espaço que é símbolo de resistência ganhou uma tenda de palha e um banheiro feito de adobe para receber as primeiras três edições da feira. Ali, sob o calor do cerrado, uma mulher negra vestida com estampa afro recebe os visitantes com um sorriso firme, o mesmo que atravessa gerações no quilombo Mata Cavalo.
Enquanto se abana para espantar o calor, Maria Josefina, a idealizadora do projeto que criou a Feira Dona Fia, conta que não pretende parar em edições mensais e sonha que as mulheres empreendedoras do território tenham um espaço fixo para vender o que produzem para turistas que visitam Mata Cavalo.
“Minha avó foi uma das primeiras a chegar aqui, fazia de tudo para nos manter, mas o forte dela eram os doces e as raízes. Desde nova aprendi a empreender para sobreviver, e agora estamos trazendo essa força para as novas gerações”. .jpeg)
Com uma área de cerca de 14 mil hectares, Mata Cavalo é composto pelas comunidades Águaçu de Cima, Mata Cavalo de Cima, Ponte da Estiva, Capim Verde, Mata Cavalo de Baixo e Mutuca. Até junho de 2023, Mato Grosso possuía 78 comunidades reconhecidas, dessas 71 já certificadas como remanescentes de quilombos, junto à Fundação Cultural Palmares. Só no território de Nossa Senhora do Livramento, há sete comunidades quilombolas registradas.
A feira, realizada de forma inclusiva, reúne mulheres de diferentes religiões e trajetórias, unidas pela vontade de mostrar a riqueza do quilombo e gerar renda.
“Aqui temos evangélicas, católicas, espíritas, pessoas da umbanda e do candomblé. O que importa é o respeito. É através dele que conseguimos fazer o negócio girar”, afirma.
Debaixo da tenda, pequenos empreendedores se reúnem para vender produtos da agricultura familiar e artesanais. Dezenas de melancias extremamente doces, biscoitos de polvilho, banana chips, farinha, conservas e produtos naturais, feitos com raízes colhidas pelas próprias mulheres no território, são algumas das opções.
O evento, que começou tímido, ganha força a cada edição. De poucos visitantes na primeira, a feira hoje atrai turistas de várias regiões, tornando-se um ponto de encontro de saberes e de celebração da cultura afro-brasileira.
“Na segunda edição já tivemos mais gente, e agora, na terceira, as mulheres estão felizes em ver que conseguem vender e ter sua própria renda. Isso muda tudo, porque muitas sofriam com a dependência financeira dentro de casa.”
A feira também é uma ferramenta de enfrentamento da evasão juvenil. Crianças e jovens participam com apresentações de siriri e dança afro, mantendo vivas as tradições que sustentam o orgulho quilombola.
“Aqui em casa é o point da juventude, eles aparecem nem que seja para jogar free fire. Trocamos conversas, eles ajudam no coletivo. Fomentar a economia criativa inspira eles também ao ver isso aqui cheio de pessoas de fora. Explico para eles que não é fácil empreender, que hoje os jovens querem a coisa do sucesso, mansões e carrão… Mas isso não é objetivo, nosso objetivo aqui hoje é trabalhar para o social. Conforto é bom? É bom, mas vamos fazer algo para deixar um legado”.
Além da venda de produtos, o quilombo começa a se firmar como destino turístico. Entre 2023 e 2024, o território recebeu 16 operadoras de turismo internacional, com visitantes da Alemanha, Estados Unidos, Portugal e Chile — inclusive uma emissora chilena que gravou reportagens sobre o local.
Para Maria, a feira se apresenta como vitrine da cultura, da força e da ancestralidade de um povo que há séculos resiste. No mesmo solo em que as avós fiavam algodão e teciam redes para sobreviver, as novas gerações tecem novos caminhos. O cerrado, ameaçado pela mineração, ainda é abrigo e inspiração.
“Vi o sofrimento do nosso povo lá atrás para chegarmos hoje. E eu sofri, violência, abuso e preconceito. O que passamos para o jovem é sobre resistir, território quilombola é resistência”.
Fonte: Olhar Direto






