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Jornalista que recebeu menção dos EUA em sanção contra Moraes foi detido por criticar STF por um ano

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“É uma vergonha um Poder tomar a atribuição do outro”.
“Sem liberdade, não existe independência”.
“Não tenho dúvidas da invasão do STF hoje a qualquer momento num ato de desespero do brasileiro de reaver suas liberdades”.

Essas foram algumas postagens em redes sociais que fizeram o jornalista Jackson Rangel, hoje com 62 anos, passar 368 dias preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes. O jornalista – que nunca foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), mas segue com tornozeleira eletrônica até hoje – foi citado pelo governo do presidente norte-americano Donald Trump como um dos exemplos de abuso judicial para sancionar o ministro.

“Moraes deteve arbitrariamente um jornalista por mais de um ano em retaliação por exercer a liberdade de expressão”, afirmou o comunicado do Departamento do Tesouro dos EUA, emitido em 30 de julho. “Moraes investigou, processou e reprimiu aqueles que se envolveram em discursos protegidos pela Constituição dos EUA, submetendo repetidamente as vítimas a longas detenções preventivas sem apresentar acusações”, apontou o texto.

Ainda que seu nome não seja citado, Jackson Rangel foi o único jornalista preso pelo período informado pelos Estados Unidos. Ele foi encarcerado em 15 de dezembro de 2022 sob o argumento de disseminar “fake news atentatórias ao Estado Democrático de Direito” e recebeu liberdade provisória mais de um ano depois, em 20 de dezembro de 2023.

“Nunca vi um caso tão chocante de alguém que foi preso indevidamente”

Advogada e comentarista Fabiana Barroso, sobre o caso Jackson Rangel

Desde essa data, Rangel cumpre medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica e as proibições de se ausentar da cidade de Cachoeiro de Itapemirim (ES), sair de casa à noite e aos finais de semana.

“Essas medidas impactam gravemente sua vida pessoal e atuação profissional, impedindo deslocamentos para apurações, entrevistas e encontros com fontes”, diz a defesa, em nota, ao ressaltar que “relatórios da Polícia Federal, incluindo o conclusivo, atestam a inexistência de provas ou indícios dos crimes alegados, mesmo após uma quebra de sigilo de seis anos – possivelmente a maior da história do STF”, prossegue.

A defesa informa, ainda, que não há denúncia formal que mostre crime cometido por Jackson Rangel, e que a “prolongada indefinição processual e a manutenção das restrições” ferem os princípios constitucionais do devido processo legal, presunção de inocência e proporcionalidade.

Preso sem denúncia, caso Jackson Rangel é tratado por especialistas como “absurdo”

“Nunca vi um caso tão chocante de alguém que foi preso indevidamente”, afirmou a advogada e comentarista de política Fabiana Barroso em vídeo publicado na Gazeta do Povo em janeiro de 2024. Dois dias antes, a situação havia sido divulgada nacionalmente pela primeira vez.

Segundo a advogada, o fato de Jackson Rangel ser jornalista e advogado tornou os fatos ainda mais preocupantes. “Sem o exercício livre dessas duas profissões, já estamos em plena ditadura”, disse. “Não é normal em nenhuma democracia acontecer esse tipo de coisa”, complementou o especialista em direito digital Emerson Grigolette.

Em sua fala, o advogado afirmou que os passos legais de um processo foram ignorados no caso de Jackson Rangel. “Tudo foi simplesmente atropelado, destruído de forma absolutamente absurda”, enfatizou, ao apontar que o jornalista foi punido e cumpriu pena “sem nem ter tido denúncia”, e que o suposto crime de “disseminar fake news atentatórias ao Estado Democrático de Direito” se enquadraria, no máximo, em uma possível queixa-crime por calúnia.

No entanto, Rangel foi alvo de pedido de prisão e de outras medidas cautelares, viu os 20 computadores de seu jornal no Espírito Santo serem apreendidos e teve todas as redes sociais bloqueadas.

“Fui submetido a um regime de tortura incompatível com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos”, lamentou o capixaba em entrevista à Gazeta do Povo em 2024. “Fui vítima, eu sim, de atos antidemocráticos que violentaram o devido processo legal, a ordem constitucional e todos os valores civilizatórios imagináveis”, continuou.

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Tese contra o jornalista foi apresentada ao STF de forma ilegítima

Na decisão sigilosa apresentada por Moraes, à qual a reportagem teve acesso, o ministro usou uma tese da Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo (PGE-ES) de que o jornalista seria autor de “virulentas postagens” contra a Suprema Corte em seu perfil no X (na época, ainda Twitter).

“Os pedidos foram formulados pela PGE-ES, que não tem legitimidade para peticionar perante o Supremo Tribunal Federal (STF)”, explicou o ex-procurador da República Deltan Dallagnol. Segundo ele, a petição deveria ter sido indeferida imediatamente pelo STF e arquivada.

Dallagnol também apontou que o jornalista não tem foro privilegiado para ser julgado diretamente pelo Supremo, e que foi preso sob argumento de um suposto crime que sequer existe no Código Penal Brasileiro, o de “fake News”.

O ex-procurador ainda ressaltou que as frases citadas pelo jornalista foram meras críticas ao Supremo, e que ele mesmo teria feito comentários mais fortes e incisivos. “Isso faz parte do exercício regular do direito de liberdade de expressão e de imprensa”, afirmou, apontando que mesmo assim Jackson Rangel foi preso sem crime e mantido na cadeia 11 meses a mais que o período máximo permitido para uma prisão preventiva regular.

Segundo a defesa do capixaba, a PGR recusou dar prosseguimento ao caso na época por não visualizar nenhum crime e emitiu vários pareceres pelo arquivamento do processo. “A PGR também recorreu contra as prisões e demais medidas, mas o agravo regimental não foi levado a plenário pelo ministro relator [Alexandre de Moraes]”, informou, em nota.

“Isso é violação do princípio acusatório. Mas o que o Moraes fez? Ignorou e manteve a pessoa presa, sem denúncia”, apontou Dallagnol.

Quem é Jackson Rangel?

Morador de Cachoeiro de Itapemirim, no interior do Espírito Santo, Rangel trabalha como jornalista há 42 anos. À Gazeta do Povo, ele relatou que sempre atuou de forma independente, fiscalizando e divulgando “fatos incômodos aos poderosos do momento” e que, por isso, já havia sido alvo de processos judiciais em ações de indivíduos que se sentiram lesados por citações em suas reportagens.

“Isso é normal”, disse. “O anormal é prender jornalistas para silenciá-los e inviabilizá-los, algo que não se via desde a ditadura”, continuou, em entrevista concedida no ano passado.

Fonte: gazetadopovo

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