Se Tim Maia fosse compositor um pouco mais cedo, suas canções poderiam ter sido muito diferentes. Há 2,4 bilhões de anos, por exemplo, ele provavelmente teria lançado o hit “Verde da cor do mar”, no lugar do seu já conhecido “Azul da cor do mar”. Se a ideia de oceano já te remete instantaneamente a cor azul, saiba que nem sempre a nossa Terra foi assim.
Quando a Terra surgiu, a partir de pedaços de rochas flutuantes no espaço, as cores eram bem básicas: cinzas, marrons e pretos. Ao longo dos bilhões de anos, a paisagem se modificou sucessivas vezes – a chuva solubilizou o ferro do solo, transportando-o para os oceanos e rios.
A atmosfera era muito diferente, rica em metano e sem nenhum oxigênio livre. Foi nessa época, chamada de Arqueano, que os primeiros organismos capazes de gerar energia a partir de luz solar evoluíram. Eles faziam um tipo inicial de fotossíntese que não produzia oxigênio. Mais tarde, surgiram as cianobactérias, capazes de usar água no processo e liberar oxigênio como subproduto.
Esse foi o começo do Grande Evento de Oxigenação, entre 2,4 bilhões de anos e 2 bilhões de anos atrás. Era o fim de uma Terra praticamente sem oxigênio e o começo da atmosfera como conhecemos. O oxigênio livre abundante cumpria uma função interessante: oxidar o ferro. Em outras palavras, enferrujar.
Os cientistas sabem disso porque, entre outras evidências, faixas de solo profundo muito antigas registram essa mudança entre os depósitos de ferro que surgiram na ausência de oxigênio e os depósitos de ferro oxidado, avermelhados.
E o que tudo isso tem a ver com os oceanos verdes? A conexão fica a cargo de um novo estudo, publicado em fevereiro na revista Nature.
A pesquisa começou a partir da observação da ilha japonesa Iōtō, que era anteriormente conhecida como Iwo Jima. A ilha tem um vulcão que faz com que o solo e a água sejam ricos ferro. Assim como no Grande Evento de Oxigenação, o contato desse ferro com o oxigênio da atmosfera e da água oxida o ferro, produzindo uma forma chamada férrico, cujas partículas em suspensão podem dar um tom esverdeado à água.
Nessa região do mar japonês, as cianobactérias prosperam mais do que a média. Essas bactérias produzem energia por meio da fotossíntese, mas, diferentemente das plantas, não utilizam apenas a clorofila.
A clorofila é um pigmento verde presente nas plantas que absorve bem a luz branca. Mas as cianobactérias têm outra carta na manga: o pigmento ficoeritrobilina (PEB), que funciona melhor com luz verde.
Isso faz com que elas sejam melhor adaptadas ao mar de Iōtō e, evolutivamente, sugere que em algum momento, os oceanos provavelmente tinham uma coloração esverdeada, favorecendo organismos adaptados a esse tipo de luz.
Simulações de computador reforçam essa ideia. Elas mostram que a liberação inicial de oxigênio pela fotossíntese poderia ter gerado ferro férrico suficiente para deixar as águas da superfície visivelmente verdes. Assim, a coloração dos oceanos pode ter mudado ao longo do tempo, acompanhando as transformações químicas e biológicas que moldaram o planeta.
Outras cores seraiam possíveis, pelo menos teoricamente. Segundo Cédric M. Joh, professor de ciência de dados para meio ambiente e sustentabilidade da Queen Mary University of London, concentrações altas de enxofre poderiam deixar o oceano roxo.
Já a decomposição de rochas poderia deixar a água vermelha. Hoje existem “marés vermelhas”, um desequilíbrio causado pela explosão de algas vermelhas na superfície da água, e ligado a intensa concentração de fertilizantes, como o nitrogênio.
Em um futuro mais distante, com o envelhecimento do Sol, outras mudanças serão inevitáveis. Segundo Joh, a estrela tende a se tornar mais brilhante, levando ao aumento da evaporação da água e à intensificação da radiação ultravioleta.
“Isso pode favorecer as bactérias de enxofre púrpura que vivem em águas profundas sem oxigênio”, diz Joh. “Isso levará a mais tons roxos, marrons ou verdes em áreas costeiras ou estratificadas, com menos cor azul profunda na água à medida que o fitoplâncton diminui.”
Fonte: abril