O aumento das apostas no Brasil tem gerado relatos de pessoas que estĂŁo enfrentando vĂcios, com consequĂȘncias financeiras e psicolĂłgicas. Felipe (nome fictĂcio), de 28 anos, pai de trĂȘs filhos, Ă© um exemplo.
Morador de Niterói (RJ), era casado havia uma década. Também gerenciava uma equipe de atendimento e recebia R$ 9,6 mil mensais. No entanto, sua vida ruiu depois de viciar-se em apostas.
âUm colega de trabalho me mostrou a aposta esportivaâ, relata Felipe, ao jornal Folha de S.Paulo. âInteressei-me porque entendo de futebol, e quando a gente ganha o ego fica inflado.â
Durante a Copa do Mundo de 2022, ele chegou a ganhar R$ 62 mil em apenas uma hora.
O inĂcio do declĂnio
Ă Ă©poca, ele jĂĄ tinha dĂvidas com bancos, colegas e um agiota, que totalizavam R$ 25 mil. Apesar de poder quitar todas as dĂvidas, pagou apenas R$ 10 mil e usou o restante para apostar mais, mas perdeu tudo. Ele, entĂŁo, migrou para cassinos on-line.

âA conta nĂŁo fechaâ, descreve Felipe. âMinha mulher me ligava e falava o que tava faltando em casa. NĂŁo tinha dinheiro. Pedia emprestado, jogava para tentar recuperar, mas perdia mais ainda. Fazia questĂŁo de ficar mais tempo na rua, chegava em casa e mentia que o mercado estava fechado.â
ConsequĂȘncias do vĂcio em apostas
Com a mulher reclamando da falta de dinheiro e do tempo no celular, Felipe cometeu atos ilĂcitos. Ele acessou o banco para pegar dinheiro de parentes e funcionĂĄrios, que faziam emprĂ©stimos consignados para ele. A obsessĂŁo era encontrar formas de obter dinheiro para jogar.

âEra uma tortura psicolĂłgicaâ, contou Felipe. âConseguia R$ 500, mil. Isso, no entanto, ia embora em questĂŁo de horas. JĂĄ acordei de madrugada esperando o salĂĄrio cair para colocar na plataforma e jogar. De manhĂŁ cedo, jĂĄ nĂŁo tinha mais nada.â Ele chegou a usar R$ 1,5 mil, destinados Ă escola dos filhos, em apostas.
O impacto das apostas na vida pessoal e profissional
AlĂ©m disso, o vĂcio culminou na perda do emprego, depois de uma denĂșncia de um credor Ă empresa. O casamento acabou em março, 20 dias depois da demissĂŁo, quando a mulher descobriu um emprĂ©stimo de R$ 20 mil.
âDescobri depois que minha irmĂŁ, minha mulher e meus pais conversavam para tentar entender se eu tinha outra famĂlia, se estava usando ĂĄlcool ou drogasâ, disse.

Sem emprego e separado, Felipe voltou para a casa dos pais, jĂĄ sem o dinheiro da rescisĂŁo. âEstava encurralado pelos meus pais, pela minha irmĂŁ, pelos amigos me cobrando, pelo agiota, pelo banco, nĂŁo tinha mais o que fazerâ, disse. âAĂ abri o jogo. Foi muito difĂcil porque ninguĂ©m entendia. Nunca tinham ouvido falar disso naquele momento.â
O inĂcio da recuperação
Em abril, passou o aniversĂĄrio sem receber ligaçÔes ou ver os filhos. âAndava na rua e achava que todos estavam me olhando, me julgando, que sabiam da minha vidaâ, relatou Felipe. âPensava que o agiota estava atrĂĄs de mim e que me mataria. VĂĄrias vezes me escondi no meio da rua.â
A mudança começou quando um familiar contabilizou uma dĂvida de R$ 98 mil, pagou o valor e combinou de cobrar depois.Â
A ex-mulher o levou aos , um grupo de apoio em NiterĂłi. âEstava em uma fase em que nĂŁo tinha opçãoâ, disse. âHavia jogado tudo fora e perdido a confiança das pessoas, sem credibilidade nenhuma. Quando a reuniĂŁo começou, a chave virou. Fui acolhido sem julgamentos, sĂł escutava histĂłrias parecidas. Sou muito grato, era a Ășltima esperança.â
Nova chance
HĂĄ um ano e 3 meses, Felipe participa regularmente das reuniĂ”es, trĂȘs vezes por semana, em NiterĂłi ou em SĂŁo Paulo. Desde janeiro, ele voltou ao mercado de trabalho. Começou a atuar, remotamente, em uma empresa de SĂŁo Paulo. Ele divide seu tempo entre o Rio de Janeiro e a capital paulista.
Fonte: revistaoeste