Durante milhões de anos, os saurópodes – os gigantes de pescoço longo como o Brachiosaurus e o Dreadnoughtus – foram os maiores animais terrestres do mundo. Geralmente são representados como criaturas pesadas que caminham lentamente sobre quatro patas, mas, agora, esses colossos ganham uma nova dimensão: uma pesquisa brasileira sugere que esses animais podiam, sim, se erguer sobre as patas traseiras.
Em um estudo recente publicado na revista Paleontology, uma equipe liderada pelo paleontólogo Julian Silva Júnior, da Unesp, empregou técnicas de simulação digital para testar se os saurópodes conseguiam sustentar uma posição bípede.
“Esse comportamento está presente em todos os quadrúpedes modernos, seja para alimentação, acasalamento ou defesa”, explica Silva Júnior para o Jornal da Unesp. “Mas até recentemente não havia tecnologia suficiente para testar se os saurópodes também conseguiam.”
A equipe utilizou fêmures fossilizados de sete espécies diferentes, que foram digitalizados em 3D e restaurados virtualmente. Em seguida, aplicaram a chamada análise por elementos finitos (FEA), uma técnica comum na engenharia para testar a resistência de estruturas antes de serem construídas.
Com esse recurso, foi possível simular as forças externas (como o peso do próprio corpo) e internas (como a tensão gerada pelos músculos) que atuariam sobre os ossos se o animal tentasse se erguer. Até mesmo as cicatrizes deixadas pelos músculos nos ossos, conhecidas como “acidentes osteológicos”, foram usadas para reconstruir a provável anatomia da musculatura.
Os resultados mostraram que todas as espécies testadas tinham a capacidade de se erguer em duas patas. Porém, havia diferenças marcantes: saurópodes menores, como o Neuquensaurus (com cerca de seis metros de comprimento e até seis toneladas), apresentavam ossos mais robustos e suportavam melhor o esforço. Já o colossal Dreadnoughtus, que podia ultrapassar 60 toneladas, sofria estresses 16 vezes maiores no fêmur, o que tornava o movimento possível, mas muito menos eficiente.
“Faz sentido que animais maiores tivessem mais dificuldade”, comenta Felipe Montefeltro, coordenador do Laboratório de Paleontologia e Evolução da Unesp. “Mas, até agora, isso nunca tinha sido testado para os saurópodes”, disse para o jornal da universidade.
A postura bípede teria múltiplas funções. No Cretáceo, as florestas eram dominadas por araucárias que podiam ultrapassar 40 metros de altura. Mesmo para os pescoçudos, erguer-se era uma vantagem para alcançar folhas inacessíveis – uma estratégia ainda observada em elefantes modernos. Isso explicaria também a facilidade que os pescoçudos menores tinham para se erguer em duas patas: eles sim precisavam de uma ajudinha a mais para alcançar as folhas, em comparação com seus primos mastodônticos.
Além da alimentação, os pesquisadores sugerem que o comportamento poderia estar ligado ao acasalamento e até à defesa. Ao se erguer, esses animais conseguiriam facilitar o contato reprodutivo ou adotar posturas de intimidação contra predadores e rivais.
Apesar de o estudo não encerrar o debate, ele abre caminho para uma reconstrução mais realista da biomecânica dos maiores animais terrestres que já existiram.
“Não temos equivalentes vivos dos saurópodes”, lembra Silva Júnior ao Jornal da Unesp. “O que torna muito interessante investigar questões biomecânicas, sobre como eles se erguiam, levantavam e abaixavam o pescoço ou usavam a cauda”.
Fonte: abril