A Justiça de Cuiabá anulou uma dívida superior a R$ 200 mil que vinha sendo cobrada indevidamente de um morador da capital. A decisão, proferida por uma magistrada da 10ª Vara Cível, considerou que um hospital particular agiu em “configuração de vício de consentimento por estado de perigo” ao condicionar o atendimento emergencial de um idoso à assinatura de documentos sem leitura prévia e ao pagamento de R$ 5 mil. A sentença é da última terça-feira (23) e ainda pode ser alvo de recurso.
Os autos do processo revelam que, em 5 de janeiro de 2021, um homem levou seu avô para um atendimento médico de urgência. O idoso foi internado, e, sob a pressão da situação, o neto precisou assinar uma série de documentos relacionados à internação, além de efetuar um depósito inicial de R$ 5 mil.
Ele alegou que, devido à gravidade do estado de saúde do avô, assinou os papéis sem ter a chance de ler o conteúdo, pois eram uma condição para o atendimento imediato. O quadro do paciente piorou, exigindo encaminhamento para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas, infelizmente, ele faleceu no dia 25 do mesmo mês.
Em maio de 2025, o neto foi surpreendido com uma cobrança do hospital no valor de R$ 222.691,40. Posteriormente, ele descobriu que uma duplicata havia sido protestada em seu nome, mesmo tendo recusado o aceite e solicitado a especificação dos serviços. Diante disso, sua defesa buscou na Justiça a declaração de inexistência da dívida, a nulidade da duplicata e uma indenização por danos morais de R$ 20 mil.
Hospital agiu em “estado de perigo” e com abuso de conduta
Em sua decisão, a magistrada identificou “inequívoca a configuração de vício de consentimento por estado de perigo”. Um dos depoimentos no processo, de uma recepcionista do hospital, confirmou que, caso o acompanhante não assinasse, o idoso não seria internado.
Foi constatado também que não houve informação clara sobre os custos aos acompanhantes; a prática se limitava a entregar documentos para assinatura, e mesmo quando o paciente não está inconsciente, a assinatura é colhida apenas do acompanhante.
“Premido pela necessidade urgente de garantir atendimento médico ao seu avô idoso, em grave risco à vida, o autor viu-se compelido a aceitar as condições impostas unilateralmente pelo réu, sem possibilidade de negociação ou mesmo de compreensão adequada do alcance das obrigações que lhe estavam sendo atribuídas”, citou a juíza, que classificou como abusiva a exigência da cobrança inicial de R$ 5 mil para a internação.
Para a magistrada, o hospital, ao exigir a assinatura dos documentos em uma situação de extrema vulnerabilidade, “aproveitou-se do estado emocional do autor para obter vantagem manifestamente desproporcional”. A excessiva onerosidade da dívida final (R$ 222.691,40) em comparação com o valor inicial (R$ 5.000,00) também foi um fator para comprovar a falha.
“Ademais, embora o réu tenha comprovado a prestação dos serviços hospitalares através das faturas apresentadas nos autos, a duplicata protestada carece de causa jurídica válida em relação ao autor, uma vez que este não possui responsabilidade pelo débito, conforme demonstrado”, concluiu.
Diante dos fatos, a magistrada declarou a inexistência do débito de R$ 222.691,40, a nulidade da duplicata, e condenou o hospital a pagar R$ 5 mil por danos morais, além das custas processuais e honorários advocatícios.
Fonte: cenariomt