Sophia @princesinhamt
Economia

Governo responsabiliza setor agropecuário por questões climáticas na COP 30; indústria considera sabotagem

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O agronegócio está mobilizado para dissuadir o governo federal de apresentar o chamado Plano Clima na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em novembro, em Belém (PA). A razão é que, da forma como está redigido, o documento projetará o agro brasileiro mundialmente, de forma injusta, como o maior responsável pelo problema climático, afirmam representantes do setor.

Em elaboração desde 2023, o Plano Clima pretende orientar as políticas públicas brasileiras para mitigação e adaptação às mudanças climáticas até 2035.

A iniciativa visa alinhar o Brasil às metas do Acordo de Paris, por meio do qual o país assumiu, como sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), o compromisso de cortar entre 59% e 67% das emissões líquidas de gases do efeito estufa até 2035, em relação aos níveis de 2005.

Além de estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, o plano é composto por planos setoriais para conservação da natureza, agricultura e pecuária, indústria, produção de energia, transportes, cidades e resíduos sólidos e efluentes domésticos.

O texto foi organizado pelo governo federal por meio do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), presidido pela Casa Civil e com representação de 23 ministérios, com a secretaria executiva exercida pela pasta do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Houve ainda uma série de consultas públicas para participação da sociedade civil, academia, setor privado, estados e municípios. A insatisfação do agronegócio surgiu tão logo a proposta final do Plano Clima foi apresentada, em 18 de agosto.

FPA classifica plano como “autossabotagem” por prejudicar imagem do setor internacionalmente

Em reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no dia seguinte, o presidente da bancada, deputado Pedro Lupion (PP-PR), classificou o Plano Clima como “autossabotagem” e disse que o documento “vai na contramão dos esforços diplomáticos para defender a imagem do agro no exterior”.

“Uma autossabotagem para criar palanque ideológico na COP30”, afirmou o parlamentar. “O agro é o grande ativo do Brasil. Não é responsável pelo desmatamento, é responsável pela geração de empregos, renda e conservação.”

Para a bancada e outras entidades do setor, há uma excessiva concentração de obrigações para a agricultura e pecuária. A título de comparação, enquanto está prevista a meta do setor de reduzir em até 54% suas emissões até 2035, o setor de energia pode aumentar suas emissões em até 44% no mesmo período.

O plano ainda atribui ao setor agropecuário a emissão de mais de 800 milhões de toneladas equivalentes de CO2 por desmatamento, incluindo áreas de assentamentos e comunidades tradicionais. O montante supera as próprias emissões produtivas do setor (643 MtCO2e).

“Ao incluir desmatamentos em assentos da reforma agrária e de comunidades tradicionais, o plano distorce a realidade e amplia artificialmente a responsabilidade do setor. Isso falsifica os dados e compromete a credibilidade da meta climática”, diz trecho de documento da FPA.

O setor alega ainda que a proposta não considera remoções de carbono feitas por áreas de preservação permanente e reserva legal, nem a produção agropecuária e sua metodologia tropical, ambientalmente mais adequadas. Biocombustíveis e bioinsumos, que sequestram milhões de toneladas de CO por ano, também ficaram de fora do balanço.

Além disso, questiona-se o uso de fontes de dados não oficiais, como as produzidas no âmbito do MapBiomas, e em um modelo que não é auditável nem aberto.

Outro ponto criticado é a previsão de redução até mesmo da chamada “supressão legal” da vegetação — desmatamentos permitidos por lei — sem que haja garantias de instrumentos de incentivo, compensação ou recursos suficientes para apoiar o produtor rural.

O próprio Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) chegou a encaminhar um ofício à Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente com pedidos de mudanças na proposta.

Lupion destaca ainda uma contradição entre o plano proposto e a resposta oficial do Brasil à investigação da Seção 301 feita pelo governo dos Estados Unidos. No documento enviado pelo governo brasileiro, o agro brasileiro é descrito como setor estratégico, que “não pode ser apontado como o principal vetor do desmatamento” e que gera “empregos, renda e desenvolvimento”.

Sociedade Rural Brasileira pede adiamento da publicação do Plano Clima

Nesta semana, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) lançou um manifesto em que pede publicamente que o Plano Nacional de Mitigação do Setor Agropecuário seja revisto e sua publicação postergada para que haja mais debate sobre a proposta.

“O Plano Clima precisa ser pautado em consenso técnico, clareza metodológica e alinhamento político para assegurar sua efetividade e proteger a competitividade do agro brasileiro nos mercados globais”, diz Sérgio Bortolozzo, presidente da SRB.

Segundo a entidade, a proposta altera de maneira substancial a lógica atualmente vigente no Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa (INGEE) ao transferir para o setor agropecuário a responsabilidade pelas emissões de desmatamento em propriedades rurais.

A mudança metodológica, de acordo com a SRB, rompe com a estrutura internacionalmente aceita pela ONU e utilizada nos inventários oficiais, gerando inconsistência e fragilizando a credibilidade internacional do Brasil.

A SRB enviou contribuições durante a fase de consulta pública do plano setorial, defendendo a revisão das metas. Diversas outras entidades do agro apresentaram a mesma demanda, incluindo a Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), a Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás), o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Setor pecuário pede transparência sobre metodologia e reconhecimento de ações sustentáveis

Outra associação que defende mudanças no plano é a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, que reúne mais de 60 organizações de toda a cadeia do setor comprometidas com a manutenção da biodiversidade.

“O setor pecuário identificou pontos que precisam de maior clareza e aperfeiçoamento para garantir a efetividade do plano e evitar interpretações equivocadas sobre o papel da agropecuária”, diz nota da entidade.

Entre as propostas apresentadas pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável ao governo federal estão:

  • mais transparência sobre a forma como serão calculadas as emissões, mostrando quais dados e metodologias foram usados e como cada atividade da agropecuária contribui para atingir as metas;
  • reconhecimento das práticas já adotadas no campo, como recuperação de pastagens, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e manejo de dejetos;
  • contabilização de remoções de carbono no solo, incluindo as geradas pela restauração de vegetação nativa e recuperação de pastagens nas propriedades rurais;
  • inclusão de medidas adaptadas à realidade da agricultura familiar, como linhas de crédito, assistência técnica e formas de medir resultados compatíveis com sua escala de produção;
  • acompanhamento por etapas, com estabelecimento de marcos intermediários (como em 2032 e 2034), além das metas para 2030 e 2035, para acompanhar o progresso e corrigir rotas, se necessário;
  • fortalecimento da plataforma AgroBrasil+Sustentável como principal ferramenta de acompanhamento, integrada a cadastros como o CAR, para dar mais clareza e credibilidade aos resultados;
  • reconhecimento oficial de tecnologias já validadas, como aditivos que reduzem a emissão de metano pelos animais, além de financiamento e assistência técnica para as inovações que cheguem ao campo de forma acessível.

“O Plano Clima é fundamental para orientar as políticas públicas do país frente aos desafios climáticos, e a pecuária tem um papel importante nesse processo. Por isso, acreditamos que é essencial que as metas estabelecidas sejam claras, factíveis e reconheçam os avanços que já estão em curso no campo”, diz Ana Doralina Menezes, presidente da associação.

“As adequações que propomos buscam justamente dar mais transparência, precisão e viabilidade ao plano, para que ele seja um instrumento de transformação real, capaz de impulsionar a competitividade da pecuária brasileira e mostrar ao mundo que o Brasil pode liderar a produção sustentável de carne.”

CNA defende maior participação do Legislativo na elaboração das metas

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) classifica a responsabilidade atribuída ao agro na Estratégia Nacional de Mitigação do Plano Clima como “preocupante”.

Em audiência pública realizada na Comissão de Agricultura do Senado, o coordenador de Sustentabilidade da CNA, Nelson Ananias Filho, disse que falta clareza sobre os critérios utilizados para classificar a participação dos setores econômicos nas emissões, que o plano atribui o desmatamento em áreas não privadas ao agro, além de não fazer distinção entre desmatamento legal e ilegal até 2035.

“Temos contribuição, mas nem toda responsabilidade é do agro. Desmatamento ilegal não é responsabilidade do produtor rural. Há uma série de ações que não estão bem descritas e acabam atribuindo uma responsabilidade maior do que realmente o setor tem governança”, afirmou Ananias Filho.

O representante da CNA defendeu a necessidade de que as NDCs sejam discutidas pelo Congresso Nacional, para que se tornem públicos os impactos das metas para os diferentes setores econômicos, notadamente o agro brasileiro. Para ele, as distorções identificadas no plano são resultado de um histórico de NDCs assumidas pelo Brasil sem discussão prévia sobre os meios de cumpri-las.

A ideia é defendida também pelo setor do cooperativismo. Na mesma audiência, o consultor ambiental do Sistema OCB, Leonardo Papp, questionou o fato de o plano ter sido elaborado sem a presença efetiva do Legislativo, apesar de tratar de compromissos internacionais e de impor metas relevantes ao patrimônio nacional.

“Não é adequado que tamanhas responsabilidades sejam assumidas sem a devida deliberação democrática. O Parlamento precisa estar no centro desse debate”, disse.

Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima justifica plano para agricultura e pecuária

A mobilização do agro contra a proposta do Plano Clima levou o MMA a divulgar uma nota na qual defende que as emissões e remoções contabilizadas no Inventário Nacional seguem os padrões metodológicos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) e foram redistribuídas de acordo com as responsabilidades setoriais. “Essa reorganização dos dados é fruto de um entendimento entre os diversos setores e ministérios do governo federal”, diz a pasta.

O ministério afirma ainda que a adequação não se aplica apenas ao setor agropecuário. Como comparação, a nota cita o caso do Plano Setorial de Mitigação da Indústria, que incorpora não apenas as emissões de processos industriais, mas também as associadas ao uso de combustíveis e aos resíduos.

Para a agricultura e pecuária, a pasta argumenta que o plano abrange ações sob responsabilidade do Mapa, mas também dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Pesca e Aquicultura (MPA), com participação do MMA e outros órgãos federais.

“Por isso, contabiliza todas as emissões e remoções por atividades agropecuárias e mudanças no uso da terra, incluindo desmatamento e restauração da vegetação nativa, provenientes de propriedades rurais privadas (grandes, médios e pequenos produtores), assentamentos da reforma agrária e territórios quilombolas, além das atividades de piscicultura e aquicultura”, justifica.

A nota afirma ainda que as projeções e metas para remoção de carbono estão baseadas em metodologias do Inventário Nacional, de responsabilidade do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e segundo as quais estão contempladas captura de carbono em práticas agropecuárias, como recuperação de pastagens e sistemas integrados, porém “de forma cautelosa”, “priorizando dados disponíveis em escala nacional”.

A pasta do Meio Ambiente diz ainda que o governo trabalha, em parceria com a Embrapa e especialistas, para aperfeiçoar a contabilização dessas informações nos próximos inventários, considerando também a contribuição do setor para a remoção de carbono por meio de ações de manutenção e recuperação da vegetação nativa.

Fonte: gazetadopovo

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