Uma técnica antiga, datada de 1920, antes mesmo da criação da penicilina, que revolucionou os tratamentos de doenças infecciosas com antibióticos, vem ressurgindo como alternativa a tratamentos difíceis de serem encarados: bactérias multi e super-resistentes.
A resistência antimicrobiana é uma crise de saúde global, anunciada pela própria OMS. A sociedade está enfrentando, e enfrentará em questão de três décadas, crises graves de resistência aos antibióticos.
Um microrganismo resistente a antibioticoterapia oferece um grande risco ao ser humano, uma vez que ameaça a capacidade de tratamento e erradicação de doenças que podem facilmente se propagar e causar a morte de milhares de pessoas.
Segundo a Opas, “a RAM ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações quando expostos a antimicrobianos (antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos ou anti-helmínticos, por exemplo)”. Os microrganismos resistentes à maioria dos antimicrobianos são conhecidos como ultrarresistentes.
“Como resultado, os medicamentos se tornam ineficazes e as infecções persistem no corpo, aumentando o risco de propagação a outras pessoas. A resistência aos antimicrobianos representa uma ameaça crescente à saúde pública mundial e requer ação de todos os setores do governo e da sociedade”, diz o órgão.
Após passarmos por uma pandemia, dizer que o tratamento com vírus pode ser uma boa estratégia em substituição a antibioticoterapia é um tanto estranho, porém essa é uma afirmação cada vez mais usada e estudada, e que vem ressurgindo como opção viável e segura.
A fagoterapia é uma alternativa segura para tratamento no lugar de antibióticos, pois se utiliza de uma espécie de vírus bacteriófagos, ou seja, vírus “comedores” de bactérias.
Já foram catalogados mais de 5 mil tipos de vírus bacteriófagos (ou fagos), que infectam e atacam as bactérias. Para que o tratamento seja eficiente, o vírus deve ser de alta virulência, capaz de matar a célula bacteriana através da lise celular. Já o antibiótico, em sua grande maioria, não é capaz de causar essa lise celular, apenas tendo como efeito bacteriostático no microrganismo, o que possibilita a sua formação de cepas resistentes.
Um grande exemplo de terapia com fagos, ou melhor, fagoterapia, é o transplante de microbiota fecal, ou TMF, sobre o qual já escrevi aqui uma coluna em colaboração com o microbiologista Alessandro Silveira. No bolo fecal, foi-se constatado que existem mais fagos do que bactérias, e através disso, pode-se isolar determinados tipos de fagos específicos para combater infecções com as bactérias designadas ao combate.
O que é interessante saber sobre a fagoterapia
Não são danosos ao corpo humano. Não oferecem riscos às células humanas, pois as mesmas não possuem os receptores de superfície que se ligam ao vírus bacteriófago. O uso dessa terapia não oferece desequilíbrio da microbiota intestinal, e isso evita que o indivíduo crie tanto cepas resistentes no futuro, como também minimiza o surgimento de infecções fúngicas, comuns após antibioticoterapia.
Obviamente que essa terapia, assim como qualquer outra, ainda oferece lacunas na ciência que devem ser estruturadas para que haja melhor oferta à sociedade. Hoje, um dos maiores bancos de fagos está localizado na Geórgia (Instituto de Bacteriófagos Eliava), sendo que, para viabilizar a utilização em larga escala como uma terapia de fácil acesso, seria necessário aumentar a produção e investimentos em pesquisa a nível mundial.
Embora na ciência a fagoterapia já seja muito bem descrita, a luta hoje é em como isolar cada vez mais tipos de bacteriófagos, designando-os a diferentes tratamentos onde o patógeno se tornou ultrarresistente, como as bactérias encontradas em ambientes hospitalares e demais condições.
O que causa a resistência antimicrobiana?
O uso indiscriminado de antibióticos é a principal causa de resistência aos antimicrobianos, levando a cepas ultrarresistentes de bactérias que oferecem riscos iminentes à população, uma vez que nenhum medicamento seria capaz de combater os efeitos da doença, podendo levar à morte e à alta propagação entre indivíduos.
Hoje, como mencionado antes, a RAM é um alerta de crise de saúde global, sendo assim, terapias como a fagoterapia estão sendo novamente estudadas e aplicadas mundo afora.
Por fim, ainda segundo dados da Opas e OMS, 480 mil pessoas desenvolvem tuberculose multidrogarrresistente e a resistência aos medicamentos também está começando a complicar a luta contra o HIV e a malária.
Fonte: uol