Sophia @princesinhamt
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Filtro de rede social x transtorno de imagem: como identificar os gatilhos e preservar a saúde mental

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Grupo do Whatsapp Cuiabá

Bastam cinco minutos no perfil de uma influenciadora francesa, para eu ficar triste, com medo e apreensiva. Além de tristeza —principalmente sendo mão de uma menina, vale dizer— sinto repulsa, nojo e ânsia de vômito.

Deixe-me explicar: ao abrir a aba de pesquisas do Instagram (o Explorar), é normal que a plataforma nos apresente publicações relevantes no nicho a que estamos acostumados a dar ibope. No meu caso: gastronomia, comidas, restaurantes, receitas e família.

Porém, com espanto notei um perfil que aparecia constantemente por ali. No registro, uma menina loira de aparentemente 25 anos aparece comendo batata frita com 1 litro de óleo de cozinha. Às vezes, adiciona manteiga em uma colher e come por cima de uma barra de chocolate.

Coisas absurdas como essas, mas de um público não tão absurdo, e muito mais comum do que pensamos. Em uma breve pesquisa pelo perfil da menina, se nota a tristeza em seus relatos sobre transtorno alimentar. Ela conta só mostrar isso pois é doente, lutar contra o seu peso e não consegue controlar.

Neste caso, a doença é a bulimia, que está ligado ao transtorno dismórfico corporal, quando a imagem que o indivíduo olha no espelho não é agradável ao seu ver e pode ser potencializado por uma busca constante de fugas e gatilhos alimentares.

Vejo aqueles vídeos com o coração na boca. Enquanto ela come quantidades altas de produtos e alimentos altamente gordurosos, sal e açúcares, noto em seus dedos o sinal de Russel (escoriações, calos e feridas causadas por provocar o vômito).

Ela não é a única

É nítido o aumento de perfis que expõem absurdos na internet, já que o engajamento virou uma forma de monetização, onde vale o que der, para rentabilizar ao final do mês. Muitos o fazem por prazer, por aparência, e por um transtorno chamado histriônico (aquele que faz de tudo para “aparecer”, e só se sente bem quando é visto e valorizado por todos).

Outra grande maioria das pessoas, no entanto, o faz por se sentir sozinha, vazia e busca na internet um meio em que se sinta acolhida. No caso dos transtornos alimentares, como alguns pacientes ainda mencionam, é uma maneira de tentar mostrar ao outro como é estar no seu lugar.

Fato é que a internet vem mexendo com o comportamento de pessoas que não estão preparadas para isso —e nem precisariam ser preparadas—, como crianças, pré-adolescentes e pessoas vulneráveis emocionalmente.

Um gatilho para o transtorno dismórfico corporal é a perfeição que a internet nos traz constantemente. Somos atacados segundo a segundo por perfeições, que incluem: corpos, rostos, vidas, carros, rotinas, famílias, roupas, estilo de vida e perfis motivacionais.

Os últimos, por exemplo, constantemente tentam mostrar que sua vida pode melhorar a todo custo, que onde você está não é seu lugar e que você pode ficar melhor se seguir as dicas que eles têm para vender por poucas parcelas mensais (de dinheiro, mas também de vida, que se esvai).

Sem perceber, você entra em uma bolha onde nada que você tem, vê, sente, vive, come ou faz é o suficiente comparado ao mundo apresentado ali. E note: não é o mundo lá fora, mas, sim, o mundo da realidade virtual que vem se construindo. Afinal, o mundo real é de pessoas como a gente: que pegam ônibus, chuva, comem arroz com feijão, sentem TPM, possuem espinhas e linhas de expressão, celulite e por aí vai…

Pesquisa

Para essa realidade virtual, onde se tem filtro para tudo, um dos mais usados é o My new twin (Meu novo gêmeo, na tradução do inglês), do TikTok, que deixa você com rosto de “galã de novela”. Ele foi incluído em um estudo da BAPS (Brazilian Association of Plastic Surgeons).

Segundo a pesquisa, mais de quatro milhões de brasileiros entre 15 e 30 anos têm transtorno dismórfico corporal e recorrem a cirurgias e intervenções estéticas para se adequar cada vez mais à imagem vista na tela do celular —e não a do espelho.

Na pandemia, minha tese da especialização seguiu esse tema: “Reação do uso de redes sociais no comportamento alimentar em mulheres jovens brasileiras”.

E, sem nenhum espanto, observei os pontos de alarme para a população, que ainda estavam em crescente, porém não no holofote de agora:

Os filtros criam uma beleza não existente. Quem usa, fica dependente daquela imagem, e se acha mais feio ao não usá-los.

Quanto mais tempo uma pessoa passa na rede social, observando a vida alheia, menos interesse pela própria ela tem. Também se sente frustrada em não conseguir ter ou viver da mesma forma como quem segue.

Imagens de comidas, vídeos (como esse da francesa), corpos com beleza irreal (até existentes, porém, por meio de protocolos estéticos, rotina regrada, suplementos, dieta, treinos. O que geralmente quem é mãe, dona de casa, empreendedora ou empregada não vai conseguir seguir igual), causam uma espécie de frustrações em quem vê e servem como gatilhos para comportamentos de compulsão alimentar episódica, transtorno anoréxico, bulimia nervosa purgativa ou não-purgativa, fatorexia, transtorno restritivo evitativo, entre tantos outros.

Associações e conselhos (como o CRM) alertam a população com ações e campanhas sobre comportamentos de alerta do transtorno dismórfico corporal e como ele pode afetar o hábito alimentar de quem é mais suscetível.

Observe como você, seu filho, sobrinhos ou amigos falam sobre si mesmos. Observe a constante reclamação sobre como está a pele, o cabelo, as unhas. Note como a vida do influenciador se torna importante para pessoas do seu círculo e como as pequenas imperfeições se transformam em grandes problemas.

Entenda como nascem as necessidades por intervenções estéticas de forma exacerbada e constante, assim como as buscas por dietas restritivas, medicamentos, suplementos, treinos e rotinas intensas.

Aspectos físicos também indicam um possível transtorno alimentar. Tenha atenção ao notar:

  • Cabelos fracos e queda anormal pela casa e pelo trabalho;
  • Perda ou ganho de peso de forma intensa e rápida;
  • Idas ao banheiro imediatamente após comer –esse comportamento pode não ser um transtorno, mas fique de olho na frequência com que isso ocorre;
  • Desculpas para não consumir uma refeição em grupo e a redução da vida social (seja no trabalho, em casa, na escola).

Infância

Em crianças, o transtorno dismórfico vem alarmando devido ao alto consumo de telas. Além do estímulo de danças, roupas e comportamentos de adultos (como maquiagens, poses para fotos, uso de filtros e o uso da própria imagem para rentabilização pessoal e familiar).

Sabemos que o ser humano se desenvolve por meio do processo de “imitação” na infância. Quando crianças, imitamos aquilo a que somos expostos. O grande problema de hoje é justamente a alta exposição de padrões e comportamentos, muitas vezes sem filtro, que a criança passa a imitar.

Vale lembrar que o distúrbio de imagem, o dismorfismo corporal, é um processo que vai se desenvolvendo com o tempo. Não é uma doença que surge de forma imediata.

Para pais e cuidadores, fiquem atentos a alguns sinais que a criança, pré-adolescente e/ou adolescente possam ter:

  • Sono excessivo;
  • Irritabilidade;
  • Roer unhas como sinal de ansiedade;
  • Baixa autoestima (“eu nunca consigo tal coisa”, “eu nunca vou conseguir isso”, “eu sou fraco, outros conseguem e eu não”);
  • Comparação excessiva;
  • Isolamento;
  • Comer escondido (guardar comidas no quarto, por exemplo).

De toda forma, como mãe, nutricionista, educadora física e especialista em comportamento alimentar, a mensagem que quero passar nesse momento é de atenção: fale, converse e observe sem julgar.

Se você se compadece, se importa e quer cuidar, procure ajuda de um especialista e crie uma conexão segura no seu relacionamento (com filhos, amigos e com si mesmo) para o tratamento ser uma intervenção na fase inicial.

Fonte: uol
Colunista: @chefcarlosmiranda

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Carlos Miranda

Business consultant | Gastronomo | Chef Executivo | Pitmasters | Chef proprietário OSSOBUCO Outdoor Cooking