Para quem gosta de tomar refrigerante quando está com sede ou tem hábito consumir a bebida diariamente, convém compreender um pouco do processo que se passa no organismo para assimilá-la e os efeitos que provêm daí.
O refrigerante é considerado um ícone de fim da sede, embora não seja bem assim. Por se tratar de um composto líquido concentrado, com muitos ingredientes e alto teor de açúcar, ao ser ingerido não consegue ser imediatamente absorvido pelas paredes do aparelho digestivo pelo usual processo de osmose.
Isso significa que o organismo é forçado a diluir a bebida utilizando água disponível em seu interior para só então transpô-la do intestino para a corrente sanguínea.
Desse modo, ao invés de matar a sede e hidratar o corpo, essas bebidas provocam pequenas desidratações temporárias para que possam ser assimiladas.
Outras bebidas também demandam a mesma jornada de diluição com água do organismo para que possam ser absorvidas e caiam na corrente do plasma (parte líquida do sangue). Um exemplo são os sucos de fruta, como o de laranja e uva, além de outras bebidas como energéticos e grande parte das bebidas alcóolicas.
No caso do refrigerante, o sabor altamente adocicado atua também para atrapalhar a saciedade.
O refrigerante dá uma sensação inicial de matar a sede, mas é momentânea. Logo depois a sede volta. Camila Scalassara, nutróloga do hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP
Segundo ela, bebidas açucaradas, como o refrigerante, seja normal ou diet, são repletas de substâncias como corantes, aromatizantes, conservantes, entre outros, que fazem o organismo confundir seus sinais internos de sede com o de fome. “Já a água é pura e tem absorção rápida. Por isso só ela mata a sede.”
O que o refrigerante faz no corpo?
Pensar que a grande quantidade de açúcar é a culpada pelo lado engordativo do refrigerante é considerar apenas uma parte do problema.
Quem é viciado na bebida e não toma água suficiente faz com que o organismo se adapte a essa situação e pare de dar sinais de sede, passando, em vez disso, a sinalizar fome, quando na verdade está precisando se hidratar.
“A fome muitas vezes vem por desidratação. Ter hábito de beber muito refrigerante e não tomar água leva o organismo a viver em um estado de desidratação permanente, o que pode levar ao ganho de peso”, afirma o fisiologista Claudio Barnabé, professor da UPE (Universidade de Pernambuco). “A água é um alimento, um micronutriente. Sem tomar água suficiente, a pessoa vai viver em desnutrição.”
A troca do refrigerante tradicional pela versão diet ou zero caloria não melhora o resultado. Isso ocorre porque o cérebro é naturalmente dependente de glicose e insulina para realizar suas atividades. Assim, a entrada de uma dose muito alta de glicose no organismo é detectada por ele imediatamente e leva a uma série de efeitos fisiológicos que levam à sensação de gratificação comparada a uma leve embriaguez.
A explicação é a mesma para o alto poder de adição do refrigerante, ou seja, sua alta capacidade de induzir ao vício de seu consumo. Quando há entrada de uma bebida muito doce no organismo, vários fatores do eixo entre o intestino e o cérebro avisam ao pâncreas para produzir mais insulina e estimulam a liberação de dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de satisfação e bem-estar. Essa ocorrência sinaliza ao cérebro: “Isso é prazeroso”.
Assim, depois de uma a duas horas, ele vai gerar vontade de uma nova carga de sabor muito doce. Aí se desenvolve o vício e explica-se o fato de o sabor doce da versão diet do refrigerante também gerar o mecanismo de recompensa. Mesmo não sendo o açúcar o responsável pelo sabor, há um grande estímulo de dopamina.
Com o tempo e o consumo contínuo da bebida, seja normal ou diet, vai diminuindo a liberação da dopamina, levando a uma necessidade cada vez maior de novas ingestões de sabor doce para se obter a mesma sensação de prazer inicial. Assim se forma o vício em refrigerante e o hábito de consumo crescente de bebidas e alimentos açucarados.
“Está muito na moda profissionais recomendarem o consumo de refrigerantes sem calorias como estratégia para dietas de emagrecimento, o que é absolutamente inadequado”, diz Claudio Barnabé. “Embora o valor calórico seja próximo a zero, a bebida não nutre nem hidrata e ainda pode desequilibrar bactérias do intestino e causar inflamação crônica no corpo, a disbiose intestinal.”
É preciso separar o que é matar a sede e o que é hidratar
É o que explica Guilherme De Agostini, professor das faculdades de educação Física e Fisiologia da UFU (Universidade Federal de Uberlândia).
Segundo ele, a água é o melhor líquido para matar a sede e hidratar o organismo devido à sua pureza e composição fluida, que permite ser absorvida rapidamente pelo intestino. No entanto, apesar de eficaz, ela elimina a sensação de sede muito rápido, o que a leva a ser ingerida em uma quantidade menor do que a necessária para a hidratação do organismo.
Quando a gente bebe um copo de água, a gente se satisfaz logo e perde a vontade de tomar um segundo copo. Por isso também que, em caso de desidratação mais séria, são utilizados soros ou bebidas isotônicas, cuja composição permite a absorção mais rápida até mesmo que a água e cujo sabor, devido ao alto índice de sais minerais, mata a sede aos poucos, levando à sua maior ingestão. Guilherme De Agostini, professor
O problema da água, diz Agostini, é a falsa sensação de saciedade e então o volume ingerido tende a ser menor. Em um dia normal, em que a pessoa não está com desidratação em um nível severo, isso não traria maiores implicações.
“Já em caso de prática de exercício físico, diarreia ou vômito, em que a desidratação é alta, a melhor maneira de se reidratar é o soro ou a bebida isotônica, que têm eficiência maior”, diz. “E nesse caso, o refrigerante não tem nenhum propósito com a hidratação.”
Dicas e cuidados a tomar na ingestão de bebidas para matar a sede e hidratar-se
Nunca se questionar se deseja ou não beber água. Apenas beba.
Via de regra a pessoa está desidratada.
Lembrar-se que beber água e manter-se hidratado ao longo do dia diminui a necessidade de açúcar.
Tente beber ao menos 8 copos de água por dia com intervalo de uma a duas horas. Mantenha uma garrafa de água à mão para se lembrar, faça uso de aplicativos que avisam a hora de beber.
Consumir frutas hidratantes, como melão e melancia. Quem toma muita bebida açucarada costuma perder o paladar para frutas e passa a não sentir o sabor delas.
Reduzir o consumo de bebidas diuréticas, como álcool e cafeína.
Considerar que bebidas açucaradas inibem a digestão, causam disbiose intestinal, sinalizam no cérebro um desequilíbrio crônico entre os hormônios da saciedade e da fome, o que causa inflamação crônica que não produz sintomas, mas baixa a imunidade, leva ao pré-diabetes e uma série de outros efeitos.
Lembrar que a água é o único elemento capaz de matar a sede e manter o organismo hidratado ao mesmo tempo.
Como referência de hidratação, há uma medida estabelecida de 35 ml de água por quilo de peso corporal, variando com o ambiente de temperatura mais alta e em casos de maior ou menor volume corporal.
Para quem é consumidor inveterado de refrigerante, uma estratégia de redução de danos é ingerir a mesma quantidade de água.
Considerar que a água é um líquido adequado para acompanhar refeição, mesmo em restaurante.
Para avaliar o nível de hidratação do próprio corpo, basta observar a cor da urina. Ela tem que estar clara e sem cheio forte, sem acidez.
Fonte: uol