O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, marca um momento de reflexão e também de celebração dos avanços da população negra no Brasil. Um dos mais significativos é o aumento da presença de estudantes negros nas universidades públicas e privadas do país, impulsionado pelas políticas de ações afirmativas.
Dados do Censo da Educação Superior do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o ingresso de alunos por meio de cotas entre 2014 a 2022 cresceu 167%.
A análise do IBGE reforça essa tendência, indicando que a proporção da população preta e parda com nível superior completo quintuplicou entre 2000 e 2022.
Apesar do crescimento, o desafio de inclusão persiste. Em 2023, o percentual de concluintes do Ensino Médio que ingressaram no Ensino Superior no ano seguinte foi maior entre a população Branca, que atingiu cerca de 40% e 50%, em comparação com a população Preta-Indígena, que manteve um percentual abaixo dos 30%.
Correção histórica e obstáculos
Para a socióloga e coordenadora de pós-graduação da UFMT, Silvana Maria Bittencourt, a presença de corpos negros na universidade é uma “correção histórica” de um processo de exclusão e violência que marcou o Brasil.
“A presença dos corpos das pessoas negras na universidade, representa uma correção histórica de corpos que foram marcados pela exclusão, pelas violências de um processo que vivemos na nossa história, de não direito de vários corpos dissidentes, especialmente os negros e as negras,” explica a professora.
Segundo a socióloga, o aumento da presença negra traz uma pauta de justiça social e é fundamental para romper a estrutura de opressão.
Avanço e luta
O estudante de Publicidade e Propaganda da UFMT, Ivan Estevam, concorda com a percepção do avanço, mas destaca o peso da representatividade e das desigualdades que persistem no campus.
“A presença negra aumentou, sim, e isso é importante, mas quando você circula pelos cursos, nas salas, nos corredores, ainda nota que somos minoria, principalmente em áreas mais valorizadas academicamente. Ao mesmo tempo, quando a gente chega lá dentro, sente o peso de ter que provar o tempo todo que merece estar ali”, afirmou o estudante.
Ivan complementa que, apesar de a universidade ser um ambiente transformador, ela ainda é “profundamente marcada por desigualdades históricas” e que ele percebe a ausência de pessoas negras em diversas turmas.
Racismo institucional
Silvana Maria Bittencourt aponta que as ações afirmativas incomodam muita gente, e que o problema não é o negro, mas o “ele ocupar o espaço, porque o espaço é poder”.
Outros desafios citados são:
- Burocratização: A dificuldade com documentação no processo de heteroidentificação em programas de pós-graduação, levando a indeferimentos mesmo para pessoas que se reconhecem como negras.
- Dor e reconhecimento: O processo de se reconhecer enquanto negro é de “muita dor”, muitas vezes, por conta da socialização racista.
Futuro: letramento e representatividade
Para a socióloga, a universidade precisa “endireitar o conhecimento” e combater o eurocentrismo acadêmico. Ela cita a importância de ter contato com estudantes negros, que trazem referências de autores latinos, negros e indígenas, mudando o currículo tradicional.
Apesar dos obstáculos, o futuro é promissor, mas exige atitude e letramento racial por parte de todos:
- Docentes negros: É fundamental ter mais professores negros na universidade, por exemplo, no departamento de Sociologia da UFMT, não há docentes negros.
- Inspiração: A presença de estudantes negros nos cursos de prestígio e a formação de coletivos mostram a estudantes de escolas públicas que “pode ter outro percurso” e que a universidade “não é só para o filho de operário ser operário”.
- Ouvir: Os estudantes negros têm voz; o problema é que “eles não foram escutados”.
A socióloga conclui que o número de alunos negros aumentou, mas o debate e as atitudes de integração e inclusão devem continuar, garantindo que o racismo não esteja resolvido.
Fonte: primeirapagina






