Vaca com listras de zebra poderiam reduzir as picadas de moscas? Quais os sabores de pizza que os lagartos preferem?
Perguntas do tipo talvez não passem pela sua cabeça, mas saiba que há um prêmio inteiro dedicado aos cientistas que se debruçam sobre as pesquisas mais inusitadas do mundo: é o Ig Nobel, paródia bem-humorada do Nobel que chegou à sua 35ª edição nesta quinta-feira (18) em Boston, nos Estados Unidos.
Organizada pela revista Annals of Improbable Research, a cerimônia reuniu dez estudos de diferentes áreas que, como sempre, cumpriram a proposta de “primeiro fazer rir e depois fazer pensar”.
Por mais inusitados que pareçam, os trabalhos premiados foram publicados em revistas científicas de prestígio. Para os organizadores, eles mostram como a curiosidade pode transformar situações triviais em descobertas de fato.
Realizada na Universidade de Boston e transmitida via Youtube, a cerimônia manteve as tradições: prêmios entregues por verdadeiros vencedores do Nobel, aviões de papel lançados pelo público e até uma ópera dedicada à digestão, tema escolhido deste ano.
“O conjunto de prêmios mostra a diversidade de áreas, problemas e perguntas e a criatividade dos cientistas. Embora a ciência seja empreitada séria, a prática científica não precisa ser sisuda ou sem alguma criatividade e senso de humor”, disse à Super Mercedes Okumura, professora no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do conselho responsável pelo evento.
Entre os premiados, um dos trabalhos mais comentados veio da África Ocidental. Pesquisadores flagraram lagartos arco-íris em um resort de Lomé, capital de Togo, roubando fatias de pizza de turistas. Mais do que o inusitado comportamento, os cientistas descobriram que os animais demonstraram clara preferência pela versão quatro queijos.
“O aroma dos quatro queijos é mais forte do que o de outros tipos de pizza e, portanto, achamos que isso atraiu os lagartos”, disse Luca Luiselli, ecologista e um dos autores do estudo, à Australian Broadcasting Corporation (ABC).
“O queijo provavelmente permite que os lagartos melhorem rapidamente sua condição corporal e armazenem lipídios para investir na reprodução futura, ao mesmo tempo em que minimiza os custos da predação de insetos e outros invertebrados. Marcamos vários desses indivíduos e os observamos [ao longo de vários anos]. Eles têm uma expectativa de vida normal para a espécie”, acrescentou. A pesquisa levou o prêmio na categoria Biologia.
Outro destaque que divertiu o público veio do Japão: cientistas pintaram vacas com listras pretas e brancas, imitando zebras, e observaram uma queda de quase 50% no número de picadas de moscas.
O estudo, vencedor na categoria Agricultura, argumenta que estes insetos são atraídos pelo cheiro, pelo movimento, pela cor dos animais e também pela forma como a luz reflete em seus corpos. As listras quebram esse padrão visual e os confundem, dificultando o pouso. Além de diminuir os incômodos para o rebanho, essa solução pode reduzir o risco de doenças transmitidas por moscas e evita o excesso de produtos químicos, que trazem custos para os produtores e efeitos ambientais.
A relação entre comida e ciência esteve presente em várias categorias. No prêmio de Nutrição, foi premiada uma pesquisa pioneira dos anos 1990 que mostra que a dieta da mãe pode alterar o sabor e o cheiro do leite humano.
“Os bebês ficavam presos ao peito por períodos mais longos e sugavam mais quando o leite tinha cheiro de alho”, escreveram os pesquisadores. “Como os adultos participantes conseguiram detectar um odor associado à ingestão de alho, é provável que os bebês também tenham sentido o mesmo.”
Na categoria Física dos Alimentos, uma equipe italiana mergulhou no preparo do tradicional cacio e pepe e revelou que a concentração de amido da água do macarrão é decisiva para evitar que o queijo empelote. O trabalho identificou até uma “fase mozzarella”, quando a receita desanda.
Outro estudo relacionado à comida, mas levado ao extremo, foi reconhecido na categoria Química. Pesquisadores liderados por Rotem Naftalovich, da Universidade Rutgers, testaram a chamada “dieta Teflon”. A proposta era misturar politetrafluoretileno (PTFE) em alimentos para aumentar a sensação de saciedade sem adicionar calorias.
Naftalovich chegou a produzir e consumir barras de chocolate com Teflon, mas o FDA (agência reguladora dos EUA) recusou-se a avaliar a ideia. “Não acho que eles quisessem revisá-lo porque era uma ideia muito estranha”, admitiu ao The Guardian.
No campo da Psicologia, uma pesquisa da Polônia e da Austrália mostrou que elogiar a inteligência de alguém aumenta temporariamente seu nível de narcisismo. “Embora isso possa parecer uma descoberta bastante simples, considere a possibilidade de que elogiar demais as pessoas regularmente ao longo do tempo pode ter efeitos mais substanciais e dramáticos no nível de narcisismo característico de uma pessoa”, disse Gilles Gignac, um dos autores, à ABC.
Outra equipe recebeu o prêmio de Linguística/Comportamento ao avaliar se pequenas doses de álcool ajudam na fluência de línguas estrangeiras. “Um pequeno gole pareceu aumentar a confiança sem fazer as palavras se desmancharem”, disse o psicólogo Fritz Renner, da Universidade de Freiburg, ao The Guardian.
Mas o colega Matt Field, da Universidade de Sheffield, fez questão de ponderar: “Não é como se as pessoas se transformassem em falantes perfeitos de holandês depois de uma única bebida”.
Nem os morcegos escaparam da irreverência. Pesquisadores mostraram que os morcegos-da-fruta egípcios ficam mais lentos e têm a ecolocalização prejudicada depois de ingerirem frutas fermentadas.
“Um morcego mais devagar pode ser mais vulnerável a predadores – e, consequentemente, o álcool pode reduzir até o sucesso reprodutivo da espécie”, explicou Francisco Sánchez, da Universidade de Los Llanos, em entrevista ao g1. O trabalho foi reconhecido na categoria Zoologia/Aviação.
Outras pesquisas também chamaram a atenção. Um estudo indiano analisou como o mau cheiro de sapatos interfere na experiência de usar sapateiras e sugeriu soluções de ventilação.
Na Literatura, o homenageado foi o médico norte-americano William B. Bean (1909–1989), que durante 35 anos registrou o crescimento de uma única unha, publicando artigos sobre a velocidade e as variações do processo. Seu filho Bennett contou ao Guardian que a família participou da empreitada: “Ele se interessava pelo mundo e nós fazíamos parte dele. Ele teria adorado isso e usado o evento para escrever um discurso de agradecimento perfeito. Ele diria: ‘Finalmente, reconhecimento!’”.
Fonte: abril