Quando o descondenado-em-chefe declarou, em Santiago do Chile, que , não improvisava, tampouco escorregava. Falava com a franqueza típica de quem já não se vê obrigado a dissimular. A frase, mais do que um lapsus autoritário, é a confissão de um projeto político que há muito substituiu a democracia como valor por sua função meramente utilitária. Em outras palavras: uma democracia enquanto convém, e apenas enquanto convém.
A concepção instrumental do regime democrático não é anedótica nem nova. Está registrada em vídeo no 3º Congresso do Partido dos Trabalhadores, realizado em 2007, numa seção significativamente intitulado . Nele, a certa altura, diz-se com todas as letras: “Com a queda do Muro de Berlim, e o colapso em curso na URSS, o PT avança nas formulações sobre o socialismo petista e reafirma o compromisso com a democracia, como questão estratégica”.
Traduzindo da novilíngua uspiana (e é fácil imaginar Marilena Chauí debruçada sobre o roteiro) para o português: o processo democrático é útil enquanto serve à conquista e à manutenção do poder; quando deixa de servir, torna-se descartável.
Às vésperas de sua primeira vitória eleitoral, em 2002, . A frase de campanha somada à confissão doutrinária do congresso partidário e à fala recente no Chile compõem a trindade ideológica do lulopetismo: eleição como rito, democracia como instrumento, poder como fim absoluto.
Esse modelo não nasce do acaso, mas da matriz forjada no Foro de São Paulo — onde o jogo democrático sempre foi visto como meio tático de inserção institucional, jamais como horizonte normativo. Por isso, alternância de poder é vista como ameaça, não como regra; a oposição, como sabotagem; e a liberdade, como risco que precisa ser regulado. E o que não pode ser controlado é neutralizado pelo aparelhamento do aparato repressor do Estado — outra doutrina defendida no vídeo-propaganda supracitado —, sob o pretexto de combater “ameaças à democracia”.
Em seu terceiro mandato — amparado pelo , pela Globo e por uma elite econômica disposta a abanar o rabinho para o dono comunista em troca de petiscos financeiros —, o companheiro de Fidel Castro e Hugo Chávez já não precisa fingir reverência às formas. Sua recente declaração, longe de ser escandalosa, é apenas a vocalização tardia de uma velha convicção. Quando o presidente afirma que eleições regulares não garantem democracia, o que anuncia, com a serenidade dos que contam com a leniência institucional, é que a liturgia democrática e o “teatro das tesouras” já cumpriram a sua função histórica. Agora, é hora de avançar para a próxima fase: a substituição do voto pela gestão permanente de um consórcio que une partido, Judiciário e imprensa em nome de uma governabilidade sem povo.
No fim das contas, a democracia que o quer é aquela que lhe garante o poder, e nada além disso. O resto – Constituição, alternância, imprensa livre, oposição – são meras contingências. Que se aceitam quando úteis. E que se abandonam, sem cerimônia, quando deixam de ser.

Fonte: revistaoeste