Você já se perguntou por que é que aquele seu amigo acorda às 5h na maior tranquilidade? Ou por que chamam de velho quem já está pronto para dormir assim que o Jornal Nacional termina? Bom, a resposta para ambos os casos pode estar relacionada a um primo extinto do Homo sapiens, os neandertais.
Os neandertais surgiram há 400 mil anos a partir do Homo heidelbergensis (espécie que também daria origem, 50 mil anos depois, ao H.sapiens). Viveram sobretudo na Europa e foram extintos há 40 mil anos. Mas não sem antes interagir com os sapiens que saíram da África e chegaram lá. Estudos indicam que, dependendo da região, as duas espécies coexistiram por oito mil anos.
Esse período deixou marcas no DNA dos humanos modernos (sapiens e neandertais transaram um bocado). Compartilhamos, em média, 2% do nosso código genético com eles. E um estudo recente, publicado na revista Genome Biology and Evolution, sugere que essa herança pode ter influenciado no relógio biológico de alguns de nós.
Você sabe: relógio biológico é o mecanismo que faz o nosso corpo funcionar em ciclos de aproximadamente 24 horas. É o famoso ciclo circadiano (do latim circa diem, “cerca de um dia”), que peixes, plantas, fungos e bactérias também possuem.
A nova pesquisa sugere que a parcela neandertal do nosso DNA pode ajudar o entender o nosso cronotipo. Cronotipo tem a ver com o comportamento de sono de uma pessoa (se ela é mais do dia ou da noite) e está relacionado a fatores culturais, sociais e, claro, genéticos.
Os neandertais habitaram regiões bem ao norte da Europa e da Ásia. Nesses lugares, a variação de luz solar ao longo do ano é maior do que em relação ao equador do planeta (como na África, onde os sapiens evoluíram). No verão, os dias são mais longos. No inverno, mais curtos – o Sol nasce tarde e se põe cedo.
A hipótese é de que a seleção natural privilegiou aqueles neandertais que acordavam cedo com facilidade – mesmo que o Sol ainda não tivesse nascido. Essa galera que despertava antes do canto do galo teria mais tempo para ir atrás de alimento e realizar as tarefas cotidianas – aumentando, assim, as chances de sobrevivência.
“Em latitudes mais altas, é benéfico ter um relógio biológico que seja melhor capaz de antecipar e se ajustar para combinar com as mudanças nos níveis sazonais de luz.” explica à CNN um dos autores do estudo, Tony Capra, pesquisador e professor associado de epidemiologia e bioestatística na Universidade da Califórnia. “Ter um relógio ‘mais rápido’ facilita essa capacidade e torna as pessoas mais propensas a acordar cedo.”
Como a pesquisa foi feita
Os cientistas compararam o DNA de três espécies de hominídeos: o Homo sapiens, os neandertais, e os denisovanos (que habitaram a Ásia e podem ter dado a alguns sapiens uma melhor resistência ao frio). Eles se concentraram nos genes ligados ao nosso relógio biológico, claro.
Eles cruzaram essas informações com dados do UK Biobank (um banco médico que contém diversas informações de saúde de várias pessoas, incluindo informações sobre seus ciclos circadianos). E observaram que o DNA neandertal presente nessas pessoas tinha um efeito significativo no cronotipo delas. Não apenas para a capacidade de acordar cedo: os genes também poderiam estar ligados à predisposição de um indivíduo ficar acordado durante a madrugada ou não.
É claro: há vários fatores em jogo que determinam o ciclo circadiano de alguém. Mas da próxima vez que alguém falar dos seus hábitos de sono, você dizer que parte da culpa talvez venha dos nossos primos de outrora.
Fonte: abril