CENÁRIO AGRO

Crise logística e pressão internacional impactam produção agrícola em Mato Grosso

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O campo mato-grossense, que tantas vezes carrega o Brasil nas costas quando o assunto é produção agrícola, atravessa uma semana de tensão. Três frentes distintas – mas profundamente interligadas – estão tirando o sono de produtores e analistas: a demora na colheita do algodão por conta do frio, o déficit de armazenagem que força a venda antecipada da soja, e a nova tarifa de 50% dos Estados Unidos sobre produtos como madeira, milho, soja e etanol.

Farelo em queda, óleo de soja em alta: o mercado bifurcado

De um lado, o óleo de soja surfou a onda da demanda crescente por biocombustíveis nos Estados Unidos e subiu 1,75% em Mato Grosso, atingindo uma média de R$ 6.142,27 por tonelada, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). Do outro, o farelo de soja não teve a mesma sorte: com oferta abundante e demanda enfraquecida, o preço caiu 0,41%, ficando em R$ 1.493,27 por tonelada.

No cenário internacional, a tendência foi semelhante: em Chicago, o óleo avançou 1,56%, refletindo o otimismo com os biocombustíveis nos EUA. Já o farelo teve leve alta de 1,42% puxada por expectativa de compras pelas Filipinas.

Tarifa dos EUA acende sinal vermelho no comércio exterior

Como se não bastasse a montanha-russa dos preços, os produtores agora têm de lidar com um fantasma conhecido: o protecionismo americano. O presidente Donald Trump anunciou uma tarifa adicional de 50% sobre produtos brasileiros, incluindo madeira, milho, etanol e soja.

O governador Mauro Mendes já soou o alarme: “Empresas que exportam até 70% da sua produção de madeira para os EUA vão sentir o baque imediatamente. A carne bovina, por sorte, é menos dependente desse mercado e pode ser redirecionada a outros países”, disse em entrevista à Jovem Pan.

Mas o impacto não se limita à madeira. A produção de soja e milho, que já enfrenta seus próprios desafios, também será afetada. Segundo o governo, os efeitos devem ser sentidos com mais força no curto prazo, mas há esperança de recuperação no médio prazo. Ainda assim, até lá, o prejuízo pode ser significativo.

Colheita do algodão emperra com o frio fora de hora

Enquanto os mercados fervem, as lavouras de algodão esfriam — literalmente. A colheita da safra 2024/25 segue em ritmo lento: até 25 de julho, apenas 9,75% da área havia sido colhida. Isso representa um atraso de quase 14 pontos percentuais em relação ao ano passado, de acordo com o Imea.

As causas? Clima frio e resistência na abertura dos capulhos em muitas lavouras. As temperaturas mais baixas esticaram o ciclo do algodão e dificultaram a maturação. A região Nordeste do estado lidera com 32,71% colhido, mas outras regiões, como o Oeste, patinam com menos de 5%.

Há expectativa de que os trabalhos acelerem nas próximas semanas, especialmente nas áreas de segunda safra, que representam mais de 80% do total. Mas tudo depende do clima — e o tempo, como se sabe, nem sempre é amigo do produtor.

Déficit de armazenagem vira nó logístico em plena supersafra

Produção de grãos ressalta gargalo de armazenagem em Mato GrossoProdução de grãos ressalta gargalo de armazenagem em Mato Grosso
Produção De Grãos Ressalta Gargalo De Armazenagem Em Mato Grosso

O velho dilema da falta de armazéns voltou com força. Com a produção de soja e milho estimada em impressionantes 104,91 milhões de toneladas, Mato Grosso só consegue estocar metade disso. A capacidade atual é de 52,32 milhões de toneladas, gerando um déficit de 52,60 milhões.

O resultado? Agricultores sendo obrigados a vender a safra antecipadamente para liberar espaço, muitas vezes em momentos de baixa nos preços. Isso compromete diretamente a rentabilidade das lavouras, principalmente para os pequenos e médios produtores.

Desde 2010, a produção de grãos cresce 9,89% ao ano. A armazenagem? Só 4,25%. A diferença é brutal e escancara a falta de investimentos e políticas públicas no setor. O desequilíbrio causa um efeito dominó: sobrecarga nas rodovias, aumento nos custos de transporte e maior dependência de armazéns privados, que cobram caro pela armazenagem terceirizada.

Comercialização avança por necessidade, não por estratégia

Os números de comercialização refletem esse cenário. A soja da safra 2023/24 já teve 76,63% vendida, parte por conta de uma leve recuperação dos preços, mas principalmente pela pressão por espaço. Em contrapartida, a safra 2024/25 avança timidamente: só 16,77% foi comercializada — bem abaixo da média histórica.

O produtor está cauteloso. Com o câmbio instável, clima incerto, cenário internacional tenso e problemas internos de logística, a palavra de ordem é prudência. Mas a falta de estrutura muitas vezes empurra o agricultor para decisões forçadas.

colheita de soja em Mato Grosso

colheita de soja em Mato Grosso

O agro no limite: a riqueza que escorre pelos dedos

O agro mato-grossense vive um paradoxo: é forte, moderno e produtivo, mas sofre com gargalos típicos de um sistema que cresceu sem base sólida. A imagem é clara: silos lotados, caminhões atolados, tarifas abusivas e clima desafiador. É como tentar armazenar um rio numa caixa d’água — impossível não haver transbordo.

A lição está dada. Sem investimento em armazenagem, sem negociação política eficiente e sem planejamento logístico, parte da riqueza produzida no campo continuará escorrendo pelos dedos. E isso, num estado que alimenta o Brasil — e boa parte do mundo —, é mais do que uma ironia: é um risco que já se concretiza.

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Fonte: cenariomt

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