Muito se diz que o Rio de Janeiro não é para amadores. Mas, aparentemente, nem profissionais conseguem lidar. O Waze, aplicativo israelense de geolocalização com cerca de 150 milhões de usuários ativos em mais de 180 países, é especialista em indicar o caminho mais curto, mas ainda não aprendeu que a distância menor nem sempre é vantagem quando se trata da região metropolitana da capital do fluminense.
O erro poderia ter custado a vida de Anderson Diego Bonfim, de 30 anos. Ele e mais quatro pessoas voltavam da Tijuca, bairro da zona norte carioca, quando o Waze direcionou o carro para a Favela do Jacarezinho, na mesma região. Moradores de Nilópolis, na Baixada Fluminense, ninguém no grupo conhecia bem o caminho.
Quando Anderson se deu conta de onde estava, já era tarde. “Quando saímos do túnel Noel Rosa, o Waze mandava sempre seguir reto, seguir em frente, até que eu vi que era uma comunidade gigantesca, e quando eu olhei a placa, era a placa do Jacarezinho”, conta. Assim, na deficiência de jogo de cintura do aplicativo, fez-se necessária a regra de etiqueta implícita, mas já entranhada no cidadão fluminense.

“Lembrei do protocolo que um morador de comunidade me passou uma vez, quando trabalhei com ele”, relatou Anderson. Morador de Senador Camará, bairro da zona oeste da capital fluminense, o ex-colega ensinou que a primeira regra é não se apavorar: a manobra de retorno deve ser feita o mais suavemente possível.
“Fiz isso”, destaca. “Freei devagarzinho, vi que não estava passando carro nem para ir e nem para voltar, baixei o vidro do motorista e liguei o pisca-alerta, que é uma espécie de código não escrito nessas comunidades.” Felizmente, o protocolo deu certo. “Se fizer uma manobra brusca, os bandidos podem achar que é policial e vão fuzilar o carro.”
A crônica sensação de insegurança ganha uma dinâmica diferente fora dos morros. Se dentro das favelas o medo é ser percebido como invasor pelos agentes do crime organizado, fora delas é ser abordado por um bandido — que geralmente vem a pé ou de moto.
Novamente, o cidadão fluminense já tem um protocolo entranhado para tentar se proteger. Quando Karina Pacheco, de 27 anos, caminhava da igreja para casa — ambas em Nilópolis —, um grupo de rapazes de bicicleta passou por ela. Algo normal, não fosse o fato de todos estarem com o rosto encoberto por camisetas e darem meia-volta ao chegarem na esquina da rua onde ela estava.
A preocupação foi instintiva. “Já fiquei pensando na possibilidade de eles retornarem novamente e pegarem a rua que eu estava”, relata. Providencialmente, havia um casal conversando na porta de uma pequena vila um pouco mais à frente. Karina, então, foi na direção dos dois e explicou a situação.
Momentos como esse dão vazão à solidariedade no Rio de Janeiro. O casal foi solícito. “Se eles derem meia-volta novamente, a gente entra na avenida e você vem com a gente”, disseram a Karina. O planejamento foi oportuno, pois o grupo com rosto coberto retornou e, ao verem o trio dentro dos portões gradeados, gritaram palavras de deboche.

A moça permaneceu junto a seus benfeitores até o grupo ir embora de vez, mas não conseguiu ir caminhando para casa. Ela preferiu chamar uma moto por aplicativo.
Os relatos de Anderson e Karina dão corpo ao que a estatística ilustra. Desde 2013, os roubos de celular apresentam crescimento constante, interrompido em 2020 — quando boa parte da população passou o ano trancada em casa. Depois da , os números mantiveram queda por dois anos, mas voltaram a subir em 2024, quando houve registro de pouco mais de 21 mil casos de roubo de celular, um aumento de quase 40% ante o ano anterior, segundo .
O primeiro semestre de 2025 manteve a piora. De janeiro a abril, os roubos de celulares cresceram 34% em relação ao mesmo período de 2024, com cerca de 8,7 mil ocorrências — uma média de aproximadamente 200 aparelhos roubados ou furtados por dia até julho. Apenas em janeiro, os roubos de celulares aumentaram 39%, respectivamente.

Os números de latrocínios — roubo seguido de assassinato — também preocupam. Em 2022, o Estado do Rio de Janeiro registrou o menor índice desde o início da série histórica, iniciada em 1991, com 64 casos. O número de casos ficou praticamente estável em 2024, que registrou um total de 65, segundo o ISP.
No início de 2025, o cenário pareceu se abrandar. o número de latrocínios nos dois primeiros meses despencou para 12 vítimas, ante 17 no mesmo período de 2024. Mesmo assim, não há espaço para alívio: os protocolos implícitos e estatísticas alarmantes impõem ao fluminense a regra não escrita de que, no Rio de Janeiro, sobreviver exige tanto atenção quanto sorte.
Fonte: revistaoeste