Sophia @princesinhamt
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Descubra como a criatividade pode florescer na rotina do tédio

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Eu moro a alguns quarteirões de um estádio de futebol, mas a única ocasião em que eu realmente senti uma torcida fazer o chão vibrar foi em 2023, no quintal de um casarão em Atibaia – uma cidadezinha florida a 50 km de São Paulo.

Dois amigos queridos e religiosamente dedicados ao ócio improdutivo se sentaram na grama a alguns metros de uma latinha vazia e começaram a arremessar frutinhas minúsculas colhidas de uma árvore próxima. Eles cismaram com o objetivo de encaçapar um – apenas um – dos orbes de açúcar na tampa, que tem pouco mais de 1 cm de diâmetro. Uma cesta de basquete digna de dez pontos.

Uma hora e centenas de lançamentos depois, já havia pipoca, cerveja e uma plateia de dez amigos-torcedores vibrando pela dupla com um ímpeto que o brasileiro médio só reservaria à Rebeca Andrade. Quando eles finalmente acertaram, o brado retumbante chegou às margens do Ipiranga – os armários da cozinha balançaram e toda a louça tilintou.

A moral dessa história é que ela não tem moral. Pela maior parte da história humana, nossos antepassados passavam um tempo razoável sem nada para fazer – e não havia o feed do TikTok para preencher o limbo existencial sartriano com quatrocentos vídeos cuidadosamente curados. Inventamos distrações brilhantes para ressuscitar dias chuvosos na praia: ping-pong, bolinhos de chuva e Mario Kart são minha santíssima trindade dos passatempos. E as crianças sempre foram especialistas em driblar (ou só tolerar) o tédio das férias.

Enquanto me preparava para ler a matéria de capa da sempre brilhante repórter Maria Clara Rossini – um dossiê sobre a relação conturbada entre infância e internet móvel –, descobri na revista New Yorker a existência, nos EUA, de uma creche caótica chamada The Yard (“O Quintal”). Os pirralhos ficam à solta com uma série de materiais de construção e ferramentas à mão, todas leves e inofensivas. Os pais não podem entrar, e os funcionários observam de longe, intervindo apenas quando alguém resolve martelar o coleguinha em vez de uma tábua. As crianças amam, e imploram para voltar.

Um artigo publicado em 2013 no periódico especializado Journal of Pediatrics explica que a falta de atividades improvisacionais e não estruturadas como essas é um fator importante na atual crise de saúde mental entre crianças e pré-adolescentes – que, frequentemente, seguem agendas regradas, com lições de casa, natação, balé, judô e afins (e boas doses de celular nos intervalos, é claro). O tédio é um combustível necessário para o amadurecimento psicológico. Com um punhado de amigos e objetos simples, você aprende a se arriscar, a solucionar quebra-cabeças e a ler expressões faciais e entrelinhas.

Antonio Prata escreveu que “a infância é uma sequência de desejos cerceados pelos adultos”. E é bom mesmo cercear tentativas de comer pedra ou pular pela janela. Mas, da próxima vez que você vir um bebê com uma latinha e uma pitanga nas mãos, pense duas vezes antes de impedi-lo. Pode levar uma hora, mas… vai que ele acerta o arremesso?

 

 

Fonte: abril

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