Com as temperaturas em alta e o uso intensivo do ar-condicionado, muitos consumidores temem o impacto na conta de luz. No entanto, um problema oposto também pode resultar em custos adicionais. O excesso de eletricidade disponível no sistema gerou um impasse entre as geradoras de energia eólica e solar, a (Aneel) e o (ONS).
A Aneel reconheceu a existência do impasse. De acordo com a agência, uma disputa judicial envolve empresas que defendem a cobrança dos consumidores por energia, mesmo quando não há necessidade de uso. Para a Aneel, essa cobrança não se justifica. O ONS, por sua vez, não se pronunciou sobre o caso.
Em 2023, diversas geradoras, especialmente no Nordeste, tiveram sua produção restringida. A justificativa foi a oferta excessiva, que poderia comprometer a estabilidade do sistema elétrico. Estima-se que o setor eólico tenha registrado prejuízos de R$ 1,7 bilhão. Esse valor corresponde a metade do consumo elétrico de Goiás naquele ano. Já o setor solar calculou perdas de R$ 673,5 milhões.
No Rio Grande do Norte, alguns parques eólicos relataram reduções de até 60% na geração de energia. A Aneel determinou os cortes, e o ONS seguiu as diretrizes. Como consequência, as empresas buscam compensações financeiras e recorreram aos governadores para levar a questão ao presidente (PT).
A Abeeólica afirma que a compensação pelos cortes de 2024 teria impacto mínimo nas tarifas. O acréscimo estimado na conta de luz seria de 0,38%. Caso não haja uma solução, as restrições podem se repetir em 2025, o que pode ampliar ainda mais os custos para os consumidores.
O Ministério de Minas e Energia declarou que trabalha para mitigar os cortes na geração de eletricidade e garantir a estabilidade do Sistema Interligado Nacional. Nos últimos dois anos, o governo destinou R$ 60 bilhões para expandir a transmissão de energia gerada no Nordeste.
Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica, critica as restrições impostas ao setor. Ela lembra que o modelo brasileiro prevê a divisão de ônus e bônus entre geradores e consumidores.
“Em 2021, quando todo mundo precisava de energia e estava seco, as eólicas geraram muito bem e salvaram o sistema de um preço alto da energia”, declarou a presidente. “Agora que, por uma razão ou outra, o sistema não precisa ou não pode receber energia que estou produzindo, eu vou ter de pagar? Quer dizer que na hora do ônus, eu salvo a Pátria; e na hora que o sistema está tranquilo, não vai pagar a conta?”
Em uma reunião realizada em 6 de fevereiro, governadores do Nordeste apresentaram queixas sobre os impactos das restrições. O presidente Lula ordenou que a Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia encontrassem uma solução. Na semana passada, o ministro Alexandre Silveira anunciou a criação de um grupo de trabalho com a Aneel e o ONS para discutir o tema com geradores e grandes consumidores de energia.
Para o governador do Piauí, Rafael Fonteles, presidente do Consórcio do Nordeste, a insegurança na geração compromete novos investimentos.
“O impedimento na geração provoca uma insegurança que pode afetar novos empreendimentos, e esse é um tema prioritário para os governadores do Nordeste”, disse Fonteles ao O Estado de S. Paulo.
Empresas do setor de energia renovável ressaltam que o desequilíbrio no sistema pode levar algumas geradoras à falência. Bancos públicos, como o Banco do Nordeste, que financiou muitos desses projetos, também seriam afetados. Enquanto isso, grandes consumidores de eletricidade rejeitam a ideia de indenizações e defendem incentivos para estimular a indústria a aumentar o consumo de energia limpa.
Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e Livres (Abrace), propõe que o governo implemente benefícios fiscais e linhas de crédito para modernizar o setor industrial. Dessa forma, o consumo de energia renovável aumentaria, e os produtos brasileiros se tornariam mais competitivos no mercado global.
“Se tem debêntures incentivadas para estimular a produção de energia e o financiamento do BNDES para parques eólicos, vamos fazer isso do outro lado do espelho”, disse Pedrosa. “Ou seja, vamos usar debêntures incentivadas, financiamento, modelos de depreciação acelerada para modernizar a indústria e aumentar o consumo de energia e produzir produtos competitivos de baixa emissão para o mercado global.”
Uma alternativa em estudo na Aneel e no Ministério de Minas e Energia envolve a redução do preço da eletricidade nos períodos de maior produção solar e eólica. Essa estratégia incentivaria o consumo industrial nesses momentos, e poderia equilibrar a oferta e a demanda de energia renovável no país.
Fonte: revistaoeste